Acórdão nº 14649/17.9T8SNT-A.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelISABEL FONSECA
Data da Resolução16 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

–RELATÓRIO: * Ação Procedimento cautelar de suspensão de deliberação social.

/////////////////////////////////////////// Requerentes/apelantes José de O. S. e Ricardo S. de O. S..

//////////////////////////////////////////// Requerida/apelada L. Cabeleireiros, S.A.

/////////////////////////////////////////// Pedido Suspensão das deliberações aprovadas na Assembleia Geral da requerida de dia 29.06.2017, constantes da ata junta como doc. 5.

Causa de pedir Os requerentes são acionistas da requerida e, em conjunto, são portadores de ações ao portador representativas de 22,25% do capital social da requerida.

No dia 29.06.2017 a Assembleia Geral da requerida, integrada por S., SGPS, S.A., identificada como acionista única, deliberou a destituição e substituição dos requerentes enquanto Administradores da requerida.

Tal assembleia não foi alvo de qualquer convocatória, nem os requerentes estiveram presentes na reunião, que é assim nula nos termos do artº 56.°, nº 1, al. a), do C.S.C..; pese embora a indicação constante da ata de que estava presente “a acionista única das dez mil ações representativas do capital social” da requerida, a sociedade S. SGPS, SA, os requerentes são portadores dos referidos títulos pelo que a aprovação dos referidos pontos da ordem de trabalhos dessa assembleia estava dependente da presença dos requerentes, o que não aconteceu.

Por outro lado, a nomeação dos membros dos órgãos sociais da requerida, como das outras sociedades do grupo, depende de prévia deliberação do Conselho de Administração da sociedade S., SGPS, S.A., aprovada pela maioria dos seus membros em exercício de funções. O Conselho de Administração da referida sociedade, em reunião de 27.06.2017, aprovou a destituição e substituição por cooptação dos requerentes das funções de administradores da mesma. Não aprovou a nomeação de novos administradores da requerida. Essa deliberação foi também objeto de procedimento cautelar de suspensão da sua execução.

A nomeação dos dois administradores foi efetuada sem prévia aprovação do Conselho de Administração da SGPS o que foi efetuado com o conhecimento do presidente da mesa da Assembleia Geral da Requerida, que é também membro do Conselho de Administração da SGPS.

A destituição e subsequente nomeação de novos administradores constituem reação à oposição dos requerentes à realização de pagamentos por parte das empresas do grupo à sociedade búlgara I... LTD, constituída pelos administradores MB... e JS... e que, para este efeito, é manifestamente uma “interposta pessoa” destes administradores, em violação do disposto no art. 397º, 2 do C.S.C., permitindo a continuação da delapidação do património da requerida.

Oposição A título de questão prévia, pugna pela suspensão do procedimento até decisão do procedimento cautelar instaurado conta S., SGPS, S.A..

Os requerentes não são acionistas da requerida, ao contrário do que invocam; são acionistas da S., SGPS, S.A. sendo o negócio composto atualmente por 10 salões de cabeleireiro, numa estrutura societária em que a S. SGPS SA, é detida pelo 1º requerente, pai de JS..., com 23,8% do capital, o 2º requerente, irmão de JS..., com 12,3%, JS... com 25,3% e MB... com 38,6%.

Detendo a S. SGPS SA, a 100%, cada uma das sociedades dominadas (E... SA, LC... SA, LN... SA e V... SA); a partir de 13-08-2013 e na sequência da transmissão das ações, a totalidade do capital social da requerida passou a ser detida pela S. SGPS SA, titular das 10 000 (dez mil) ações.

Aquando da constituição da SGPS, os acionistas das sociedades que então integravam o grupo, endossaram a totalidade das ações de que eram portadores à SGPS, que passou a ser a única acionista de cada uma das mesmas.

O contrato com a sociedade Búlgara foi realizado com o conhecimento e acordo dos requerentes.

A providência cautelar constitui manifestação da guerra societária que os requerentes desencadearam aos demais acionistas, visando alcançar uma posição de negociação mais vantajosa e o controlo do grupo.

Os requerentes usam meio processual inadequado uma vez que as deliberações impugnadas já foram executadas e litigam com abuso de direito e má-fé.

Alega ainda a falsidade do documento nº4 apresentado pelos requerentes, alusivo aos estatutos da requerida, juntando a “versão verdadeira” desses estatutos; o mesmo acontece com os estatutos das demais sociedades, incluindo a S. SGPS SA, sendo que na “versão verdadeira”, o órgão de administração é composto por um máximo de quatro administradores, não sendo estabelecido um número mínimo de membros do Conselho de Administração; os requerentes pretendem socorrer-se do art. 17º, dos Estatutos da requerida, numa redação que não foi a aprovada pelos seus acionistas.

Resposta Os requerentes mantêm a posição assumida no requerimento incial, propugnando pelo indeferimento do incidente de falsidade.

Julgamento O pedido de suspensão do procedimento foi indeferido.

Procedeu-se a julgamento e proferiu-se decisão, em 09-10-2017, que concluiu nos seguintes termos: “Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos: a)- Julgar improcedente, por não verificação de um pressuposto essencial do mesmo, o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberação social e, em consequência, absolver a Requerida do pedido; b)- Julgar improcedente, por não provado, o pedido de condenação dos Requerentes como litigantes de má-fé.

Custas a cargo dos Requerente, fixando-se o valor da causa em conformidade com o indicado no requerimento inicial (art.s 305.° e 306.° do CPC).

Registe e notifique”.

Recurso Não se conformando os requerentes apelaram formulando as seguintes conclusões: “1ª–O Tribunal a quo, na sentença proferida no presente procedimento cautelar, entendeu não determinar providência requerida por considerar que os Requerentes são parte ilegítima na mesma vez que, não obstante ter dado como indiciariamente provado que os Requerentes são portadores de ações da Requerida (cfr. factos dados como indiciariamente provados sob os nºs 5 e 6), tal consubstancia uma mera detenção e não uma prova da titularidade dessas mesmas ações, 2ª–Não pode a Recorrente conformar-se com tal entendimento! 3ª–Com efeito, tendo em consideração o normativo legal aplicável, nomeadamente regime jurídico de transmissão das ações ao portador, os estatutos da Requerida e a matéria de facto dada como provada, outra não poderia ter sido a conclusão senão a de que os Requerentes são parte legítima nos presentes autos.

  1. –O artigo 52.°, nº 1, do Código dos Valores Mobiliários (na versão anterior à que lhe foi dada pela Lei nº 15/2017, de 3 de maio, e em vigor à data da emissão dos títulos), que permitia ainda a emissão de ações ao portador, definia que estas não permitem ao emitente (a sociedade) a faculdade de conhecer a todo o tempo a identidade dos titulares, permitindo-se assim uma livre transmissão das ações sem que haja qualquer registo, por parte da sociedade emitente dos títulos, de quem são, a cada momento, os seus efetivos titulares.

  2. –Já nos termos do artº 104.° do CVM estabelece-se que “a demonstração da titularidade das acções é feita por intermédio de documento comprovativo do depósito em estabelecimento bancário ou ela posse das acções”.

  3. –Conforme resulta da decisão recorrida, considerou-se indiciariamente provado (i) que o capital social da Requerida é representado por ações ao portador, (ü) que os Requerentes são portadores de ações correspondentes a, respetivamente, 11,13% e 11,12% do capital social da Requerida (pontos 5º e 6.° da matéria de facto provada).

  4. –Ora, atendendo ao factualismo dado como indiciariamente provado e o normativo legal aplicável, não se compreende e muito menos se pode aceitar a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, sendo evidente que a decisão recorrida viola frontalmente o disposto no artº 104.° do CVM.

  5. –Acresce que a decisão recorrida ignora em absoluto os Estatutos da Requerida e a vontade dos seus acionistas neles expressamente prevista, já que, conforme resulta igualmente indiciariamente provado, os estatutos da sociedade Requerida, no seu artigo 14.°, nº 3, dispõem o seguinte: “A demonstração da titularidade das acções é feita por intermédio de documento comprovativo do depósito em estabelecimento bancário ou pela posse das acções (cfr. ponto nº 7 da matéria de facto dada como provada).

  6. –Ou seja, tendo em consideração o regime legal previsto no CVM, reforçado pela vontade dos acionistas expressamente prevista nos estatutos e a natureza dos títulos em causa, a demonstração da titularidade das ações é feita através da apresentação dos correspondentes títulos, sendo certo que como resulta indiciariamente provado, os mesmos estão na posse dos Requerentes.

  7. –Logo, ainda para mais em sede de procedimento cautelar e perante um juízo de natureza meramente indiciária, outra não pode ser a decisão senão a de considerar...

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