Acórdão nº 1.224/14.9T8SNT-D.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL RODRIGUES
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: 1.–J..

, em 11/09/2015 propôs a presente acção de atribuição da casa de morada de família contra A..

, por apenso à acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, peticionando a atribuição do direito de utilização da casa de morada de família, ao abrigo de direito ao arrendamento nos termos previstos no art.º 1793º do Código Civil (doravante CC).

Alegou, em síntese, que a casa de morada de família foi adquirida em parte com dinheiro próprio do requerente e em parte com recurso a empréstimo bancário, que a situação financeira do requerente agravou-se, que a requerida não contribui para despesas do agregado familiar, o menor vive juntamente com o requerente, que é quem dele cuida, e gosta da casa onde vive, que é próxima do estabelecimento de ensino que frequenta.

Convocada tentativa de conciliação, não se mostrou possível o acordo.

A Requerida deduziu oposição, pugnando pela atribuição a seu favor da casa de morada de família com fixação de uma renda mensal, invocando inferior capacidade económica relativamente ao requerente.

Mais contrapôs ser ela quem cuida do menor, concluindo nos seguintes termos: “(…) requer-se seja atribuído o direito de utilização da casa de morada de família sita na Rua Joaquim Fontes, nº 60, 2725-341 Mem Martins, nos termos do direito de arrendamento previsto no artigo 1793º do Código Civil, ou caso V.Exª assim não entenda que se determine pela venda do imóvel dividindo o eventual remanescente do produto da venda em partes iguais entre requerente e requerida.” Foi ordenada a realização de perícia sobre o valor locativo do bem imóvel, mostrando-se junto aos autos o respectivo relatório.

O Requerente viria a formular desistência da instância, a qual mereceu oposição por parte da requerida.

Procedeu-se à produção da prova testemunhal oferecida nos autos, mais tendo sido determinada oficiosamente a prestação de declarações de parte pelo Requerente e pela Requerida.

  1. –Em 06/11/2016 foi proferida sentença que julgou “a acção bem como os pedidos formulados pela requerida totalmente improcedentes, decidindo não atribuir a qualquer dos ex- -cônjuges o direito de utilização da casa de morada de família”.

  2. –Inconformada, a Requerente apelou para este Tribunal da Relação, e, alegando, formulou as seguintes conclusões: «A)–Com o presente recurso visa, a recorrente impugnar a interpretação e o sentido que foi dado aos critérios fixados para a atribuição da casa de morada de família, nomeadamente e mais concretamente, quanto à “necessidade dos cônjuges” e “o interesse dos filhos”, assim como o sentido global que é ou deve ser dado aquando da leitura e aplicação do artigo 1793º do Código Civil.

    B)–A ora recorrente discorda dos fundamentos utilizados para justificar a negação da atribuição da casa de morada de família, pois entende que os requisitos exigidos pelo artigo 1793º do Código Civil, devem ser dados como preenchidos por efectivamente assim se encontrarem, o que através do presente recurso pretende demonstrar.

    C)–O tribunal a quo ao negar provimento ao pedido da recorrente relativo à atribuição da casa de morada de família, sustenta que esta última se pode apoiar junto dos seus familiares de forma a acautelar as suas necessidades e do filho menor, nomeadamente no plano habitacional, o que não corresponde à realidade.

    D)–O tribunal a quo afirma, salvo o devido respeito, sem razão, que não é a casa de morada de família o melhor para o bem-estar emocional e psicológico do menor, quando o menor se encontra feliz por ali ter regressado.

    E)–É evidente que a ora recorrente é a parte que apresenta mais dificuldades económicas, tendo em conta que aufere pouco mais que o montante referente ao salário mínimo.

    F)–Enquanto que o ora recorrido, para além de ter uma capacidade profissional mais elevada, aufere 1.100,00€ líquidos mensais, por trabalhar como arquitecto no Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal de Sintra.

    G)–Independentemente, desta manifesta diferença salarial, as despesas relativas ao menor são repartidas pelos progenitores em partes iguais, tendo a ora recorrente ainda mais despesas relativas ao ATL e transporte escolar do filho.

    H)–O Mº Juiz a quo afirma que a ora recorrente pode com o seu nível de rendimentos e com recurso ao apoio dos seus familiares, atendendo ainda ao fato de que esta se propôs a suportar o encargo mensal da casa de morada de família, financiar uma outra habitação, todavia, a ora recorrente residia na habitação dos seus pais por mera I)–O recorrido não mantém qualquer interesse na atribuição da casa de morada de família, já que apresentou a desistência da instância na pendência dos autos, e para mais reconstruiu o seu agregado familiar com a sua nova companheira S...C...O... F.....

    J)–Face à carência da recorrente, pode afirmar-se ser infeliz a ideia de que a recorrente deve procurar um novo lar, abandonando a casa de morada de família apesar de continuar a ter que pagar um longo empréstimo hipotecário mensal ao banco, tendo em conta que teria de arcar também com as despesas deste.

    K)–A ora recorrente reabilitou a casa de morada de família de modo a que esta fosse mais acolhedora para o menor.

    L)–Atualmente a casa de morada de família reúne todas as condições necessárias à segurança do menor.

    M)–O menor encontra-se feliz com o seu regresso à casa de morada de família, não tem quaisquer memórias do passado, gosta do espaço, está mais perto da escola e das actividades extracurriculares o que lhe proporciona maior conforto e qualidade de vida.

    N)–Tendo sido demonstrada a necessidade urgente e atual da ora recorrente, o interesse do menor e atendendo também à conjuntura global em que a primeira se encontra, dão-se como preenchidos todos os pressupostos exigidos pelo artigo 1739º do Código Civil.

    O)–Para terminar, entende a recorrente que no caso de lhe ser atribuída a casa de morada de família, não tem esta de pagar qualquer quantia ao recorrido, uma vez que este pretendia o abandono da casa, logo, o recorrido não tem de ser recompensado pela sua inércia relativamente à sua não utilização da casa de morada de família.

    P)–A douta sentença recorrida não aplicou correctamente o disposto no artigo 1793º do Código Civil, pelo que deva esta ser revogada por outra que confira à recorrente e ao seu filho esse direito, sem necessidade de pagamento de qualquer renda ao recorrido, até que se encontre findo o processo de inventário para partilha dos bens após o divórcio.

    Termos em que V. Exas concedendo provimento ao recurso e alterando a douta decisão recorrida, nos termos pugnados nas presentes alegações, Farão inteira, JUSTIÇA!».

  3. –O Requerente, ora Recorrido, apresentou contra-alegações, nas quais formou as seguintes conclusões: «1- O Tribunal a quo deu como provados os factos que constam dos pontos 1. a 31. da fundamentação de facto, e que a Recorrente não coloca em crise.

    2- De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 1793º do CC “Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.” 3- Por seu turno, dispõe o n.º 2 do art.º 1105º do CC que “Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo em conta a necessidade de cada um, os interesses dos filhos e outros factores relevantes.” 4- A Recorrente tem solução habitacional (facto provado 22. e 23) e, como se alcança dos factos provados 17. e 18. e bem se refere na sentença em apreço “O nível de rendimentos da requerida, porventura com recurso a apoio dos seus familiares, em conjugação com o encargo mensal que se propõe suportar para que lhe seja atribuído o direito de ocupação do imóvel mediante arrendamento, sugerem que dispõe de meios financeiros para encontrar outra alternativa de habitação.”.

    5- Por outro lado, mas mais importante (cfr. nomeadamente 12., 13., 9., 14. e 20 dos factos provados), o interesse do menor impõe que não volte àquela casa nas condições pretendidas pela Recorrente, sendo claramente prejudicial quer do ponto de vista da sua segurança física, quer do ponto de vista da sua estabilidade emocional, explicação que de forma exaustiva a Sentença em apreço formula.

    5- Nenhuma censura merece, pois, a Sentença recorrida.

    Termos em que deve o Recurso ser considerado improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA».

  4. –Foram colhidos os vistos legais.

    II–DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO: De acordo com o disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este Tribunal da Relação adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Tal limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil)[1]. Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[2].

    Assim, atentas as conclusões da Recorrente, a única questão a decidir consiste em saber se deve ou não ser atribuído à Recorrente o direito à utilização da casa de morada de família e em que condições.

    [3] III–FUNDAMENTAÇÃO: A)–Motivação de Facto: - Vêm dados como provados os seguintes factos: “1.

    - Requerente e Requerida contraíram casamento católico entre si, sem convenção antenupcial, em 02 de Setembro de 2006, respectivamente com 35 e 30 anos de idade.

  5. - P.., nascido em 22 de Agosto de...

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