Acórdão nº 1256/13.4TVLSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução11 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: A instaurou ação declarativa, com processo comum, contra B e C, sendo que entretanto requereu a intervenção principal provocada de todos os restantes condóminos do prédio, o que foi deferido, tendo assim sido admitidos a intervir como partes no processo associados ao A. o banco D e outros.

Alega, em síntese, ser comproprietário da fração autónoma identificada pela letra “M” do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Av.ª D...C..., sendo que a 1.ª R. foi proprietária de todo esse prédio e a 2.ª R. é a atual proprietária da fração autónoma identificada pela letra “E”, correspondente ao rés-do-chão tardoz do mesmo prédio, assim como das frações autónomas “D” e “B”, correspondentes, respetivamente, ao rés-do-chão esquerdo e rés-do-chão direito tardoz.

O prédio em causa é composto por dois corpos, tendo o da frente rés-do-chão e cinco andares, todos com esquerdo e direito, com exceção do quinto piso que só tinha um fogo, e o de tardoz é composto por rés-do-chão, com casa de porteira, esquerdo e direito, e seis andares, também com esquerdo e direito.

Ora, de acordo com a “Licença para habitação e Ocupação n.º ....”, emitida em 21 de Junho de 1947, o referido prédio tinha 24 fogos, sendo um para porteira no rés-do-chão, e no “Auto de Vistoria” de 24 de Julho de 2008, requerido pela 1.ª R. à Câmara Municipal de L..., para efeitos de constituição de propriedade horizontal, foi declarado que o prédio era composto por rés-do-chão e seis andares, com um logradouro comum à frente e um logradouro comum á retaguarda, somando 26 utilizações que incluem 3 habitações no rés-do-chão, mais um atelier e um escritório, sendo que uma dessas habitações, a que fica localizada no rés-do-chão a tardoz, é destinada à Porteira.

Nessa vistoria para constituição de propriedade horizontal foi homologada a composição do prédio quanto a frações autónomas para 3 utilizações destinadas ao uso terciário (escritório no rés-do-chão direito, o atelier no rés-do-chão esquerdo e no 5° andar), 11 habitações com três divisões assoalhadas e outras 11 habitações com seis divisões assoalhadas, e quanto a “partes comuns”, seriam as discriminadas no artigo 1421° do Código Civil, devendo constar, entre elas, uma habitação com uma divisão assoalhada, no rés-do-chão a tardoz, destinada á Porteira.

Sucede que, entretanto, no dia 3 de Novembro de 2008, foi lavrada no Cartório Notarial de C...H...R...M... escritura notarial de constituição da propriedade horizontal do citado prédio, outorgando a 1.ª R., na qualidade de dona e legitima proprietária de todo o prédio, onde se menciona que o mesmo é composto por um total de vinte e seis frações, com base em certidão emitida pela Câmara Municipal de L..., com informação da Direção dos Serviços de Obras, que atesta a inexistência de licença de utilização para o mesmo edifício. Pelo que, não foi observado o consignado no “Auto de Vistoria” da Câmara Municipal de L..., nem o conteúdo da “Licença de Habitação n.º .....” de 21/07/1947, quanto á composição das partes comuns do prédio.

Na citada escritura de constituição de propriedade horizontal, a habitação localizada no rés-do-chão a tardoz, destinada à Porteira, surge como sendo a fração autónoma designada pela letra “E”, a que corresponde a permilagem de 12,283 em relação ao valor total do prédio, equivalente a €3.033,91, tendo a constituição da propriedade horizontal do prédio sido devidamente registada na Conservatória do Registo Predial em conformidade com essa escritura.

O A. denunciou a desconformidade verificada à Câmara Municipal de L..., em 24 de Maio de 2012, tendo-se esta pronunciado por despacho de 29/10/2012, no qual revogou o despacho de 2/12/1986, que referia a inexistência de licença de utilização para o edifício, e ordenou a notificação do condomínio do edifício para regularizar a alteração do uso da habitação destinada a porteira (parte comum) para fração autónoma ou para instaurar ação judicial no sentido da declaração da nulidade total ou parcial do título constitutivo da propriedade horizontal.

Em 30/12/2011 o A. comunicou essas irregularidades junto da Conservatória do Registo Predial de L..., tendo a Sr.ª Conservadora, por despacho de 10/02/2012, mencionado que a desconformidade assinalada levará à possibilidade de decisão judicial de declaração de nulidade ou nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal.

Assim, a 1.ª R. apresentou documentos desconformes com a definição da composição do edifício e destino de cada fração ou parte comum fixado pela Câmara Municipal de L... na Licença para habitação e Ocupação n.º ....., emitida em 21 de Junho de 1947, e na Vistoria para constituição de propriedade horizontal, homologada em 23 de Setembro de 2008, para autonomizar em fração autónoma a habitação de porteira e vendê-la para fim diverso, como vendeu, à 2.ª R., pelo preço de €70.000,00.

O A. levou a questão a discussão nas assembleias gerais de condóminos de 15 de junho de 2012 e 12 de março de 2013, mas as R.R. não promoveram qualquer diligência para utilização em comum e atribuição de destino como parte comum á fração “E” do prédio, regularizando a sua utilização e o seu destino, uma vez que essa fração até á data da venda pela 1.ª à 2.ª R. sempre foi utilizada como parte comum do prédio, sendo a casa onde residia a porteira do prédio e, posteriormente, foi utilizada pela empregada da limpeza para colocação dos utensílios e artigos de limpeza do prédio.

O A. interpelou por diversas vezes os legais representantes das R.R. no sentido de ver legalizada a escritura de propriedade horizontal, para que o fogo destinado a casa de porteira fosse restituído ao condomínio, sendo que os demais condóminos adquiriram as suas frações convencidos que no prédio existia um fogo destinado ao uso e habitação da porteira, que seria parte comum do mesmo, mas de facto o mesmo foi vendido pela 1.ª R. à 2.ª R. pelo preço de €70.000,00, para o utilizar para fins comerciais.

As R.R. estariam cientes que essa compra e venda não podia ser celebrada, pois a 2.ª R. sabia da existência da casa de porteira na habitação sita no rés-do-chão tardoz, já que era inquilina no prédio desde 1965.

Sendo a casa de porteira uma parte comum do edifício, que como tal se presume legalmente (Art. 1421º n.º 2, c) do C.C.) e tendo o Assento do S.T.J. de 10/05/89 fixado a jurisprudência no sentido de que, nos termos do Art. 294º do C.C., o título constitutivo ou modificativo da propriedade horizontal é parcialmente nulo ao atribuir à parte comum ou a fração autónoma do edifício, destino ou utilização diferentes do respetivo projeto aprovado pela Câmara Municipal, tal como agora está expressamente consignado no n.º 3 do Art. 1418º do CC, na redação introduzida pelo Dec.Lei n.º 267/94, de 25/10, entende o A. que deve o título relativo ao prédio dos autos ser declarado parcialmente nulo, na parte em que destinou a casa da porteira como fração autónoma “E”, sem autorização dos restantes comproprietários, sendo aquela declarada como parte comum do prédio.

Como as R.R. conheciam o destino da fração e que com o negócio realizado lesava os direitos dos restantes condóminos, impedindo o benefício da qualidade subjacente à existência de uma casa de porteira no edifício, entende o A. que a venda da fração “E” desvalorizada a fração do A. na proporção da sua permilagem no valor total do edifício, em valor de €2.916,66, o que ocorre igualmente com as restantes frações, nas respetivas proporções, até ao total de €70.000,00.

Por outro lado, entende ainda ter direito a indemnização por ocupação indevida em valor correspondente à renda comercial para o espaço, relativa ao período de 2008 a 2013, à razão de €400,00 mensais.

Em conformidade pede que seja declarada a nulidade parcial da escritura de constituição de propriedade horizontal, lavrada dia 3 de Novembro de 2008, no Cartório Notarial de C...H...R...M..., na parte em que individualiza a casa de porteira como fração autónoma, identificada como letra “E”, devendo as R.R. ser condenadas a reconhecer essa nulidade, e a fração “E” ser declarada como parte comum do edifício, sujeita ao regime dos artigos 1420º n.º 1 e 1421º do CC.

Mais pede a condenação da 2.ª R. no pagamento de uma indemnização pela ocupação do espaço comum correspondente á casa da porteira desde a data da celebração da escritura de compra e venda, à razão de €400,00 por mês, o que já ascende a €22.000,00, a que acrescem os valores que se vencerem desde a propositura da ação até á data da entrega livre de pessoas e bens ao condomínio.

Em alternativa, pede a condenação da 1.ª R. no pagamento duma indemnização de €70.000,00 aos restantes proprietários das frações autónomas, enquanto condóminos, sendo o proporcional do A. no montante €2.916,66.

A final, o A. também requereu a intervenção principal provocada da administração do condomínio do prédio.

Citadas as R.R. vieram a contestar, sendo certo que a contestação da 1.ª R. veio a ser ordenada desentranhar por despacho de fls 190 a 193, por ter sido apresentada fora de prazo.

A 2.ª R. contestou sustentando que haveria preterição de litisconsórcio necessário, devendo intervir no processo todos os condóminos do prédio, anteriores e atuais, considerando que a administração do condomínio não teria legitimidade, nem poderes para os representar neste processo, opondo-se assim à sua requerida intervenção, tal como requerida pelo A. na petição inicial.

Invocou ainda que o A., tal como os restantes condóminos, adquiriam as suas frações e as partes comuns tal como as mesmas se mostram configuradas no título constitutivo que agora se pretende que seja declarado nulo, pelo que constituiria um abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, a obtenção da procedência da presente ação, sendo que a R. limitou-se, como os demais condóminos, a presumir que o ato era válido e conforme à lei, beneficiando da fé pública...

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