Acórdão nº 314/12.7T2MFR-B.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução20 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: R., LDA.

- putativa arrendatária/exploradora do estabelecimento comercial que existia no prédio expropriado na Expropriação por Utilidade Pública em que é Expropriante o MUNICÍPIO DE M., é Expropriada o BANCO … , S.A. e são interessados Gonçalo…, Mafalda…. e Teresa…. -, inconformada com o Despacho datado de 11.09.2015, na parte em que julgou a ora Recorrente parte ilegítima neste processo expropriativo, interpôs recurso da mesma decisão (que foi recebido como de Apelação, para subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo), tendo rematado as alegações que apresentou com as seguintes conclusões: “1ª-O Despacho recorrido ignorou que a relação locatícia sub judice tem um suporte documental escrito.

  1. -Ainda que se entenda que esta relação locatícia não respeitou de pleno a exigência de forma que o legislador prevê, importa sublinhar que o Despacho recorrido incorreu numa leitura redutora e formalista, ignorando de todo a verdade material que o Direito pretende tutelar, a vontade real das partes e o conhecimento público desta relação locatícia.

  2. -Existem múltiplas situações que não respeitam requisitos legais de ordem formal que o próprio legislador e a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores consideram indemnizáveis em expropriações por utilidade pública. De facto, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores reconhece o direito a uma justa indemnização dos arrendatários de parcelas expropriadas nos casos em que o contrato de arrendamento não observa todos os requisitos formais.

  3. -A nulidade em causa resulta de aspetos puramente formais, secundários, que o próprio legislador, em muitas situações, considera como não essenciais, designadamente, nos negócios jurídicos, quando as partes agem em conformidade com o tipo negocial em causa.

  4. -A exigência de forma no contrato de arrendamento vale essencialmente nas relações entre as partes, de modo a assegurar os direitos e os deveres de cada uma delas em relação à outra e ao próprio locado enquanto objeto do contrato, nada tendo que ver com eventuais direitos das partes perante terceiros, em particular naquelas situações, como a que nos ocupa, em que o arrendamento em causa era de conhecimento público – a entidade devedora da indemnização (a única que aqui se discute é o Expropriante Município de M. e este conhecia a relação locatícia da Recorrente – cfr. a proposta indemnizatória que o próprio Expropriante Município de M. dirigiu à Recorrente como arrendatária – cfr. Docs. 4 e 5 juntos aos nossos Requerimentos de 05.03.2015).

  5. -Ainda que seja nula (por não observar a forma legal), a relação locatícia sub judice deve ser atendida para efeitos indemnizatórios, pois envolve sempre a exploração de um estabelecimento comercial e, portanto, uma situação de vantagem económica (art. 62º da Constituição).

  6. -A relação locatícia sub judice foi expressamente reconhecida pela entidade expropriante.

  7. -Ao contrário do que se pressupõe no Despacho recorrido, existem diversas situações que, embora nulas por aspetos formais, são consideradas na ordem jurídica e produzem efeitos jurídicos, designadamente nos contratos de arrendamento.

  8. -Se se considerar que a relação locatícia sub judice é nula por vício de forma, deverá recorrer-se ao regime da conversão, previsto no art. 293º do Código Civil, de onde se pode concluir estarmos perante uma cessão de exploração de estabelecimento ou locação de estabelecimento.

  9. -A tese do Despacho recorrido viola ostensivamente o Princípio da proporcionalidade: A consequência/efeito jurídico (a arrendatária da parcela expropriada não tem direito a ser indemnizada nesta expropriação) que a decisão recorrida extrai de não haver um documento inicial denominado ‘arrendamento’ (apesar de haver suporte documental para essa relação locatícia, de as partes assumirem e se comportarem como locador e locatário e de a Expropriante conhecer essa relação locatícia) é manifestamente desproporcionada face aos valores e interesses que o legislador pretenderia tutelar com uma hipotética exigência legal de um contrato escrito inicial de arrendamento.

  10. -O direito a uma justa indemnização em caso de expropriação por utilidade pública nunca estaria no âmbito de proteção da exigência legal de um contrato escrito inicial de arrendamento: os interesses que essa exigência legal pretende tutelar nada têm que ver com os danos decorrentes de uma expropriação por utilidade pública (extinção imposta do contrato).

  11. -A aceitar-se a tese do Despacho recorrido e considerando o facto de o contrato em causa ter sido sempre cumprido pelas partes, a situação daí adveniente (a Recorrente não tem direito a justa indemnização na situação em que o seu contrato caducou por virtude desta expropriação) é equiparável ao abuso de direito (art. 334º do CC), proibido pela ordem jurídica.

  12. -A interpretação dos arts. 220º, 289º e 1.069º do CC no sentido de que, por não ter sido reduzido a escrito o contrato de arrendamento, o arrendatário de prédio expropriado por utilidade pública não tem direito a indemnização, é inconstitucional por violação dos direitos fundamentais de propriedade privada e a uma justa indemnização, bem como dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da igualdade (art. 62º, 13º e 266º da Constituição).

Nestes termos, Com os fundamentos que ficaram expostos, deve o presente Recurso ser julgado procedente, declarando-se a Recorrente parte legítima neste processo de expropriação.» A parte contrária (o Expropriante MUNICÍPIO DE M.) contra-alegou, pugnando pela improcedência do aludido recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

A DECISÃO RECORRIDA.

O Despacho que constitui objecto do presente recurso de apelação é do seguinte teor (na parte posta em crise pela Recorrente): “Aquando da remessa dos presentes autos a Juízo, em cumprimento do art. 51º, nº 1, do Cód. das Expropriações, a entidade expropriante indicou como interessados, para além da proprietária do prédio expropriado, a saber, o Banco , S.A.

, os seus locatários financeiros, Gonçalo...

, Mafalda...

e Teresa... e, finalmente, a arrendatária comercial, R., Lda.

.

Se, relativamente à proprietária do bem expropriado[1], a saber, Banco , S.A.

, não existem quaisquer dúvidas sobre a sua qualidade de interessada nos autos, sendo na verdade a expropriada, quanto aos demais impõe-se aferir da titularidade do direito à indemnização na sequência da ablação do direito de propriedade operado por virtude do presente [processo].

* No que respeita aos locatários financeiros, Gonçalo...

, Mafalda...

e Teresa...

[2], é certo que alinha este Tribunal com a doutrina que considera que o contrato de locação financeira e as posições jurídicas que dele emergem, assumem natureza própria que o remete para âmbito distinto da locação, considerando as suas características tipológicas próprias e diferenciadoras, entre as quais o facto de as rendas a cargo do locatário não se limitarem a retribuir o mero gozo da coisa, nelas se contemplando não só os vários encargos do locador na aquisição do locado, mas também os juros relativos ao capital investido nessa aquisição, remuneração desse investimento, e ainda os factos de o proprietário se desinteressar da coisa locada, o que se reflecte no regime jurídico em apreço, nomeadamente, na sua exoneração da sua responsabilidade pela entrega de coisa conforme e a isenção de responsabilidade no caso de perda ou deterioração do bem, correndo de resto o risco correspondente por conta do locatário por força do contrato – cfr., vg.

, art. 15º do Dec-Lei. nº 149/95, de 24.06.

No entanto, e pese embora a função clara de financiamento que subjaz ao tipo negocial em apreço[3], a verdade é que esse financiamento revela-se precisamente na obrigação de concessão do gozo do bem aos locatários, ou seja, o locador financeiro adquire um bem a indicação do locatário – constituindo-se mesmo como obrigação daquele a referida aquisição, cfr.

artigo 9º, nº 1, do Dec. Lei nº 149/95, de 24.06 -, paga-o, cedendo de seguida o gozo à sua contraparte negocial, mediante uma contrapartida que consubstancia um pagamento fraccionado do preço da coisa, acrescido dos encargos e remuneração do investimento realizado.

Este momento tipológico de concessão do gozo do bem é próximo do caracterizador da relação de locação; e sendo essa concessão do gozo necessariamente remunerada, ainda que a contrapartida devida pelo locatário financeiro integre outros elementos que a distanciam da mera retribuição do gozo locatício, a verdade é que se afigura a este Tribunal que se encontram neste tipo contratual as prestações e correspondentes créditos que conduziram o legislador a conferir ao locatário clássico o direito a ser indemnizado na sequência da caducidade da sua posição jurídica resultante da expropriação por utilidade...

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