Acórdão nº 3131/16.1T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: Em 04.02.2016 Pedro intentou ação declarativa com processo comum (ação de preferência) contra Maria e contra Imobiliária, Lda.

O A. alegou, em síntese, ser o único arrendatário do 2.º andar lado esquerdo de um prédio urbano situado na Rua Augusta, em Lisboa, que identificou. O referido 2.º esquerdo fora dado de arrendamento em 1941, para o exercício de profissão liberal ou de comércio ou indústria. A 1.ª R. tornou-se única proprietária do edifício em que se situa o locado, em 1988. Por carta recebida em 07.12.2015 a 1.ª R. comunicou ao A. que iria vender o prédio à ora 2.ª R., pelo preço de € 3 450 000,00, estando a escritura marcada para o dia 18.12.2015, em escritório notarial que identificou. Uma vez que o A. tinha direito de preferência nos termos do art.º 1901.º do Código Civil, comunicava-lhe os termos do negócio. Ora, o A. escreveu à 1.ª R., por carta de 14.12.2015, exercendo o direito de preferência. Sucede que no dia e local aprazado para a realização da escritura a 1.ª R., através do seu procurador, se recusou a reconhecer o direito do A., tendo celebrado a escritura de compra e venda com a ora 2.ª R.. Em virtude dessa atuação o A. sofreu um prejuízo de € 3 577,84, correspondente a 80% dos honorários da senhora notária pela elaboração da escritura não concretizada e emissão de certificado de não outorga da escritura.

O A.

terminou formulando o seguinte petitório: a)- Que se reconheça ao A. o direito de preferência sobre o prédio sito na Rua Augusta, números (…), freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº (…) da freguesia de São Nicolau, substituindo-se à 2ª R. na escritura de compra e venda, mencionada no artigo 13º da P.I.; b)- Que sejam as RR. condenadas a entregar o referido prédio ao A., livre e desocupado, tal qual resulta da escritura pública supra mencionada ou seja, sem prejuízo dos contratos de arrendamento eventualmente existentes e em vigor à data; c)- Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que a 1ª ou 2ª R., vendedora e compradora respectivamente, hajam feito a seu favor ou a favor de terceiros, nomeadamente pela 2ª R. em consequência da compra do supra referido prédio, designadamente o constante da apresentação nº 2818, de 18/12/2015 bem como, quaisquer outros que esta ou terceiros venham a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem; d)- Que seja a 1ª R. condenada a liquidar ao A. o montante de € 3.577,84, correspondente às despesas em que aquele incorreu pelo incumprimento da mesma, e que correspondem a 80% dos honorários devidos à Notária pela não celebração do acto de compra e venda, e ainda pela obtenção do certificado de não outorga da escritura, ao qual deverá acrescer os juros de mora à taxa legal aplicável desde a data da citação da 1ª R. até integral e efectivo pagamento.

Em 15.02.2016 o A. juntou aos autos comprovativo do depósito, a favor do Estado, da quantia de € 3 450 000,00, efetuado por S, S.A. e O, S.A..

As RR.

contestaram a ação, separadamente, mas em termos idênticos, negando o direito de preferência reclamado pelo A. e arguindo, a título de exceção, a caducidade decorrente de não ter sido ele, mas outrem, a depositar o preço e bem assim a omissão do pagamento de IMI e imposto de selo, além de agir em abuso de direito, atenta a desproporção existente entre o valor da divisão arrendada e a totalidade do prédio.

As RR. concluíram pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido.

A convite do tribunal o A. respondeu às exceções, pugnando pela sua improcedência.

Realizou-se audiência prévia e em 08.02.2017 foi proferido saneador-sentença, no qual se julgou a ação improcedente e em consequência se absolveu as RR. dos pedidos.

O A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou 95 conclusões, que aqui se sintetizam: Face aos factos provados e à lei em vigor, interpretada de acordo com os elementos gramatical, histórico, sistemático e teleológico, o A., arrendatário de parte de um prédio não constituído em propriedade horizontal, tem direito legal de preferência na venda da totalidade do prédio, direito que a 1.ª R. primeiramente lhe reconheceu e que o A. exerceu validamente. Ainda que assim não se entendesse, a 1.ª R. agiu e age em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o que acarreta a invalidade do contrato de compra e venda celebrado entre as recorridas.

O apelante terminou pedindo que a decisão recorrida fosse revogada.

Juntamente com a alegação o apelante juntou um parecer do Prof. Dr. A. Barreto Menezes Cordeiro.

A 2.ª R. contra-alegou, pugnando pela total improcedência do recurso, com as legais consequências.

Com a contra-alegação a 2.ª R. juntou um parecer, da autoria do Prof. Dr. Pedro Romano Martinez.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO.

As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: direito de preferência do A.; abuso de direito da 1.ª R.; direito de indemnização do A..

Primeira questão (direito de preferência do A.

) O tribunal a quo deu como provada, sem questionamento pelas partes, e esta Relação aceita (embora corrigindo erro na numeração dos factos), a seguinte.

Matéria de facto 1.

– Por escritura pública outorgada em 11.11.1941, lavrada no Cartório de F... T... C..., a folhas 66 verso do livro de notas nº 296-C, Maria e seu marido, Carlo deram de arrendamento a Acácio, Serafim, e António, o 2º andar, lado esquerdo, do prédio urbano sito na Rua Augusta, número (…), concelho de Lisboa, freguesia de Santa Maria Maior (anteriormente S. Nicolau), inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. (…) (anteriormente x).

  1. – Ficou estipulado que o arrendamento teria o prazo de oito meses, a contar de 01.01.1941, supondo-se sucessivamente renovado por períodos de seis meses, nos termos da legislação então em vigor (Cláusula 1ª do contrato cuja cópia se encontra junta a fls. 12 a 25 dos autos e se dá por reproduzido).

  2. – Foi ainda contratualmente fixado que a renda mensal seria de €3,49 (anteriormente 700$00 – setecentos escudos), devendo ser paga sempre antecipadamente, ao primeiro dia útil do mês anterior aquele a que dissesse respeito (Cláusula 2ª do contrato).

  3. – O uso do locado em causa seria para escritório de qualquer profissão liberal ou de qualquer comércio ou indústria (Cláusula 3ª do contrato).

  4. – O A. por via da renúncia à respectiva posição contratual de Acácio e António, e por ter sucedido na posição contratual de Serafim, é o actual e único arrendatário do sobredito local arrendado.

  5. – Encontra-se registada a propriedade da 1ª R., em virtude da partilha registada sob a Ap. 1 de 15.05.1978, ¼ do prédio sito na Rua Augusta, número (…), do concelho de Lisboa, freguesia de Santa Maria Maior (anteriormente S. Nicolau), inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. (…) (anteriormente x ) – cf. certidão junta a fls. 26 a 28.

  6. – Encontra-se registada pelas Ap. 4 e 7, a aquisição pela 1ª dos ¼ e ½ restante do referido imóvel, em 29/7/1986 e 26/07/1988, respectivamente, imóvel que não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal e é composto por lojas, 5 andares e sótão, com lados direito e esquerdo.

  7. – Por carta de 07.12.2015, recepcionada nessa mesma data, enviada pela 1ª ré ao autor a mesma informou o A. da intenção de vender à 2ª R., o prédio urbano sito na Rua Augusta, nº (…) de polícia, supra descrito, nos termos constantes do documento de fls. 29 a 31 cujo teor se reproduz.

  8. – Nessa mesma comunicação, o Mandatário da A. [queria dizer-se “R.”] deu a conhecer que:(…) As condições de venda são as seguintes: I. O preço da venda é de € 3.450.000,00 (três milhões quatrocentos e cinquenta mil euros) a pagar no acto de celebração do contrato definitivo de compra e venda. II. O prédio será vendido livre de ónus ou encargos. III. As despesas com IMT, escritura e registo de transmissão a favor do comprador ficam a cargo deste. IV. Encontram-se actualmente desocupados os seguintes andares: 2º direito, 3º esquerdo, 4º esquerdo, 5º esquerdo e mansardas. V. O prédio é vendido no estado de conservação em que se encontra.VI. Fica anexa à presente notificação a seguinte documentação: (….) A escritura será celebrada no dia 18 de Dezembro de 2015, às 12:00 horas, no Cartório Notarial da Notária Rosa Correia, sito em Lisboa, na Av. Praia da Vitória, nº 73, 1º esquerdo. Na medida em que, nos termos do art. 1091º do Código Civil, V. Exa. Enquanto inquilino, tem direito de preferência relativamente à venda acima referida, venho pela presente comunicar os termos do projectado negócio.”.

  9. – Na mesma carta constam identificados no ponto VI os arrendamentos existentes no prédio, em número de nove, além do A..

  10. – O A. por carta datada de 14.12.2015, cuja cópia se encontra junta a fls. 32 e 33 e se dá por reproduzida, o A. veio exercer o seu direito de preferência, tendo assim reportado, além do mais, que: «(…) No que concerne à comunicação para o exercício do direito de preferência na alienação do prédio propriedade da sua constituinte D. Maria, sito na Rua Augusta, números (…), freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº (…) da freguesia de São Nicolau, de cujo 2º esquerdo sou arrendatário, sou pela presente missiva a informar que pretendo exercer o direito de preferência na aquisição do referido imóvel. Exercido que está o direito de preferência e obedecendo a compra e venda aos tempos, preço, prazos e condições referidas na vossa missiva de 07 de Dezembro de 2015, solicito o envio no máximo até ao dia 17 de Dezembro de 2015, dos seguintes documentos: Certidão do registo predial; · Caderneta predial urbana; · Certificado energético; · Licença de utilização...

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