Acórdão nº 1210/14.9T8LSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução18 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: M..., portadora do bilhete de identidade ..., NIF ..., residente ..., intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra A..., titular do cartão de cidadão n.º ..., com morada ... e J... S.A., sociedade comercial anónima com o número de identificação de pessoa colectiva ..., com sede ...

peticionando: “ (…) a)– Ser o contrato de cessão de posição contratual outorgado pela Autora e pelo 1.º Réu a favor da 2.ª Ré (…) declarado nulo, com as legais consequências; b)– Ser ordenado o cancelamento da inscrição da cessão do contrato-promessa de compra e venda no Registo Predial referente ao respectivo imóvel”.

Para o efeito a A. alegou, em síntese, que: – mediante escritura de cessão da posição contratual de 3 de Julho de 2014, juntamente com o 1.ºR cedeu a posição que detinha, na qualidade de promitente compradora do prédio sito na Rua da A..., n.ºs ...-... e Rua da P..., n.º ...-B, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... da freguesia de ... ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... com a licença de utilização n.º .../... emitida pela Câmara Municipal de Lisboa em 10 de Dezembro de 1996; – tal escritura foi celebrada pela Dr.ª J..., que é mãe de A... e que interveio em tal escritura na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da sociedade aqui 2.ª Ré, – a Sr.ª Notária encontrava-se impedida para celebrar a referida escritura, conforme o disposto no artigo 5.º do Código Notariado (CN), o que determina a nulidade do acto, conforme dispõe o artigo 71.º do mesmo diploma; Regularmente citados, os RR contestaram, excepcionando a preterição de litisconsórcio activo, por a A se apresentar a litigar desacompanhada do seu marido e impugnando a factualidade alegada pela A., essencialmente no que respeita ao modo como se desenrolaram as negociações, bem como impugnando juridicamente a necessidade de formalização da cessão, por via de escritura, mais tendo invocado o disposto no n.º 2 do artigo 369.º do Código Civil (CC), no sentido de que, em seu entender – mesmo a verificar-se tal impedimento – tal não determinará a afectação do negócio jurídico subjacente ali expresso.

Invocaram ainda que a A confirmou o negócio ao receber, em parte, o preço, em 29 de Julho de 2014 (50.000€) e em 6 de Agosto de 2014 (50.000€), bem como o abuso de direito da autora, para os efeitos do artigo 334.º do CC, na medida em que deu causa ao vício de forma verificado, sabendo muitos meses antes da celebração da escritura que o Presidente do Conselho de Administração da 2.ª R., era filho da Sr.ª Notária.

A A deduziu resposta às excepções, alegando o falecimento do seu marido em momento anterior ao da propositura da acção, requerendo a intervenção dos demais herdeiros e impugnando a existência de abuso de direito.

Foi admitida a requerida intervenção de terceiros.

Realizada audiência prévia, saneado o processo e realizado julgamento, proferiu-se sentença nos termos da qual o tribunal recorrido, julgou a acção procedente e, consequentemente decidiu: “a)– declaro nula a escritura de cessão da posição contratual de 15 de Julho de 2014, mediante a qual a A, juntamente com o 1.ºR, cedeu a posição que detinha, na qualidade de promitente compradora do prédio sito na Rua da A..., n.ºs ...-... e Rua da P..., n.º ...-B, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... da freguesia de ... ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., com a licença de utilização n.º .../... emitida pela Câmara Municipal de Lisboa em 10 de Dezembro de 1996; b)– determino a comunicação da presente decisão, após trânsito, à competente Conservatória do Registo Predial de Lisboa, por forma a que se proceda ao registo do decidido.” Não conformado com esta decisão, impetrou o R. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “1.

– A cessão da posição contratual sub judice foi celebrada por escritura pública lavrada pela Notária J..., accionista da cessionária; 2.

– Outorgou em tal escritura como representante da sociedade anónima cessionária o filho da referida Notária, administrador da mesma.

  1. – Nos termos do n.º 1 do art.º 71.º é nulo o acto lavrado por notário legalmente impedido.

  2. – Os n.ºs 1 e 2 do art.º 5.º do Código do Notariado elencam as causas de impedimento dos notários.

  3. – No entanto o n.º 3 desse mesmo art.º 5.º excepciona de tais impedimentos os casos em que seja parte uma sociedade anónima de que o próprio notário, seu cônjuge, parente ou afim na linha, em 2.º grau da linha colateral, sejam sócios.

  4. – Por isso, sendo a cessionária uma sociedade anónima, não estava a referida Notária impedida de lavrar a escritura de cessão da posição contratual sub judice pelo facto de ser accionista da mesma e o respectivo representante na escritura em causa ser seu filho.

  5. – Daí que a escritura de cessão da posição contratual sub judice não enferme de qualquer vício maxime de nulidade.

  6. – Ao assim não entender violou a douta sentença recorrida, por erro de interpretação, o n.º 1 do art.º 71.º e o n.º 3 do art.º 5.º do Código do Notariado.

  7. – Nos termos do art.º 294.º do Código Civil os negócios celebrados contra disposição legal imperativa, como, in casu, a douta sentença recorrida entendeu verificar-se, são nulas “salvo no caso em que outra solução resulte da lei”.

  8. – O n.º 1 do art.º 71.º do Código do Notariado determina que o acto lavrado por notário legalmente impedido, como a douta sentença recorrida entende ser o caso, “sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art.º 369.º do Código Civil”.

  9. – Por isso a escritura de cessão da posição contratual sub judice, se a notária que a lavrou estivesse impedida de a fazer, a única consequência seria a mesma perder a força de documento autêntico, mas o acto de cessão da posição contratual não era afectado em si mesmo.

  10. – De facto não ficaria minimamente afectada a materialidade e validade do negócio jurídico de cessão da posição contratual passando a escritura a valer como documento particular, porquanto a intervenção da notária não confere validade substancial ao negócio, mas apenas lhe atribui fé pública.

  11. – Ao assim não entender, violou a douta sentença recorrida, por erro de interpretação, o n.º 1 do art.º 71.º do Código do Notariado e o art.º 294.º, n.º 2 do art.º 369.º do Código Civil.

  12. – A forma de transmissão por acto entre vivos dos direitos e obrigações das partes define-se em função do negócio que serve de base à cessão (Código Civil, art.º 425.º).

  13. – A cessão da posição contratual sub judice reporta-se à posição de promitentes-compradores num contrato de promessa de compra e venda de um imóvel pelo que é apenas exigida a forma de documento particular (Código Civil, art.º 410.º, n.º 2).

  14. – Por isso, mesmo considerando que a escritura sub judice, por ter perdido a fé pública que a intervenção notarial lhe atribuía, deixou de ser um documento autêntico, passou a assumir a forma de um documento particular, forma esta que é a legalmente exigida para a cessão da posição contratual num contrato promessa de compra e venda de um imóvel, como é o caso.

  15. – Mesmo no caso da cessão da posição contratual estar ferida de nulidade, dado que o documento de cessão tem os elementos essenciais de substância – vontade de ceder e de adquirir, objecto, preço, condições de pagamento – é de supor que os cedentes e cessionária celebrariam o contrato sub judice se tivessem previsto a sua invalidade.

  16. – Ao assim não entender, violou a douta sentença recorrida, por erro de interpretação, o art.º 410.º, n.º 2, o art.º 425.º e o art.º 293.º do Código Civil.

  17. – Posteriormente à escritura sub judice, concretamente em 26 de Setembro de 2014, entre o cedente A... e a cessionária sociedade foi celebrado perante a Notária M... uma escritura pública em que o primeiro voltou a declarar a sua vontade de ceder a sua posição contratual no contrato promessa sub judice à segunda e esta a sua vontade de assumir tal posição nesse contrato nos precisos termos em que a haviam feito na escritura sub judice.

  18. – Este acto, em si mesmo sempre faria extinguir parcialmente o efeito jurídico pretendido pela Autora ora Recorrida na presente acção – declaração da nulidade da cessão da posição contratual na parte realizada pelo Réu e ora Recorrente A..., assumindo por isso a qualidade de uma excepção peremptória e não de confirmação de um acto nulo, como pretende a douta sentença recorrida, excepção essa que foi tempestivamente deduzida.

  19. – Ao assim não entender, violou a douta sentença recorrida, por erro de interpretação, o art.º 224.º e 232.º do Código Civil e o n.º 3 do art.º 576.º e n.º 2 do art.º 608.º do Código do Processo Civil.

  20. – Por isso, sempre e em qualquer circunstância nunca a cessão da posição contratual feita pelo Recorrente A... à Recorrente sociedade podia ser declarado nula porquanto ambos reiteraram por escritura pública a sua vontade de um ceder e outra adquirir a posição contratual daquele no contrato promessa sub judice.

  21. – A escritura sub judice foi precedida de um “Acordo de Vontades” celebrado em 3 de Julho de 2014; a Autora ora Recorrida recebeu em 6 de Agosto de 2014 parte do valor da cessão que apenas lhe ser devido em 31 de Dezembro de 2014; outorgou procuração a favor de um mandatário em 9 de Setembro de 2014 e intentou a presente acção em 25 de Setembro de 2014; e sabia há meses que o outro outorgante na escritura de cessão da posição contratual em representação da cessionária era filho da Notária que lavrou a escritura, facto que invoca na presente acção como fundamento da declaração de nulidade da mesma.

  22. – Ao assim agir, excedeu claramente a Recorrida os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes que devem presidir ao exercício de qualquer direito, defraudou as legítimas expectativas que havia criado na cessionária e no outro cedente e a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT