Acórdão nº 328/05.3GTALQ.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCALHEIROS DA GAMA
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No âmbito do processo comum n.º 328/05.3GTALQ, do então 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alenquer, atualmente J1 da Secção Criminal da Instância Local de Alenquer da Comarca de Lisboa Norte, e nos termos da acusação de fls. 263 e segs., que aqui se dá por reproduzida, foram submetidos a julgamento, com intervenção de Tribunal Singular, os arguidos: AA, filho de xxx e de xxx, natural e nacional de S. Tomé e Príncipe, nascido a xxx, solteiro, empresário, com última residência conhecida na xxxx, Seixal, e BB, filho de xxx e de xxx, natural e nacional de S. Tomé e Príncipe, nascido a xx de xx de 1970, solteiro, empresário, com última residência conhecida na xxx, Paio Pires.

Realizado o julgamento, na ausência dos arguidos, nos termos permitidos pelo artigo 333.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), porquanto aqueles se encontravam regularmente notificados para comparecer na audiência e não comunicaram ao tribunal qualquer razão para as suas faltas, bem como não apresentaram contestações nem arrolaram testemunhas, por sentença proferida em 3 de novembro de 2008 (cfr. fls. 356 e segs.) e depositada no dia 5 do mesmo mês e ano (vd. fls. 376 e segs.), veio o arguido AA a ser absolvido de um crime de burla, p. e p. nos termos do artigo 217.º, do Código Penal; um crime de burla qualificada, p. e p. nos termos dos artigos 217.°, n.º 1 e 218°, n.º 1, e dois crimes de falsificação, p. e p. pelo artigo 256.°, n.ºs 1, alínea a) e 3, todos do Código Penal, cuja prática lhe era imputada, em autoria material, concurso real e sob a forma consumada, e o arguido BB a ser absolvido da prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p., à data dos factos, nos termos do artigo 6.°, da Lei 22/97, de 27.06 (por posse da pistola de calibre 6,35mm, que lhe foi apreendida, não registada e municiada com quatro munições), e condenado pelo crime de detenção de arma proibida, p. e p., à data dos factos, nos termos do artigo 275.°, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, por referência ao artigo 3.°, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei 207-A/75, de 17.04[1] (pela posse da navalha de ponta e mola, que lhe foi apreendida), na pena de 180 (cento e oitenta dias) dias de multa, à taxa diária de 5,00 (cinco euros), o que perfaz um total de € 900,00 (novecentos euros), sendo que a prática de ambos os crimes lhe era imputada, em autoria material, concurso real e sob a forma consumada.

Mais foi o arguido BB condenado no pagamento das custas criminais do processo, fixando-se-lhe a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta, procuradoria em 1/2 (metade) da taxa de justiça, 1% (um) da taxa de justiça a favor do IGFIJ.IP e ainda no pagamento dos honorários da Sra. defensora, bem como foram declarados perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos nos presentes autos, melhor identificados no auto de apreensão que constitui fls. 47.

  1. O Ministério Público, inconformado com a mencionada decisão nos seus segmentos absolutórios, interpôs recurso, em 24 de novembro de 2008 (cfr. fls. 380 e segs.), extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: "1ª- As doutas dissertações teóricas expendidas na sentença recorrida merecem o nosso total acolhimento, pelo seu acerto e fundamentação com referência aos textos legais mas merecem a nossa mais profunda discordância no que tange à aplicação concreta do Direito.

    1. - Peca, designadamente, no que concerne à absolvição do arguido AA, que em nosso entender deve ser condenado pela prática, em concurso real, de um crime de burla p. e p. pelo artº 217º do Código Penal e de um crime de uso de documento falsificado, p. e p. pelo artº 256º do Código Penal e da absolvição do arguido BB Noronha, no que toca à prática de um crime p. e p. pelo artº 6º do DL 22/97, pelo qual entendemos que igualmente deve ser condenado.

    2. - Na verdade, o nº 9 dos factos provados contem todos os factos que são necessários para que se conclua pelo preenchimento pelo arguido Inácio Bonfim de todos os elementos constitutivos dos crimes de burla e falsificação, designadamente o elemento subjectivo e o dolo específico dos tipos de crime referenciados, que a sentença recorrida tem como omissos.

    3. - Provou-se, designadamente, que “O arguido AA ao proceder nos moldes supra descritos, agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o intuito de determinar CC a entregar-lhe o veículo identificado em 1), bem sabendo que com tal actuação iria causar um prejuízo patrimonial ao proprietário do veículo. Mais sabia que a assinatura aposta no cheque referido em 2) não fora aposta pela sua titular, bem como sabia que a mesma não o autorizara a fazer uso do referido título de crédito.” 6ª- Na verdade, o veículo automóvel reportado na sentença tem um valor patrimonial, tanto assim é que apenas foi entregue ao arguido por CC mediante a contra partida da entrega do cheque titulado por DD.

    1. - Provando-se, como se provou, que o arguido agiu com o intuito livre, deliberado e consciente de determinar CC a entregar-lhe o veículo, não é concebível que o arguido tenha agido com outro intuito que não fosse o de receber o veículo e assim auferir o beneficio patrimonial correspondente ao valor desse mesmo bem. (vd. o citado ac. STJ de 13.02.08) 8ª- Do mesmo modo, ao constar como provado que “a assinatura não fora aposta pela sua titular (leia-se, do cheque), bem como sabia (o arguido) que a mesma não o autorizara a fazer uso do referido título de crédito” não se pode equacionar outra situação que não seja a da existência do dolo específico de causar prejuízo a terceiro, ainda que sob a forma de dolo eventual- 14º al. c) do Código Penal porquanto este, no mínimo, representou a verificação do prejuízo como consequência possível da sua conduta e actuou conformando-se com essa verificação.

    2. - Ou seja, embora a matéria fáctica apurada e constante da acusação recebida não reproduza ipsis verbis o texto legal, a verdade é que a mesma é bastante clara no sentido da determinação do dolo exigido pelo preenchimento do tipo e, consequentemente, permite a defesa do arguido relativamente aos tipos de crime que lhe são imputados e pelos quais é julgado porquanto é clara a imputação assim como é, a nosso ver, claro, o preenchimento do elemento constitutivo do crime, pelo que se impõe a condenação do arguido Inácio pela prática dos crime de burla e falsificação pelos quais a acusação foi doutamente recebida.

    3. - Discorda-se ainda da absolvição do arguido BB no que concerne à prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p., à data dos factos, pelo artº 6º da Lei 22/97, de 27.06 porquanto nos p. 7 e 8 foram dados como provados os factos integradores do ilícito criminal pelo qual a acusação foi recebida e, na mesma sentença, foi a arma declarada perdida a favor do Estado porquanto a mesma não se encontra registada nem manifestada, sendo manifesta a contradição existente no próprio texto da decisão recorrida.

    4. - Ainda que assim não se entendesse e se entendesse necessário exame determinativo do comprimento do cano da arma, cumpria ao Tribunal proceder a esse exame porquanto tal decorre do principio da investigação, impondo-se a intervenção do Tribunal, como poder-dever, quando se entenda a diligencia imprescindível e necessária à descoberta da verdade - artº 323º al. a) do Código de Processo Penal.

    5. [2]- É o que resulta do sistema acusatório temperado pelo sistema da investigação objectiva e imparcial do Tribunal - cfr. entre outros, Ac. STJ de 18.12.97, proc. 413/97 e Ac. Da Rel de Lisboa proferido sobre o P.C.S. 49/02.9 GTALQ deste Juízo e comarca, supra citado.

    6. - Padece assim a douta sentença recorrida do vício de contradição insanável da fundamentação, no que tange a todas as absolvições de que ora se recorre, vicio a que alude o artº 410º do Código de Processo Penal.

    7. - Violou ainda a douta sentença o disposto nos artº 217º e 256º do Código Penal, ao considerar não preenchidos os tipos de crime indicados, por ausência do elemento subjectivo e do dolo específico, porquanto a matéria assente em sentença (artº 9º) é a necessária e suficiente para o respectivo preenchimento.

    8. - Termos em que revogando a douta decisão recorrida e condenado os arguidos AA pela prática, em concurso real, de um crime de burla p. e p. pelo artº 217º do Código Penal e um crime de uso de documento falsificado p. e p. pelo artº 256º nº 1 c) e 3 do Código Penal e condenando ainda o arguido BB pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artº 6º nº 1 da lei 22/97, farão V.ª Ex.ª a costumada JUSTIÇA!" (fim de transcrição).

  2. Decorridos quase sete anos sobre a prolação da sentença e a interposição do recurso, foi, em 16 de Outubro de 2015, proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 664.

  3. Atente-se que, por dificuldades de localização do paradeiro do arguido BB só em 20 de abril de 2012, isto é decorridos mais de três anos sobre a prolação da sentença, viria a ser pessoalmente notificado para o teor da mencionada decisão, de que lhe foi entregue cópia, e para querendo dela recorrer (vd. certidão de fls. 523), bem como, posteriormente, foi notificado para, querendo, responder ao recurso interposto pelo Ministério Público. No entanto, não houve resposta ao recurso. Também por dificuldades de localização do seu paradeiro, apesar das muitas diligências encetadas ao longo de vários anos, nunca foi possível notificar o arguido AA para o teor da sentença proferida nos autos. Por tal motivo, foi prolatado, em 16 de julho de 2015, e cumprido, o despacho judicial de fls. 656, em que se determinou que "Atento o estado dos autos notifique o arguido notificado da sentença e o Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 30º, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal." e, subsequentemente, em 14 de outubro de 2015, o de fls. 664, em que o Mmº Juiz decidiu: "Extraia...

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