Acórdão nº 249/14.9PAPTS.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 31 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelFILIPA MACEDO
Data da Resolução31 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


TEXTO INTEGRAL ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA 5ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I – RELATÓRIO: 1.

– No processo supra referido da Comarca da Madeira – Funchal - Inst. Central – Sec. Ins. Criminal – Juiz 1, foi proferida Sentença pelo Mm.º Juiz, a fls 166 a 185, em 10/11/2015, que: - condenou o arguido - J. pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, a contar do trânsito em julgado da presente decisão (artigo 50.º n.º s 1 e 5 do Código Penal); - condenou o arguido J.

na pena acessória de proibição de contacto com a assistente (por qualquer meio, seja directamente, seja por interposta pessoa) pelo período de 1 (um) ano e 2 (dois) meses, com excepção do estritamente necessário ao exercício das responsabilidades parentais dos filhos comuns do casal, nos termos do artigo 152.º n.º 4 do Código Penal.

É do seguinte teor, tal Sentença: ( … ) I – Relatório Para julgamento, em processo comum, e com intervenção de Tribunal Singular, o Ministério Público deduziu acusação contra - J., Imputando-lhe a prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4, do Código Penal.

O arguido foi regularmente notificado da acusação, tendo apresentado contestação e rol de testemunhas Após o despacho que recebeu a acusação não ocorreu qualquer nulidade ou excepção de que cumpra conhecer, mantendo-se os pressupostos de validade e regularidade processuais já apreciados, nada obstando à prolação de decisão.

Procedeu-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais, como pode comprovar-se pela respectiva acta.

II – Fundamentação de Facto Factos provados: Com relevância para a decisão criminal: 1. M. e J. mantiveram uma relação análoga às dos cônjuges durante cerca de oito anos, a qual terminou em Junho de 2014; 2. Da relação nasceram dois filhos, menores de idade; 3. Após ter tido conhecimento da união da ofendida com o seu actual namorado, JT, que ocorreu em data não concretamente apurada do Verão de 2014, o arguido J. começou a passar de carro em frente à casa da ofendida e a tirar fotografias aos carros que estão estacionados à porta; 4. Entre os meses de Agosto e Novembro de 2014, o arguido enviou através do seu telemóvel para o número de telemóvel da ofendida dezenas de mensagens, onde afirma que a ofendida é falsa, que a vai desmascarar, que estragou a vida dos filhos, que se vai arrepender de tudo o que fez, que vai colher o que semeou, que todas as pessoas falam mal de si, que manipula os filhos contra si, que os filhos estão a sofrer por causa dela, que não acompanha os filhos, que é uma traidora, que não tem respeito, que não tem vergonha, que é vingativa e que é uma puta, nojenta, coirão, mentirosa, falsa e sem vergonha; 5. Naquele período de tempo, além das menagens escritas, o arguido também telefonou dezenas de vezes para o telemóvel da ofendida, durante o dia; 6. Entre os meses de Julho e Agosto de 2014, o arguido enviou dezenas de mensagens escritas para o telemóvel de JT, actual companheiro da ofendida, onde afirma que a ofendida não é uma pessoa séria, que é uma traidora e que também o vai trair, que andou metida com muitos homens e tem muitas histórias para contar, que o traiu e enganou e fez dele um palhaço e que vai colher o que semeou, que toda a gente fala dessa “cabra” e que é “uma puta séria sem vergonha”; 7. No dia 04.10.2014, em hora compreendida entre as 20:00 e as 21:00 horas, a ofendida estava na sua residência, sita na freguesia do Campanário, concelho da Ribeira Brava quando o arguido chegou de carro e parou à porta da casa; 8. Tendo-se então dirigido à assistente e dito a esta, em tom sério e intimidatório: “vou-te apanhar, espera que vais ver!”; 9. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente ao praticar os factos supra descritos; 10. Bem sabendo que a prática de tais factos configura um crime, querendo e conseguindo humilhar, denegrir e aterrorizar a ofendida, sua ex-companheira e mãe dos seus filhos, afectando-a na sua integridade moral e psicológica, na sua saúde e bem-estar, o que fez de forma reiterada ao longo de vários meses, criando na ofendida grande vergonha, humilhação, perturbação e medo; Mais se provou ainda, que: 1. O arguido é serralheiro de profissão, auferindo o salário mensal de € 600,00; 2. Vive em casa própria e tem dois filhos menores; 3. Completou o 7.º ano de escolaridade; 4. O arguido não tem antecedentes criminais.

Factos não provados: - Os factos referidos em 3) dos factos provados aconteceram constantemente, e o arguido com a sua prática pretendia vigiar quem entrava e quem saía da casa da ofendida, monitorizando os horários e rotinas desta e de quem frequenta a sua casa; - As mensagens a que se alude no facto provado 4) foram enviadas pelo arguido às centenas; - Que as chamadas telefónicas a que se faz referência no facto provado 5) foram efectuadas durante a noite, e reencaminhadas para a caixa de correio; - Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 7) dos factos provados, após avistar a ofendida, o arguido começou a discutir com a assistente e a chamar-lhe de mentirosa, coirão e puta; - Na situação referida em 8) dos factos provados, o arguido disse à assistente o seguinte: “quando te encontrar na rua vou-te rebentar toda”.

Todos os demais factos aqui não constantes são dados como não provados, ou afiguram-se como conclusivos ou de direito, ou não revestem interesse e relevância para a boa decisão da causa.

Fundamentação da decisão da matéria de facto Em obediência ao disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, cumpre indicar as provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal e proceder ao seu exame crítico.

Assim, não basta enumerar os meios de prova, antes se impondo a “explicação do processo de formação da convicção do tribunal” – Acórdão da Relação de Coimbra n.º 680/98, de 02 de Dezembro, por forma a permitir a decisão “do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 406/99 3AS de 12 de Maio, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.

Este processo de convicção do Tribunal formar-se-á, não só com os “(…) dados objectivos fornecidos pelos documentos e outros provas constituídas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas e contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, (…) linguagem silenciosa e do comportamento, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos” – Acórdão da Relação de Coimbra de 10-01-2005, disponível in www.dgsi.pt.

Tendo em conta as considerações que se acaba de tecer, consigna-se que a convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada resultou da conjugação e análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente das declarações da ofendida e da prova testemunhal, apreciada à luz das regras de experiência comum e segundo juízos de normalidade, bem como da prova documental constante dos autos.

O critério de valoração da prova é o da livre apreciação, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com o disposto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal.

Exceptuando o caso dos documentos autênticos e autenticados, uma vez que se consideram provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa (artigo 169.º do Código de Processo Penal).

** Relativamente às declarações do arguido, importa sublinhar que as mesmas “constituem um meio de prova e/ou o exercício do seu direito de defesa, pelo que se reconhece às declarações do arguido, em qualquer das fases do processo, uma dupla natureza: de meio de prova e de meio de defesa” (neste sentido, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Tomo III, edição 2008, p. 197).

No caso em apreço, o arguido esteve presente em julgamento.

Genericamente, o arguido limitou-se a negar a prática dos factos de que vem acusado, mas fazendo-o sem solidez e convicção, motivo pelo qual as suas declarações não lograram convencer o tribunal.

** Importa notar que neste tipo de criminalidade as declarações das vítimas merecem uma ponderada valorização, uma vez que os maus tratos físicos ou psíquicos infligidos ocorrem normalmente dentro do domicílio conjugal, sem testemunhas, a coberto da sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e, por isso, preservado da observação alheia, acrescendo a tudo isso o generalizado pudor que terceiros têm de se imiscuir na vida privada de um casal (cfr. a propósito do relevo do depoimento da vítima no âmbito do crime de “violência doméstica” vide o Acórdão da Relação de Évora de 09-03-2004, www.dgsi.pt).

Neste sentido, as declarações prestadas em julgamento pela assistente M. revelaram-se essenciais para a formação da convicção do Tribunal. Confirmou o recebimento das mensagens e telefonemas pelo arguido e o respectivo teor, assim como as palavras que o arguido lhe dirigiu pessoalmente no dia 04.10.2014, constantes do facto provado 8.

Assim, a prova do teor das mensagens recebidas no telemóvel da assistente faz-se através da prova testemunhal, e em concreto das declarações da assistente, conjugando-as e articulando-as com as transcrições das mesmas constantes de fls. 48 e ss. dos autos, que lhe confere mais solidez e força probatória.

No mais, a assistente prestou depoimento seguro, enquadrando os factos em...

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