Acórdão nº 1514/16.6GLSNT.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE GON
Data da Resolução20 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: 1.

– No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º1514/16.6GLSNT, procedeu-se ao julgamento do arguido R., melhor identificado nos autos, pela imputada prática, em autoria material, de um crime de violência domestica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), em concurso efectivo com um crime de dano, p. e p., pelo artigo 212.º, n.º 1, ambos do Código Penal.

No decurso da audiência de julgamento, C.S. declarou a sua intenção de desistir da queixa apresentada contra o arguido, a que este último não se opôs, sendo tal desistência de queixa homologada quanto ao crime de dano imputado ao arguido, com extinção parcial do procedimento criminal, prosseguindo este unicamente para apreciação da prática do imputado crime de violência doméstica, atenta a natureza pública do mesmo.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «Pelos fundamentos e facto e de direito supra expostos: A)– Julgo a acusação parcialmente procedente, por provada e, em consequência: A.l.) Absolvo o arguido R. da autoria material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.° 1, alínea b) do Código Penal; A.2.)– Condeno o arguido R. como autor material de um crime dc ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.°, n.° 1 e 155.°, n.° 1, alínea a), todos do Código Penal, na pena de 100 (ceni) dias de multa, à taxa diária de 6,00 (seis) euros que, após desconto de um dia de detenção que o arguido sofreu, nos termos do artigo 80.°, n.° 2 do Código Penal, equivale a 99 (noventa e nove) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 594,00 (quinhentos e noventa e quatro euros); (…)» 2.

– O arguido recorreu desta sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): a)- Previamente cumpre referir que o Arguido mantém interesse na análise do recurso apresentado no dia 11.10.2017, mantendo o seu teor. b)- Quanto à douta sentença, entende o Arguido que a douta sentença padece de nulidade nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP por violação dos n.ºs 1 e n.º 3 do artigo 358.º do CPP, visto que não foi comunicado ao arguido a possibilidade de alteração da qualificação jurídica.

c)- Assim sendo, desde já se requer que seja reconhecida a nulidade da douta sentença.

d)- Caso assim não se entenda, sempre se dirá que a medida da pena é excessiva, impondo-se a aplicação de uma pena inferior.

e)- Assim sendo, entende o arguido que uma pena fixada não superior a 60 dias à taxa diária de 5 euros será suficiente, pelo que considera o arguido que a douta sentença violou os artigos 40.º n.º 1, 71.º e n.º 1 do artigo 69.º todos do Código Penal.

Pelo supra exposto, entende o arguido que a douta sentença seja revogada em virtude da nulidade da mesma.

Caso assim não se entenda, sempre deverá ser aplicada uma pena ao arguido não superior a 60 dias de multa à taxa diária de 5 euros.

2.1.– O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, no sentido de que a sentença recorrida não merece censura.

  1. – Anteriormente (mas já após a prolação da sentença) o arguido interpôs recurso de um despacho interlocutório, datado de 12 de Setembro de 2012, que se determinou subisse a final – e cujo interesse o recorrente declarou manter, formulando as seguintes conclusões (transcrição): a)- O Arguido não se conformado com o douto despacho proferido em audiência de discussão e julgamento no dia 12.09.2017 com o seguinte teor: b)- "Sem prejuízo da posição que venha a ser desenvolvida em sede de fundamentação da sentença a proferir, desde já se avança que não se vislumbra qualquer inadmissibilidade legal em valorar o que a testemunha em causa, militar da GNR, verbalizou quanto aos factos de que teve conhecimento no exercício das suas funções e que terá visualizado. Importa igualmente não olvidar que mesmo que possa ocorrer um relato indirecto de alguns factos que a ofendida lhe possa ter transmitido, esta foi arrolada na acusação pública e encontra-se igualmente salvaguardada a possibilidade desse relato indirecto poder a vir ser valorado nos termos da parte final do artigo 129.º, n.º 1 do CPP.

    Consequentemente indefere-se o requerido pela defesa do arguido, condenando-se o mesmo pelo incidente a que deu azo cm 1 UC. Notifique." c)- No decurso da prestação de depoimento da testemunha, B.O., entende o Arguido que a mesma descreveu factos que lhe foram transmitidos pela Ofendida, senão vejamos: d)- Testemunha B.O.: "(...) A discussão segundo declarações da vitima tinha havido uma avaria no Tuk Tuk dela (...)" (In depoimento prestado no dia 12.09.2017 entre os minutos 03:17 e 3:15) e)- Testemunha B.O.: (...) e no interior questionei a vítima relativamente à motivação do arguido o que é que havia ocorrido para isto se ter-se dado se havia eventos anteriores sim havia eles já tinham alguma discussão (...) (In depoimento prestado no dia 12.09.2017 entre os minutos 04:06 e ^ 4:19) f)- Assim sendo, entende o Arguido que a decisão recorrida viola o n.º 7 do artigo 356.º do Código do Processo Penal- g)- Sendo que, contrariamente ao decidido, entende o Arguido que no caso concreto não é aplicável o vertido no artigo 129.º do Código do Processo Penal.

    h)- Assim sendo, sem mais delongas, desde já se requer que seja declarado nulo e sem nenhum efeito o depoimento da testemunha, ordenando-se a repetição da respectiva inquirição, bem como todos os actos posteriores do processo.

    i)- Caso assim não se entenda, sempre se dirá que a aplicação de 1 UC de custas pelo incidente viola os artigos 7.º e 8.º do Regulamento das Custas previsto no DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.

    j)- Sendo que entende o Arguido que a interpretação dos artigos 7.º e 8.º do Regulamento das Custas no sentido de que qualquer requerimento é passível de tributação, sempre violaria o artigo 32.º da Constituição da Republica Portuguesa.

    k)- Porquanto, independentemente do que vier a ser decidido sobre a violação, ou não do n.º 7 do artigo 356.º do CPP, sempre terá o douto despacho que ser revogado na parte que condena o arguido no pagamento de 1 UC.

    Pelo supra exposto, entende o arguido que o despacho deve ser revogado e declarado nulo e sem nenhum efeito o depoimento da testemunha, ordenando-se a repetição da respectiva inquirição, bem como todos os actos posteriores do processo.

    Caso assim não se entenda, sempre deverá ser revogado o douto despacho na parte em que decide que o arguido deverá pagar 1 UC pelo incidente.

    3.1.

    – O Ministério Público respondeu ao recurso do despacho intercalar, pugnando pelo seu não provimento.

  2. – Recorreu também o Ministério Público da sentença proferida, concluindo do seguinte modo (transcrição): 1.

    - O crime de ameaça agravada, p. e p., pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal é um crime semipúblico, logo depende de queixa, pelo que a desistência do mesmo é relevante porquanto eficaz; 2.

    - O cerne da questão assenta em saber se o facto de estas circunstâncias agravantes da moldura penal, atualmente previstas num comando normativo autónomo – o artigo 155.º do Código Penal, constitui um tipo legal autónomo e diverso face ao previsto no atual artigo 153.º e, em caso afirmativo, qual a natureza jurídica do tipo de crime.

  3. - Entendemos que o atual artigo 155.º do Código Penal não constitui um tipo autónomo, diverso do crime de ameaça simples, p. e p. pelo atual artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal, antes integrando circunstâncias de facto que, pela sua natureza, são suscetíveis de agravar a moldura penal que deverá assistir à punição do agente.

  4. - Tendo-se em consideração que a epígrafe do atual artigo 155.º do Código Penal é «Agravação» e não, por exemplo, ameaça agravada.

  5. - Além do mais, no corpo do artigo 155.º do Código Penal não é desenhado o elemento objetivo do tipo, que nos permitisse concluir estarmos diante a existência de um tipo legal autónomo, antes se afigurando o artigo 153.º como o tipo mãe ou o tipo matricial.

  6. - Saliente-se, também, que à semelhança do que ocorre com o crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1, por referência ao artigo 184.º, ambos do Código Penal, o crime de ameaça agravada (atualmente p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º do Código Penal) também reveste natureza semipública.

  7. - Na verdade, no que ao crime de injúria concerne, não obstante a agravação se encontrar no artigo 184.º do Código Penal, é no artigo 181.º do Código Penal que o elemento objetivo do tipo encontra acolhimento legal.

  8. - Ademais, o facto de a agravação resultar de um artigo autónomo não confere natureza pública ao crime, continuando o crime de injúria agravada a possuir natureza semipública – vide artigo 188.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.

  9. - O mesmo acontece com o crime de ameaça na forma agravada, que reveste, igualmente, salvo melhor entendimento, natureza semipública.

  10. - Sob pena de esvaziarmos de conteúdo o artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal no que respeita à ameaça com crime contra a vida (caso se defendesse que o mesmo seria público, nos termos do artigo 155.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal), temos que concluir que o crime de ameaça reveste natureza semipública. O tipo residual ou tipo base encontra-se no artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal.

  11. - As circunstâncias previstas no artigo 155.º são agravantes e qualificativas do crime de ameaça, à semelhança do que já acontecia, no artigo 153.º, n.º 2 do Código Penal, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 04 de Setembro.

  12. - Relativamente aos crimes de natureza semipública a desistência de queixa é eficaz; 13.

    - A ofendida tem...

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