Acórdão nº 914/10.0TYLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL RODRIGUES
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: 1.– JAe IM intentaram, em 12/07/2010, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra FO, Lda, peticionando a declaração de nulidade de todas as deliberações tomadas nas “Assembleias Gerais” da Ré que tiveram lugar no dia onze de Junho de dois mil e dez, e determinaram, nomeadamente, o seguinte: a)- A suspensão do autor como gerente; b)- A instauração de inquérito à Autora na qualidade de gerente e Directora Técnica; c)- A instauração dos procedimentos judiciais, cíveis, criminais e registais para os efeitos aí descritos; d)- O cancelamento dos registos lavrados na matrícula comercial da Ré, também aí descritos; e)- A designação do Dr. BL para executar as citadas deliberações; f)- A alteração dos artigos 3.º; 4.º; 5.ª; 6.º e 7.º do pacto social; g)- A deliberação no sentido da requerida se passe a vincular com a assinatura de um gerente; h)- A designação do Dr. BL como gerente; i)- Reclamação à Autora de quaisquer montantes; j)- Reclamação ao Requerente JA de quaisquer montantes; k)- A destituição da Autora dos cargos de gerente e de Directora Técnica; l)- A destituição do Autor do cargo de gerente; m)- A exclusão da sócia IM, aqui Autora, e consequente amortização da quota; n)- A designação de nova Directora Técnica; o)- A nomeação do Dr. BL como responsável pela execução das deliberações impugnadas; p)- A deliberação que aprovou o novo pacto social e respectivo teor; - Ordenando-se ainda, em resultado de tal declaração de nulidade, o cancelamento dos registos feitos pelos depósitos 4734; 4735 e 4736, todos de 15.06.2010 e 798 de 16.06.2010, bem como o Av. 2 à inscrição 1, feito pela Ap. 88 de 15.06.2010 e a Inscrição 10 feita pelas Aps. 87 e 89 de 15.06.2010, tudo com custas e demais encargos do processo a cargo da Ré.

2.– Citada, a Ré apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acção e pela condenação dos Autores como litigantes de má-fé.

3.– No dia 23/09/2015, no âmbito do processo especial de insolvência n.º 16.963/15.9T8LSB, que então corria termos na extinta 1ª Secção de Comércio - J4, do Tribunal da Comarca de Lisboa (actual Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz 3), foi proferida sentença de declaração de insolvência da Ré, a qual transitou em julgado.

4.– Por despacho proferido nos presentes autos em 19/05/2017 (ref.ª Citius 365967081) foi determinada a notificação dos Autores para se pronunciarem sobre a eventual inutilidade superveniente da lide, decorrente da declaração de insolvência da Ré.

5.– Notificados do teor do referido despacho, os Autores vieram requerer a prossecução dos autos “nos termos, para os efeitos e com as consequências do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais”.

6.– Em 7 de Junho de 2017 (ref.ª Citius 366869133), o Senhor Juiz a quo proferiu decisão que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos e com os fundamentos que, no essencial, se transcrevem: «No decurso do ano de 2015, a ré FA foi declarada insolvente no processo 1693/15.0T8LSB, que corre termos neste Juízo de Comércio, tendo sido deliberada a sua liquidação.

Foram notificados os autores para se pronunciarem sobre eventual inutilidade superveniente da lide, tendo os mesmos requerido o prosseguimento dos autos ao abrigo do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais. É de indeferir o requerido.

Com efeito, tendo sido determinada a liquidação no âmbito do processo de insolvência, significa dizer que a sociedade “FA” não mais vai ter atividade e manter-se-á viva juridicamente enquanto durar o processo de liquidação. Terminada a liquidação e registado que esteja o encerramento do processo após rateio final, se for o caso, a matrícula será cancelada e a sociedade extinta, morrendo juridicamente – artigo 234.º n.º 3 e 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

O artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais dispõe que as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários nos termos do artigo 163.º n.º 2, 4 e 5 e 164.º n.º 2 e 5 do mesmo diploma legal. Este artigo está pensado para as ações que visem questões patrimoniais e não impede a aplicabilidade do disposto no artigo 269.º n.º 3 do Código de Processo Civil que determina a extinção da instância quando a morte ou extinção de uma das partes torne impossível ou inútil a continuação da lide. Não impede igualmente a aplicabilidade do artigo 130.º do Código de Processo Civil que proíbe a prática de atos inúteis. O artigo 162.º do Código das Sociedades comerciais não é assim de aplicabilidade automática, devendo ser aferido caso a caso. Nos presentes autos, a discussão do mérito da causa com vista a obter a final uma procedência ou improcedência do pedido de anulação das identificadas deliberações sociais, só faz sentido numa perspetiva de continuidade da FA. Continuidade que ficou irremediavelmente comprometida com a decisão no processo de insolvência de liquidar a sociedade.

Não advindo a partir daí qualquer vantagem prática ou utilidade para os autores com a procedência da ação e, uma vez que a sociedade ainda é juridicamente existente, deverá a instância ser extinta por inutilidade superveniente da lide ao abrigo do disposto no artigo 277.º alínea e) do Código de Processo Civil.» 7.– Inconformado com tal decisão, o Insolvente recorreu para este Tribunal da Relação, e, alegando, formulou, em síntese, as seguintes conclusões: «1.

- Sem razão, por sentença de 7 de Junho de 2017, o Mmo. Juiz a quo declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

(…) 3.

- Deve a presente lide prosseguir, não se verificando a decidida, mas putativa, inutilidade superveniente da lide.

4.

- Entre outros normativos, a decisão sindicada convoca o artigo 162.º para fundamentar a inutilidade superveniente da lide decidida.

5.

- É pressuposto da aplicação deste artigo a extinção da parte, mas a sociedade Ré ainda é juridicamente existente.

6.

- A sentença proferida viola o disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais, 7.

- Devendo ser revogada e substituída por outra que determine a prossecução da lide por não verificação de um dos pressupostos fundamentais daquele normativo.

8.

- Por outro lado, ainda que extinta, refere o n.º 2 daquele artigo 162.º que ‘A instância não se suspende nem é necessária habilitação’’.

9.

- Assim operando automaticamente.

10.

- O entendimento do Mmo. Juiz a quo também viola o vertido no n.º 1 do artigo 269.º do Código de Processo Civil pois faz assentar a sentença neste normativo legal, que também tem como pressuposto a extinção de alguma das partes.

11.

- A decisão de extinção por inutilidade superveniente da lide carece de sustentação legal pois a Ré FA não está extinta.

12.

- E ainda que venha a ser extinta, a lei prevê a continuação da presente lide, considerando-se a sociedade Ré substituída pela generalidade dos sócios, nos termos do artigo 162.º, n.ºs 2, 4 e 5 e 164.º, n.ºs 2 e 5 do mesmo compêndio legal: o Código das Sociedades Comerciais.

(…) 14.

- (…) a previsão do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais não se limita a acções que visem questões patrimoniais em sentido estrito.

15.

- Ainda que assim fosse, o pedido evidencia reflexos patrimoniais e consequências patrimoniais relevantes e que até envolvem acções judiciais.

16.

- Assim falece também este argumento do Mmo. Juiz a quo.

17.

- O artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais não impede a aplicabilidade do disposto no artigo 269.º do Código de Processo Civil, mas a antevista extinção da Ré FA ainda não ocorreu.

18.

- Tal normativo não tem aqui aplicação por não verificação de, pelo menos, um dos seus pressupostos essenciais: o da extinção de uma das partes.

19.

- É, pois, intempestiva a pretendida extinção por inutilidade superveniente da lide.

20.

- Soçobrando necessariamente o normativo seguidamente invocado: o artigo 130.º do Código de Processo Civil.

21.

- Ao fundamentar a decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide com fundamento nos artigos 162.º do Código das Sociedades Comerciais, e 269.º e 130.º do Código de Processo Civil, incorreu o Mmo. Juiz a quo na violação destes normativos e do princípio da legalidade.

22.

- A inutilidade superveniente decidida não tem assento de facto ou legal.

23.

- Os normativos invocados pelo Mmo. Juiz a quo antes determinam a prossecução dos autos.

24.

- A Ré FA insolveu mas não está extinta.

25.

- O artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais só opera após a extinção da parte.

26.

- Também o artigo 269.º do Código de Processo Civil apenas opera após a extinção da parte.

27.

- Não estão verificados os pressupostos da inutilidade superveniente da lide, 28.

- Nem a prossecução da presente acção não configura acto inútil.

29.

- O desfecho da presente acção é essencial para resolução de questões várias na insolvência e tem reflexos patrimoniais evidentes.

30.

- Dita a Lei que, se e quando for extinta a Ré FA, as acções em que a sociedade seja parte, que não as de simples reclamação de créditos, continuam, mesmo após a extinção, sendo que se considera substituída pela generalidade dos sócios, e isto sem necessidade de habilitação, operando-se tal substituição ope legis.

31.

- Finalmente, sem conceder, os factos que subjazem à presente acção ditam a aplicação do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais, ainda que fosse entendido que este normativo não é de aplicabilidade imediata.

32.

- Estamos num processo de partes.

33.

- In casu, expressamente notificado para o...

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