Acórdão nº 680-11.1T2AMD.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelIL
Data da Resolução15 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO: CONDOMÍNIO ... intentou contra C.., SA acção com processo sumário, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 4.000,00, a que acrescem juros de mora vencidos à taxa legal, no valor de €160,00 bem como de juros vincendos até integral pagamento, assim como a condenação da ré no pagamento dos honorários que a autora deve despender no patrocínio da acção no montante de € 912,50.

Em síntese, alegou que o autor é cliente do banco réu e que, a 28-04-2010, emitiu um cheque nº 4302398041 no valor de 100 euros, a favor de A..., para pagamento de serviços de limpeza. Contudo, a 14-06-2010, o autor tomou conhecimento através do extracto de conta, que o cheque foi apresentado a pagamento pelo valor de € 4.000,00, o que foi possível por ter sido viciado o cheque de forma grosseira, com a alteração das letras e números que ali tinham sido apostos pelo administrador do condomínio, nomeadamente a indicação numérica e por extenso do valor do cheque e do seu beneficiário. A viciação é evidente a olho nu, sem necessidade a qualquer exame grafológico, pelo que os funcionários do réu deviam ter recusado o seu pagamento face à convenção de cheque, não tendo os funcionários da ré actuado com o cuidado devido.

Contestou a ré alegando que o cheque foi apresentado para depósito na conta de J..., estando emitido em nome deste e pelo valor de 4.000,00 euros. A ré aceitou pagar o cheque, porquanto o mesmo não denotava indícios de rasuras ou de emendas notórias ou visíveis, tendo sido depositado em conta de cliente devidamente identificado. Tendo havido viciação do cheque, o único responsável pelo prejuízo é o autor, porquanto remeteu o cheque a pagamento pelo correio, por via simples, sem o fazer como valor declarado, como impõe a lei, pelo que conclui que foi a falta de cuidado do autor na custódia do cheque que fez com que o cheque fosse apropriado por terceiro.

A ré deduziu incidente de intervenção principal provocada de J..., pessoa que constava no cheque como beneficiário e a quem pertencia a conta bancária onde o cheque foi depositado.

O autor apresentou resposta, referindo que o facto de ter enviado o cheque pelo correio não afasta a responsabilidade da ré na culpa que lhe é atribuída pelo pagamento do cheque falsificado.

Foi admitida a intervenção principal provocada de J... (fls. 78) na posição de réu. Face ao desconhecimento do seu paradeiro, foi ordenada a citação edital do chamado, tendo o Ministério Público sido citado em nome deste nos termos do artigo 21º do CPC.

Foi proferida SENTENÇA que julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada, e: a) condenou a ré a pagar ao autor o montante de € 4.000,00, a que acrescem juros de mora à taxa legal vencidos desde 30 de Abril de 2010 e dos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento; b) absolveu o interveniente principal do pedido formulado pelo autor; c) absolveu a ré do pedido de condenação do valor dos honorários do advogado no montante de 912,50 euros.

Não se conformando com a sentença, dela recorreu a ré, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª-Resultou provado - cfr nº 4 dos factos provados - que os serviços da C... não detectaram indícios ou emendas notórias no cheque aqui em causa, e resultou não provado que as mesmas sejam evidentes e claras, ou que um cidadão comum se pudesse aperceber das mesmas.

  1. -O tribunal, no respectivo exame crítico à prova que doutamente elaborou concluiu que a viciação efectuada sobre o cheque em questão não era uma viciação perceptível pelo funcionário bancário médio, conforme se conclui da análise que fez ao depoimento da testemunha L..., inspector da C..., sendo certo que a culpa é apreciada – na falta de outro critério legal - segundo os padrões do bonus pater familiae a que alude o artº 487º nº 2 do CC, que, in casu, são os padrões de um funcionário bancário diligente.

  2. -Com efeito, o que se conclui do exame crítico da prova que o tribunal realizou, é que a viciação do cheque aqui em causa não era (como efectivamente não foi) detectável por empregado bancário “normal” (no dizer da testemunha L..., estava “fora da capacidade dos habituais bancários”) e, ainda que a viciação foi feita “com arte” e que “um bancário normal não tinha capacidade para detectar essa viciação”.

  3. -Um empregado bancário que processa cheques não inicia a sua análise por “exames complementares de diagnóstico”, mas sim pelo exame visual e gráfico do cheque, e pela verificação da sua regularidade formal, e só se tal análise lhe suscitar dúvidas é que passa para uma análise mais fina do título, sendo que o primeiro (em grau de importância) desses “exames complementares de diagnóstico” nem sequer exige rigorosamente nenhuma complexidade de meios técnicos pois resume-se a um simples telefonema ao cliente para que este confirme ou infirme a aparência titulada no cheque.

  4. -Quando da análise da aparência do título não resulta nenhuma desconfiança para o empregado que o “tratou” – por precisamente a viciação ser “feita com arte” o banco não passa para a fase da realização dos “exames complementares de diagnóstico” porque nada no cheque indicia tal necessidade, não lhe sendo exigível que na ausência de evidências de falsificação proceda à realização de outras diligências, pelo que, no caso concreto, não procede conclusão do Tribunal ao referir que o banco não alegou a utilização de qualquer meio técnico de apoio com vista a detecção da viciação (cfr pág.12 da douta sentença), bem como que não alegou os concretos cuidados e qualificação dos técnicos na execução da fiscalização dos seus elementos.

  5. -Conforme concluiu o douto Ac. TRC de 17-01-2012, processo nº 702/08.3TBOVR.C1, “se na verdade pelo artº 73º do DL 298/92, de 31.12, as instituições de crédito devem assegurar aos clientes elevados níveis de competência técnica, tal não significa que tenham de dispor de meios altamente eficazes para detectar falsificações mesmos as mais perfeitas” concluindo ainda que “Aos bancos não podia ser exigido mais cuidados perante cheques que lhes pareciam verdadeiros, cujo preenchimento estava correcto, não suscitando suspeitas as assinaturas neles constantes. De contrário, confrontada diariamente a actividade bancária com centenas de cheques, um exame mais aprofundado levaria decerto à sua paralisação”.

  6. -A falsificação do cheque foi perfeita, “feita com arte”, no expressivo dizer da testemunha L..., e por isso não era possível aos funcionários bancários detectá-la ao ponto de levantar suspeitas e daí passar para uma análise mais fina do cheque.

  7. -Ou seja, a C... provou ter agido com um grau de diligência idóneo, à luz das regras de experiência comum, e dos usos bancários, pelo que deveria o tribunal a quo ter concluído pela inexistência de culpa da sua parte, com as legais consequências.

  8. -Do contrato/convenção de cheque resultam direitos e deveres recíprocos para ambas as partes; para o cliente ou sacador resulta o dever de guardar convenientemente os impressos dos cheques que lhe são confiados pelo banco sacado, destinados a serem por si emitidos, evitando o seu extravio ou apropriação ilícita.

  9. -A guarda dos cheques constitui assim uma verdadeira obrigação contratual por parte do respectivo titular, neste caso o aqui apelado, e que tem como núcleo principal que o seu legítimo possuidor se não deixe desapossar dos mesmos por meio de uma sua actuação descuidada ou negligente, sendo certo que o seu sacador deve ser responsabilizado quando incumpra este seu dever; isto é, o cliente de um banco tem a obrigação - por força do contrato ou convenção de cheque – de acautelar até à entrega do título ao respectivo beneficiário que este seja objecto de furto, extravio ou de falsificação.

  10. -O autor, ao remeter o cheque em causa nestes autos nos moldes em que o mesmo foi expedido, isto é, através de correio simples correu e potenciou os riscos previsíveis de extravio e/ou falsificação, tendo sido esta sua conduta que esteve na base e na origem do pagamento do cheque.

  11. -A razão de ser da exigência normativa constante do art. 12º nº 1 alínea h) e artº 29º do RSPC – envio de valores declarados como tal - assenta precisamente na necessidade de segurança para os utentes que o envio de valores pelo correio exige; ao remeter-se pelo correio valores como valores declarados tal implica que os correios tratem este expediente de uma forma diferenciada e mais segura no que concerne seja à sua expedição e envio seja à confirmação da sua recepção pelo legítimo destinatário.

  12. -A expedição pelo autor via CTT em correio normal duma carta contendo o cheque constitui actuação violadora de regras básicas de segurança e preservação do título, não podendo a autor deixar de saber que ao agir assim punha em flagrante risco a preservação do cheque e a sua entrega ao legítimo destinatário do mesmo, constituindo dever inequívoco do autor assegurar que o cheque em causa depois de ter sido emitido fosse entregue incólume e na sua integridade à destinatária do mesmo.

  13. -A conduta do autor ao preencher o impresso de cheque e ao enviá-lo por simples via postal ao seu credor, deixando de ter qualquer controlo sobre quem poderia aceder ao mesmo, é muito mais causal do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT