Acórdão nº 1152/15.0PBAMD-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelCID GERALDO
Data da Resolução13 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO: 1.–No processo comum nº 1152/15.0PBAMD, da Comarca de Lisboa Oeste, Instância Central de Sintra – 1ª Secção Criminal – J6, o Ministério Público, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, deduziu acusação contra o arguido A., imputando-lhe, com base nos factos constantes de fls. 326 e seguintes, a prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152°, n.°s 1 al. b), 2, 4 e 5 do Código Penal, e de um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164°, n.° 1 al. a) do mesmo diploma legal.

Mais foi requerido, na peça acusatória, que no caso de a ofendida não apresentar pedido de indemnização civil, lhe seja arbitrada indemnização, nos termos conjugados do art. 82°-A do Código de Processo Penal e do art. 21°, n.°s 1 e 2 da Lei n.° 112/2009, de 16 de setembro.

* Findo o julgamento, foi proferido acórdão que julgou a acusação do Ministério Público procedente por parcialmente provada e, em consequência: 1.Condenou o arguido A. pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1, al. b) e n.° 2 do Código Penal, em concurso aparente com um crime de violação, p. e p. pelo art. 164°, n.° 1 al. a) do mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

  1. Ao abrigo do disposto nos arts. 50°, n.°s 1 e 5, 53° e 54° do Código Penal, suspendeu a execução da pena aplicada por igual período de tempo, ou seja, pelo período de 5 (cinco) anos, com regime de prova.

  2. Ao abrigo do disposto no art. 152°, n.°s 4 e 5 do Código Penal, condenou o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida B., pelo período de 5 (cinco) anos.

    Indeferiu o pedido de arbitramento de quantia indemnizatória, formulado pelo Ministério Público contra o arguido, ao abrigo do disposto no art. 82° A do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art. 21°, n.°s 1 e 2 da Lei n.° 112/2009 de 16 de setembro.

    * Não se conformando com a decisão, o MºPº interpôs recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões: 1.

    Por Acórdão proferido nos presentes autos foi: a)O arguido A. condenado pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1 al. b) e n.º 2 do Código Penal, em concurso aparente com um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, n.º 1 al. a) do mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

    b)Ao abrigo do disposto nos arts. 50º, n.ºs 1 e 5, 53º e 54º do Código Penal, suspender a execução da pena aplicada por igual período de tempo, ou seja, pelo período de 5 (cinco) anos, com regime de prova.

    c)Ao abrigo do disposto no art. 152º, n.ºs 4 e 5 do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida B., pelo período de 5 (cinco) anos.

  3. Nos presentes autos foi o arguido acusado, pelos factos ali descritos, na prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1 alínea b), nº 2, 4 e 5 do Código Penal, em concurso real com um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, n.º 1 al. a) do mesmo diploma legal.

  4. De modo diverso entendeu o douto Tribunal “a quo” condenar o arguido, pelos factos ali descritos, na prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1 alínea b), nº 2, 4 e 5 do Código Penal, em concurso aparente com um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, n.º 1 al. a) do mesmo diploma legal.

  5. Salvo melhor opinião, entendemos que os factos considerados provados são susceptíveis de serem subsumidos ao crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1 alínea b), nº 2, 4 e 5 do Código Penal, em concurso real com um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, n.º 1 al. a) do mesmo diploma legal.

  6. Com a redacção prevista no artigo 152º do Código Penal o legislador pretendeu proteger um bem jurídico complexo, o qual abarca uma série de condutas passíveis, por si só, de serem subsumidas a outros ilícitos criminais (nomeadamente ofensas à integridade física, injúrias, ameaças, etc.), mas que, no enquadramento relacional afectivo entre duas pessoas, logram não apenas ofender os respectivos bens jurídicos mas também, e de modo muito especial, a dignidade da pessoa humana no contexto da relação afectiva concreta.

  7. Ora, no nosso entender, os factos dados como provados configuram claramente um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1 alínea b), nº 2, 4 e 5 do Código Penal, em concurso real com um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, n.º 1 al. a) do mesmo diploma legal e não um concurso aparente.

  8. Estribou-se o douto Acórdão, na qualificação jurídica e respectiva sanção criminal no inciso do artigo 152º do CP que determina “…é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”, aplicando deste modo a moldura penal prevista para o crime de violação ao crime de violência doméstica, louvando-se na cláusula de subsidiariedade expressa determinada pelo legislador.

  9. Sucede que a cláusula de subsidiariedade expressa inscreve-se no âmbito das relações relativas ao “concurso de normas".

  10. Ora tal problemática apenas é convocada quando um agente comete com uma única acção e à qual são subsumíveis vários ilícitos típicos.

  11. Não é o que sucede nos presentes autos, porquanto o arguido praticou vários factos, conforme melhor descrito na factualidade provada no Acórdão ora recorrido.

  12. O legislador, na última alteração ao artigo 152º do Código Penal, deixou expresso que são subsumíveis ao crime de violência doméstica os maus-tratos físicos, psíquicos, incluindo castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais, de modo reiterado ou não, ou seja, abarcando as condutas que se prolongam no tempo bem como as que, pela sua gravidade, são desde logo subsumíveis àquele crime com a prática de acto isolado.

  13. Entendemos que o arguido, ao praticar diversos factos ao longo do tempo, passíveis de serem subsumidos ao crime de violência doméstica, praticou o mesmo crime e que, ao praticar os factos ocorridos a 12-11-2015 cometeu um crime de violação, sendo que deveria ter sido sancionado com recurso às regras do concurso de crimes, nos termos do artigo 77º do Código Penal.

  14. Na verdade, não obstante o crime de violação ser uma ofensa sexual, tal como descrita no artigo 152º, nº 1 do CP, cremos que a cláusula de subsidiariedade expressa prevista no mesmo artigo apenas tem aplicação quando o agente, num mesmo acto, comete factos passíveis de consubstanciar um crime de violência doméstica e um crime de violação.

  15. Deste modo entendemos que a problemática do “concurso de normas” apenas deverá ser convocada nos casos em que se julga a actuação do arguido num momento isolado, resolvendo-a de acordo com a cláusula de subsidiariedade expressa pelo legislador.

  16. Decidir de modo diverso, tal como no Acórdão recorrido, seria punir o arguido apenas como agente de um crime de violação (ainda que condenando pela prática do crime de violência doméstica, mas com a moldura penal do crime de violação), com a respectiva pena, irrelevando os demais factos por ele praticados (que eventualmente apenas serão considerados para a medida concreta da pena).

  17. O desvalor das acções praticadas pelo arguido (aferido atenta a diversidade de condutas, isto é, os bens jurídicos violados que a previsão típica penal pretende proteger) não é correctamente sancionado condenando o arguido apenas pela prática de um crime de violência doméstica (com a moldura do crime de violação), uma vez que os factos em análise, permitem destrinçar um grupo de factos que autonomamente são passíveis de consubstanciar um crime de violência doméstica e outro grupo de factos que autonomamente são passíveis de consubstanciar um crime de violação.

  18. Pelo que entendemos que a conformação jurídica da douta decisão “a quo” é errada, e deste modo pugnamos pela alteração da mesma, devendo o arguido, em consequência, ser condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1 alínea b), nº 2, 4 e 5 do Código Penal, em concurso real com um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, n.º 1 al. a) do mesmo diploma legal, como de resto, vinha acusado.

  19. Na douta sentença recorrida entendeu o Tribunal “a quo” condenar o arguido, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1 alínea b), nº 2, 4 e 5 do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão, suspensa na execução.

  20. Em conformidade com a argumentação acima exposta, consequentemente, e caso assim se decida, entendemos que o Tribunal deve encontrar o quantum da pena com o recurso às regras previstas no artigo 77º do Código Penal, isto é, aplicar uma pena a cada um dos crimes (de violência doméstica e violação) e só posteriormente aplicar uma pena única, com base nos critérios do artigo 77º, nº 2 do Código Penal.

  21. Na aplicação da medida concreta da pena dever-se-á atender aos critérios fixados nos artigos 70º e 71º, ambos do Código Penal, os quais estabelecem que, se ao crime forem aplicáveis penas alternativas, deverá ser dada preferência a uma pena não privativa da liberdade, conquanto estejam asseguradas, de modo adequado as finalidades da punição, as quais estão determinadas no artigo 40º, nº 1 do Código Penal.

  22. Face à gravidade dos factos, não nos parece que a suspensão de pena de prisão aplicada ao arguido, enquanto mera censura e ameaça de prisão, satisfaça as necessidades de prevenção geral e especial, pelo que pugnamos pela aplicação de uma pena de prisão efectiva ao arguido.

  23. Assim, entendemos que também nesta parte deve a sentença recorrida ser revogada, condenando o arguido numa pena única, nos termos do artigo 77º do CP, a qual deverá ser efectiva, por não satisfazer as necessidades de prevenção a suspensão da pena de prisão.

  24. Considerando ainda a ilicitude dos actos praticados pelo arguido, que é...

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