Acórdão nº 9448/12.7TCLRS.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelLUIS FILIPE PIRES DE SOUSA
Data da Resolução27 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: Banco .... Português, SA instaurou ação de impugnação pauliana contra Maria .... .... .... .... e ...., SA, pedindo que seja declarada a ineficácia, em relação ao Autor, da venda efetuada pela 1ª Ré à 2ª Ré de um imóvel, sendo a 2ª Ré condenada a restituir o imóvel na medida em que tal venha a ser necessário à satisfação do direito de crédito do Autor, reconhecendo-se a este o direito de executar o mesmo no património daquela e de praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

Apenas a 2ª Ré contestou.

Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, com fundamento na inexistência de má fé da 2ª Ré ao adquirir o imóvel.

Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: «1)Na douta sentença recorrida, devem constar como factos não provados que: a) “a 2ª R. tenha pago qualquer valor pelo imóvel referido no nº6”; b)“a 2ª R. receba efetivamente qualquer valor proveniente do arrendamento do imóvel referido no nº 6”; 2)Com efeito, e no que respeita ao 1º dos factos elencados (alínea a), o quesito/facto não pode constar como “negativo” (tal como consta da douta sentença recorrida); 3)Sendo que as testemunhas foram apenas inquiridas as testemunhas arroladas pelo Banco, ora apelante e, as mesmas não demonstraram conhecimento sobre o pagamento do preço, como é referido a douta sentença recorrida, porque tal questão nunca lhes foi colocada, nem tinha que o ser; 4)Efetivamente, o pagamento do preço integra ou constitui, consoante artº 576º, nº3º do CPC, exceção perentória ou de direito material; 5)É, por conseguinte, sobre o devedor demandado (neste caso a 2ª R.) que, consoante artº 342º, nº2º do CC, recai o ónus da prova de que esse modo de extinção da obrigação efetivamente ocorreu ou se verificou 6)Não tendo a 2ª R. produzido qualquer prova testemunhal ou documental quanto ao tema e competindo-lhe tal ónus; 7)Pelo que, deveria constar da douta sentença recorrida que não ficou provado que: “a 2ª R. tenha pago qualquer valor pelo imóvel referido no nº6”; 8)Retificação/alteração que desde já se requer que seja efetuada nos factos dados como não provados; 9)Acresce que, também não ficou provado que e, tal deverá constar dos factos não provados, face ao sua relevância para a boa decisão da causa, a 2ª R. recebe efetivamente as rendas provenientes do arrendamento do dito imóvel; 10)Sendo certo ainda que, a 2ª R. apenas juntou aos autos e, no que respeita ao alegado arrendamento, cópia dos contratos e de alguns recibos que são apenas assinados pelo suposto administrador da 2.ª R., sem qualquer menção à qualidade em que este assina; 11)Para além de que, não foi junto aos autos, qualquer extrato bancário que permita concluir que as quantias em questão são para si (2ª R.), são para seu proveito próprio; 12)Aliás, não foi sequer junto qualquer cheque comprovativo do pagamento da renda pelo arrendatário ou, extrato que prove o depósito do mesmo, nada, rigorosamente nada; 13)Termos em que, se conclui que deveria constar da douta sentença recorrida que não ficou provado que: “a 2ª R. receba efetivamente qualquer valor proveniente do arrendamento do imóvel referido no nº 6.” 14)E logo, deveria ter sido dado como provado o alegado no artº 19º da p.i., ou, pelo menos, mas sempre sem conceder, essa teria que ser a conclusão final da douta sentença recorrida; 12/17 15)O contexto tem que ser apreciado no seu todo: Imobiliária adquire imóvel que não revende, mantendo-o arrendado mas, não prova que pagou o preço da compra do mesmo, nem sequer que recebe as rendas do dito arrendamento; 16)Se tal não consubstanciar uma manobra para retirar o bem da esfera patrimonial da 1ª R., então dificilmente, algo consubstanciará tal manobra; 17)A 2ª R. não teve qualquer vontade ou intenção de demonstrar que pagou o preço do bem que adquiriu, que tal venda existiu efetivamente enquanto tal, que foi real; 18)Não produziu prova sobre tais factos, não tentou sequer produzir prova sobre os mesmos, limitou-se a impugnar o alegado pelo Banco apelante; 19)Na verdade, os factos supra expostos são até reveladores de indícios fraudulentos por parte da 2ª R, a adquirente do imóvel em causa; 20)Pois, resulta dos mesmos que aquela adquiriu um imóvel, sem qualquer contrapartida, ou seja, gratuitamente; 21)Pelo que, a sentença recorrida incorreu ainda num manifesto erro de julgamento ao não qualificar a compra e venda em questão, como um ato gratuito; 22)Com efeito, as RR ao criarem uma aparência de venda, onde falta um dos elementos essenciais da mesma, o preço, mais não celebraram do que uma doação entre si; 23)Resulta provada a existência de uma manobra entre a duas Rés, a qual tem acolhimento nos factos supra expostos e, podendo-se facilmente concluir que estamos perante uma venda fraudulenta, uma venda aparente que disfarça uma real doação para prejudicar os credores da 1ª R; 24)E assim sendo, não estamos perante um ato verdadeiramente oneroso, mas sim perante um ato gratuito e como tal, a impugnação deverá proceder ainda que ambas as RR tivessem agido de boa-fé, cfr. dispõe artº 612º nº1 do CC, neste sentido vai também a doutrina dominante; 25)Mas e, ainda sem conceder, sempre se diga que ainda que o ato objeto de impugnação seja considerado oneroso, sempre a douta sentença recorrida teria que ter concluído pela verificação da existência de má-fé bilateral no sentido em que a mesma vem definida na lei (CC) e, nos termos em que é definida e explicada pela doutrina e jurisprudência dominante, ou seja, como a “consciência do prejuízo que o ato pode causar”; 26)Com efeito e, pese embora não exista prova direta do requisito da má-fé, podemos claramente aferir (nomeadamente através das presunções judiciais – 349ºCC - mencionadas na douta sentença recorrida), da conjugação de diversos factos que houve um conluio (uma manobra com vista à retirada de património de uma esfera para outra esfera) entre ambas as Rés, com o intuito de prejudicar o Banco apelante; 27)Temos assim, como factos conhecidos e reveladores do conluio entre as Rés: o facto da 1ª R. não ter sequer contestado os presentes autos, confessando assim os factos articulados pelo Banco ora apelante; o facto de nenhuma das Rés ter provado o pagamento/recebimento efetivo do preço declarado na escritura; o facto da 2.ª R. não ter feito qualquer prova quanto ao efetivo recebimento das rendas provenientes do arrendamento do dito imóvel; o facto da sociedade ...., da qual é acionista a 1.ª R., ter a sua sede em Viseu, cidade em que a 2.ª R. já teve sede, sendo o objeto social destas sociedades similar (o que denota uma possível relação de proximidade); o facto do fiscal único e a suplente de ambas as sociedades serem os mesmos e, por fim, o facto de a 1.ª R. ter vendido todo o seu património com a ajuda das duas sociedades com quem tem relação de estrita proximidade, num espaço de cinco meses; 28)Na verdade a inexistência de qualquer documentação da transferência do preço do comprador para o vendedor, reflete uma forte probabilidade de uma situação de acordo e de adesão entre os intervenientes, a tal manobra referenciada no artº 19º da p.i.; 29)Portanto, todos estes fatores vistos num contexto global apontam fortemente no sentido de uma elevada probabilidade de comunhão entre as Rés, em que estas tiveram a plena consciência (senão mesmo a intenção) de estarem a causar prejuízo aliás, como se disse supra, este comportamento da 2ª R. é revelador de indícios fraudulentos; 30)Em face dos elementos factuais acima referidos, conjugados com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, no mínimo, a 2.ª R. sabia da dívida da 1.ª R. e, consequentemente, ao cooperar na subtração do bem do património dela, estava a prejudicar o Banco Apelante; 31) Ainda que, não se considere que houve conluio, com o claro propósito de prejudicar o Banco Apelante, o simples facto da 2.ª R. não provar (conforme lhe cabia) que pagou o valor de € 90.000,00 à 1.ª R. pela compra do imóvel aqui em causa, indicia claramente má-fé daquela.» Contra-alegou a ...., SA, propugnando pela improcedência da apelação.

QUESTÕES A DECIDIR.

Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.

[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

[2] Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes: a.Reapreciação da matéria de facto no sentido de ser dados como factos não provados que: «A 2ª ré tenha pago qualquer valor pelo imóvel referido no nº 6» bem como que a «A 2ª Ré receba efetivamente qualquer valor proveniente do arrendamento do imóvel referido no nº 6»; b.Aferir se ocorreu uma venda aparente que disfarça uma real doação, aquilatando se estamos perante um ato gratuito; c.Subsidiariamente, considerando-se que o ato foi oneroso, indagar se está provava a má fé bilateral das Rés nomeadamente através de presunções judiciais.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade: 1.O Banco A. é dono e portador de 3 livranças, subscritas...

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