Acórdão nº 22131/15.2T8LSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelHIGINA CASTELO
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

– Relatório: SILVA, autor no processo indicado à margem, em que é ré IMP. AND EXP., LDA., notificado da sentença absolutória proferida em 6 de abril de 2017 e com ela não se conformando, interpôs o presente recurso.

O autor propôs a presente ação contra a ré pedindo a condenação desta a pagar-lhe € 12.330,78, acrescidos de juros moratórios à taxa legal supletiva para créditos comerciais, desde a citação até integral pagamento.

Disse para tanto que, no exercício da sua atividade de produção de bebidas alcoólicas, com engarrafamento e rotulagem, acordou (setembro-outubro de 2014) com a ré o fornecimento de 13 tipos diferentes, em quantitativo anual de um mínimo de 15.000 garrafas de cada um daqueles, num total anual da ordem de 200.000 garrafas, para a ré as revender no seu comércio, fornecimento a satisfazer à medida das encomendas realizadas naquele período pela ré; para tanto e previamente à primeira encomenda, com base no design que lhe foi disponibilizado pela ré, encomendou a produção de cerca de 200.000 rótulos e código de barras cujo preço pagou; e que a ré, sem razão, após uma encomenda, deu por cessado o contrato; em consequência, o autor ficou com os rótulos e etiquetas da marca da ré, inaplicáveis para outras rotulagens, cujo pagamento reclama.

Em contestação a ré negou ter-se comprometido para com a autora no volume e prazos que a mesma alega, concluindo pela improcedência da ação, e advogando que o autor sabe da falta de razão que lhe assiste, pelo que litiga de má-fé.

Após julgamento, a ré foi absolvida do pedido por sentença com a qual o autor não se conforma.

O recorrente termina as suas alegações de recurso, concluindo: «A)– O ponto número 1) da matéria de facto dada como não provada foi incorretamente julgado: “Em Setembro de 2014, no âmbito do provado em B) a E), A. e R. acordaram que esta se obrigava a solicitar fornecimentos pelo A. de uma estimativa 15.000 garrafas no primeiro ano por cada tipo de bebida”.

B)– Considera o Recorrente, salvo o devido respeito, que este ponto da matéria de facto deveria ter sido dado como provado. Isto porque, C)– Foi produzida prova em sentido contrário ao decidido, conforme excerto do depoimento que se transcreve: (dia 05-09-2016 com início de gravação às 14:53:30 e fim 05-09-2016 16:57:06) - [00:17:46] Mandatário do A: A quantidade de gin que foi mandada vir pelo Sr. Rogeira daria para quanta quantidade de garrafas? [00:17:52] - Testemunha: Cerca de vinte mil, mais de vinte mil garrafas. [00:17:55] (…) - [00:18:01] Mandatário do A: De certeza que o Senhor Rogeira pediu cotações de preços? - Testemunha: Foi. [00:18:04] - [00:18:07] Mandatário do A: Para o Sr. Filipe dar uma cotação de preços é preciso alguma coisa, ou seja, qual for a quantidade de garrafas, o preço é sempre igual? [00:18:18] - Testemunha: Não, precisamos efetivamente de saber as previsões médias de consumo do produto. [00:18:23] (…) [00:18:38] O preço é em função das quantidades que se compra, não há volta a dar.[0018:39] Eu se comprar mil cápsulas custa-me um preço se comprar 15 mil ou 20 mil é outro. [00:18.45] [00:18:52] E o que foi negociado com o senhor Rogeira foi nessa amplitude de consumo (…) e andava na ordem das quinze, vinte mil/ano porque nesta fase inicial o Sr. Rogeira diz que havia exclusividade de seis meses para a Makro mas podia começar a exportar para fora, e ele tinha uma relação qualquer com Angola e que nesta fase inicial podia ainda mandar para Angola. Ou seja, era atingível no fundo este objetivo, estas vinte mil garrafas mais ou menos.

[00:19:23] (…) [00:19:31]Estimativa para um ano, quinze mil garrafas, de cada uma das referências, porque havia várias referências. [00:19:35] - [00:19:38] Mandatário do A: De cada uma das referências a estimativa era quinze mil, máximo vinte mil? - Testemunha: Sim, entre quinze a vinte mil [00:19:41].

D)– Além do mais, atenta a prova produzida, seguindo as regras de experiência comum, se o gin vindo de Inglaterra daria para vinte mil garrafas, facilmente se depreende que as restantes referências seriam em moldes iguais.

E)– Tendo ficado provado (ponto M) que os valores do produto, incluindo garrafas e rótulos variam consoante a quantidade de produção, sendo certo que quanto maior for a produção, menos é o custo por unidade, o douto Tribunal “a quo” deveria ter dado como provado que os preços facultados pelo Recorrente à Recorrida, só foram possíveis porque este estava convicto, por ter sido acordado verbalmente entre as partes, que a quantidade de mercadoria, a fornecer ao longo do ano, seria na ordem das quinze, vinte mil garrafas.

F)– Sendo certo que, conforme prova testemunhal produzida (- [00:47:38] Mm Juiz: Para si, o senhor José… sabia que estes preços todos estavam conversados (…) desde que ele adquirisse 15 a 20 mil bebidas por referência no prazo de um ano?- [00:47:58] Testemunha: Sim (…) - Mm Juiz: Porque se assim não fosse…- Testemunha: NEM VALIA A PENA FAZER O NEGÓCIO. [00.48:01]), se assim não fosse, NUNCA TERIA EXISTIDO O NEGÓCIO.

G)– E o mesmo ficou provado quanto aos rótulos e códigos de barras em posse do Recorrente, que conforme depoimento da testemunha, apenas foram feitos em virtude da expectativa de fornecimento ser na ordem das quinze a vinte mil garrafas ao ano.

H)– Assim, conclui o Recorrente que andou mal o Tribunal “a quo” ao dar como não provado os pontos 5 e 7 da matéria de facto dada como não provada.

I)– Porquanto foi produzida prova documental e testemunhal que demostram inequivocamente a existência do prejuízo do Recorrente, na medida em que ficou com rótulos e códigos de barras que não pode utilizar em outras encomendas, em virtude de os mesmos apresentarem a marca “T...L”, propriedade da Recorrida.

J)– Ademais, existindo dúvidas quanto à existência dos rótulos, o que apenas por mera hipótese se pode colocar, uma vez que o Recorrente juntou prova documental que demonstra a existência dos mesmos, o Tribunal “a quo” sempre poderia, oficiosamente e de acordo com o PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO DA DESCOBERTA MATERIAL, ter-se deslocado às instalações do Recorrente a fim de indagar a existência dos mesmos.

K)– Neste aspeto, somos a relembrar o aresto proferido no Ac. do STJ de 05.05.2015, proferido no processo n.º607/06.2TBPMS.C1.S1, “Com efeito, incumbe AO JUIZ REALIZAR OU ORDENAR, MESMO OFICIOSAMENTE, TODAS AS DILIGÊNCIAS NECESSÁRIAS AO APURAMENTO DA VERDADE E À JUSTA COMPOSIÇÃO DO LITÍGIO, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.

L)– Não pode restar dúvidas, pela prova documental junta aos autos, que os documentos 10 a 14 da petição inicial, onde é referenciada a marca da Recorrida, “T...L”, são PROVA INEQUÍVOCA DA EXISTÊNCIA DOS RÓTULOS E O CONSEQUENTE PREJUÍZO SOFRIDO PELO RECORRENTE.

M)– O Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu, no entendimento do Recorrente, incorreu, de facto, num erro ostensivo na apreciação da prova, numa apreciação totalmente arbitrária da prova produzida em audiência de julgamento, ignorando directamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto.

N)– É imprescindível e de elementar justiça material que o tribunal decisor indique os fundamentos suficientes, por forma a que, através das regras da lógica e da experiência, seja possível controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento de facto provado ou não provado.

O)– É natural que a prova deve ser apreciada, segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, no entanto, a livre convicção do julgador não pode significar apreciação segundo as suas impressões, mas constitui antes um modo não vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e não limitada a prescrições formais exteriores.

P)– Pelo exposto, a Sentença recorrida padece do vício de NULIDADE, por violação do disposto no art. 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do C.P.C., ou seja, por contradição lógica dos fundamentos com a decisão, bem como, por omissão pronúncia nos termos que foram demonstrados supra.

Termos em que, e nos que serão doutamente supridos por V. Exas., Venerandos Desembargadores, deverá ser dado provimento ao Recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida, a qual deve ser substituída por outra que considere provados os factos constantes nos pontos 1, 5 e 7 da matéria de facto dada como não provada, e condene o Recorrido ao pagamento da quantia de € 12.330,78 (doze mil, trezentos e trinta euros e setenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva para os créditos comerciais desde a citação até integral pagamento, em virtude do prejuízo causado ao Recorrente.

Decidindo-se assim, far-se-á a acostumada JUSTIÇA!» Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as questões de saber se a sentença é nula, se devem ser dados por provados factos que o tribunal a quo assim não considerou, e se, em consequência, a ação e o recurso devem ser julgados procedentes.

II.

–Fundamentação de facto.

Estão provados os seguintes factos que correspondem aos adquiridos em 1.ª instância, com os acréscimos que resultam deste recurso, pelos motivos explicados em III.B.: A)– Em Setembro de 2014, o A. já se dedicava à indústria de bebidas alcoólicas, operando em relação com grupo já inserido e conhecedor do respectivo mercado, tendo instalações fabris sitas na Av. E…, e a Ré é sociedade constituída nessa altura, em 03.09.2014.

B)– Em inícios de Setembro de 2014 a Ré, na pessoa de...

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