Acórdão nº 5340/17.7T9LSB-A.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelVIEIRA LAMIM
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: Iº–1.

– Nos autos de inquérito nº5340/17.7T9LSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Juízo de Instrução Criminal de Lisboa - Juiz 5), por despacho de 28Set.17, além do mais, foi autorizada a realização de buscas no posto de trabalho de P., nas instalações do Sport X, sitas em …. possíveis anexos, arrecadações e caixas de correio.

No decurso da realização dessa busca, em 19Out.17, o arguido P., através do seu Ilustre Defensor, pediu a palavra e disse: “ … À constituição de arguido e TIR não precedeu qualquer despacho ou explicação sequer, escrita ou oral, para que se justifique ou indicie um qualquer juízo de suspeita. Foi, aliás, transmitido pela ilustre representante do Conselho Regional da Ordem dos Advogados, Drª A.L. que a constituição de arguido fora instrumental para a possibilidade de realização da busca, o que, salvo melhor entendimento, não é lícito, razoável ou proporcional, tendo em conta as normas conjugadas nos artigos 58, nº1, alínea a) e art.135, estes ambos do CPP, bem como do disposto no artigo 16, nº5 e nº7 da Lei 109/09 de 15 de Setembro e no artigo 92 da Lei nº145/2015 de 5 de Setembro.

Consigna que a presente diligência em escritório de advogado já está em curso, com a verificação generalizada, indiscriminada e não individualizada de todos os dossiers em papel, e, ainda, todos os ficheiros/conteúdos contidos quer no computador pessoal, quer no respectivo telemóvel, sem que se tenham indicado quaisquer ou sequer temas, o que permite não uma busca dirigida, mas uma verdadeira devassa.

Neste preciso momento, às 12.30h., o arguido foi apenas confrontado com um mandado de Busca e Apreensão, que não só não indica, tipificando, quaisquer crimes como não refere também quaisquer elementos de facto ou indiciários que justifiquem a intromissão a que respeita uma diligência desta natureza, mais a mais quando a Constituição da República Portuguesa (CRP) e o estatuto dos tribunais asseguram aos advogados, no interesse público, as garantias necessárias para que não possa ser acedida documentação e correspondência de clientes sem para haja fundamento sério para o efeito. Não basta que, em abstrato, se diga "… que existem fortes suspeitas que documentos e objectos relativos à prática dos crimes e/ou indispensáveis à investigação se encontram nas instalações clube, mais concretamente no posto de trabalho de P. ...

". Sem mais, este é um mandado em branco, que não permite sequer a apreciação dos seus pressupostos, e reacção ou sindicância do mesmo, o que, no mínimo, consubstancia violação do disposto no artigo 97 nº1, alínea b), nº4 e nº5 do CPP, dos supracitados preceitos legais e ainda do disposto nos artigos 32 nº8 e 34 da CRP, tanto mais que “ … são nulas todas as provas obtidas mediante (…) abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações …”.

….”.

Pela Exma Magistrada do Ministério Público foi dito: “… No que concerne à primeira questão suscitada, a da constituição de arguido, importa, antes de mais, repor a verdade relativamente ao alegado. De facto, ao contrário do que referiu o Senhor Advogado, porventura erradamente alicerçado no que lhe foi transmitido por outro dos presentes, foram prestados esclarecimentos prévios ao ora arguido P. em momento prévio ao acto formal de constituição de arguido. Diga-se, ademais, que não é legalmente exigida a qualquer autoridade o esclarecimento prévio do arguido da razão por que vai ser constituído arguido (distintamente do regime aplicável ao interrogatório). Pressupõe a prática de tal acto que exista suspeita fundada da prática de crime para a sua formalização, não sendo sequer necessária a existência de despacho que o determine.

Ora, in casu, foram prestados esclarecimentos pela Magistrada do Ministério Público à frente de todos os presentes na sala onde se iniciava a busca. Foi esclarecido que existia uma exigência do Estatuto da Ordem dos Advogados quanto à constituição de arguido no âmbito de buscas a escritório de advogado, tendo sido prontamente acrescentado, e nesta parte se sublinha, que a determinação da busca ao posto de trabalho do advogado assentava na existência de elementos que apontavam para o comprometimento do visado - P.- com a prática dos crimes investigados nos autos, do conhecimento do visado que, imediatamente, identificou esta diligência como estando relacionada com o “Caso dos emails”, esclarecendo ainda um dos presentes que era o processo no qual o Sport X era visado e não nenhum daqueles em que apresentou queixas.

Nesta medida, nenhuma razão assiste ao Senhor Advogado nesta parte, em que houve completa correcção de procedimentos e respeito dos normativos legais aplicáveis, nenhuma consequência sendo de retirar quanto a este aspecto.

Relativamente à questão do "mandado em branco", o Ministério Público pronuncia-se: O mandado constitui a forma que reveste o acto judicial que consubstancia uma ordem, sustentada num despacho judicial. Tal mandado deverá ser acompanhado de cópia do despacho que o determinou. Verifica-se que, in casu, o mandado estava devidamente acompanhado do despacho que a determinou, na parte respeitante a esta busca em particular.

Anota-se que a Mma Juiz de Instrução proferiu despacho a ordenar a realização de um número razoável de buscas, para além da busca em que nos encontramos. Nesta medida, e considerando que os autos correm a coberto de segredo de justiça e que a realização das demais buscas não deve ser do conhecimento de outros visados, foi "retalhado" o despacho da Mma Juiz, de molde a acautelar aqueles aspectos.

Não obstante, a fundamentação da determinação de tais diligências, ter um tronco comum, constata-se que a selecção dos trechos que deveriam acompanhar cada um dos mandados pode não reflectir o alcance da fundamentação.

Em todo o caso, entende o Ministério Público que não se verifica qualquer nulidade ou vício de outra natureza que afecte o despacho, devidamente fundamentado, podendo, apenas, ter ocorrido incompletude na extensão da cópia do despacho que não passaria de uma mera irregularidade. Irregularidade sanável, nos termos do art. 123 do CPP, através disponibilização parte em falta, o que se requer.

Por último, e quanto aos elementos que se visam apreender na busca que são os que integram o conceito legal do art.174° do CPP, são os que estão a ser analisados em sede de busca e que se visam apreender. Sendo certo que, em nosso entender, a invocação do Senhor Advogado a esse respeito assenta no desconhecimento resultante da circunstância de não ter tido acesso, pelos motivos que acima se referiram, à parte do despacho que determinou a busca, onde são descritos os ilícitos criminais sob investigação e onde é feita súmula da factualidade que os consubstancia.

Em todo o caso, sempre se dirá que a exigência de uma identificação dos concretos documentos que, com as diligências de busca e pesquisa informática, se pretendem apreender implica uma capacidade de adivinhação que é incompatível com a realidade ou com o exercício pelo Estado da sua função constitucional de execução da acção penal.

….”.

A Mma JIC que presidia à busca, proferiu o seguinte despacho: “… Partindo-se do pressuposto de que se pretende invocar nulidade, o que não resulta absolutamente claro do requerimento apresentado, entende-se fazer consignar que: O mandado busca apresentado, e que funda a presente diligência judicial ocorre na sequência de despacho judicial que o ordenou, nos termos e fundamentos legalmente aplicáveis. Com o mandado foi junta cópia do despacho judicial, na parte concretamente aplicável a esta diligência - busca a escritório de advogado.

Este despacho insere-se num todo, sendo que do seu corpo inicial, se alcança expressamente não só os crimes em investigação nos autos, como uma súmula dos factos que em concreto se investigam.

Se é certo que com o mandado de busca não se fez juntar essa parte do despacho, afigura-se-nos que tal facto, ora suprido, com a entrega da parte inicial do despacho, ou corpo comum, não consubstanciaria nulidade, mas, eventualmente irregularidade, entretanto suprida – cfr. art. 123, CPP O mandado de busca alude aos elementos relacionados com a prática do crime, nos termos previstos no art.174 n° 2 e 3, afigurando-se-nos que, no comum das situações, é de difícil concretização a indicação dos objectos a apreender (desde logo, os concretos dossiers ou ficheiros informáticos) sendo que tal decisão/avaliação ocorrerá no decurso da presente diligência.

Acrescenta-se que dúvidas não subsistem, que a presente busca cumpre igualmente os preceitos constantes dos arts.75 e 78 do EOA.

Em conclusão, entende-se que a presente busca a escritório de advogado não padece de nulidade.

….

….”.

  1. – Deste despacho, recorre o arguido, P., motivando o recurso, com as seguintes conclusões: 2.1– O presente recurso visa sindicar a legalidade, a relevância, a correção e o rigor jurídico-penal de procedimentos prévios, contemporâneos e posteriores à diligência de busca realizada no domicílio profissional, isto é no escritório, do ora Recorrente, que é advogado e assessor jurídico Sport X - SAD, desde 22 de janeiro de 2007.

    2.2– No dia 19 de Outubro de 2017, pelas 10h.30, foi o Recorrente surpreendido no seu domicílio profissional, por uma diligência de busca e apreensão, conduzida por elementos da Polícia Judiciária e do Ministério Público e presidida pela Meritíssima Juiz de Instrução Criminal que a havia ordenado.

    2.3– Na referida diligência, mais se encontrava presente a representante da Ordem dos Advogados, em cumprimento das formalidades no ordenamento jurídico português e mais tarde, o seu defensor, o mandatário ora signatário.

    2.4– Sucede que, no início de tal diligência, sem que lhe sido facultada qualquer explicação ou esclarecimento, escrito ou oral, minimamente detalhado, especificado, ou sequer circunstanciado, acerca da existência de qualquer...

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