Acórdão nº 20814/11.5YYLSB-A.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução10 de Maio de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: O Condomínio E requereu em 08/06/2011 uma execução para pagamento de 6110,30€ contra O, relativamente a quotizações de Agosto de 2010 a Maio de 2011, cumulado depois com um outro requerimento executivo apresentado em 18/12/2012, relativamente a quotizações de 2012, para pagamento de outros 7983,47€ [ou melhor, provavelmente quotizações e penalizações de Junho de 2011 a Nov2012 – não foi enviada certidão deste requerimento executivo pelo tribunal recorrido e não se pediu o acesso à execução por a precisão deste ponto não ser relevante], Em 25/09/2014, o executado veio deduzir oposição contra a execução, pedindo a extinção da execução.

Alegou, para o efeito e em síntese, que: as actas apresentadas à execução não constituem título executivo; estar convicto que não estão a ser levados em consideração todos os pagamentos que efectuou por conta da sua dívida, realizados após 08/06/2011, não conseguindo, contudo indicar as datas e os montantes em que fez os pagamentos; ser detentor de um contracrédito sobre o exequente, por danos patrimoniais e não patrimoniais e lucros cessantes decorrentes da actuação que imputa ao exequente, no valor total de 78.876,50€, peticionando que, quanto ao mesmo, seja operada a devida compensação, com a consequente extinção do crédito exequendo; terminou reconvencionando, com base naquele contracrédito indemnizatório, a condenação do exequente no pagamento dos referidos 78.876,50€.

Esta oposição foi liminarmente indeferida, por manifestamente improcedente: Quanto ao fundamento da falta de título, o despacho de indeferimento esclareceu que já estava afastado por acórdão do TRL de 29/02/2016, transitado em julgado, proferido na execução, no sentido de que “as actas em questão fixam os montantes das contribuições devidas pelos condóminos para as despesas do condomínio e dos documentos que as acompanham [e] o valor discriminados das contribuições que o executado não satisfez”.

Quanto ao fundamento dos pagamentos por conta da quantia exequenda, o despacho disse que “embora o pagamento seja uma das formas de extinção, total ou parcial, de obrigações, para que esse facto possa servir de fundamento de oposição à execução «é preciso que se tenha verificado antes do ingresso judicial da acção executiva» (Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, Livraria Almedina, 3ª edição, p. 261), pois que, verificando-se posteriormente, dá lugar não a embargos de executado mas à extinção ou redução da execução”; assim, os pagamentos eventualmente feitos pelo executado após 08/06/2011 não podem servir de fundamento à oposição (por embargos) relativamente ao 1.º requerimento executivo (têm que ser invocados na execução), tal como não o podem servir quanto ao 2.º requerimento aqueles que tenham sido feitos posteriormente a este; e, quanto a este, ainda, aqueles que tivessem sido feitos anteriormente, para poderem servir de fundamento de oposição, tinham de estar alegados em concreto, já que o ónus da alegação e prova do pagamento cabe aos devedores/executados (art. 342/2 do CC); ou seja, não basta que o executado alegue que fez pagamentos, sem concretizar sequer o respectivo montante, competindo-lhe o ónus de alegar, de forma assertiva, todos os pagamentos por si efectuados e respectiva imputação na dívida.

Quanto à excepção de compensação, o despacho em causa entendeu, na esteira do ac. do STJ de 18/12/2008, proc. 3884/2008, Salvador da Costa, que “o crédito compensatório deve ser exigível no momento da invocação da compensação, pelo que não pode ser invocado em juízo, a esse título, o direito de crédito indemnizatório decorrente de responsabilidade civil enquanto não estiver judicialmente reconhecido (art. 847/1-a do CC)”, o que era o caso (neste sentido, invoca também os acs. do TRL de 10/12/2009, proc. 7605/08.0YIRPRT.L1-7, do TRP de 03/11/2010, proc. 8607/08.1YYPRT-A.P1, do STJ de 22/06/2006, proc. 610/06, do STJ de 02/06/2015, proc. 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2, do STJ de 27/11/2003, proc. 03B3096, do STJ de 14/03/2013, proc. 4867/08.6TBOER-A.L1.S1, e do TRP de 25/06/2013, proc. 151/12.9T2OVR-A.P1, José Henrique Delgado de Carvalho, Acção Executiva para Pagamento de Quantia Certa, Quid Juris, p. 53, e Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, p. 251/252, Almedina).

Por fim, quanto à reconvenção deduzida, o despacho recorrido entendeu que ela não era possível na oposição à execução: os artigos 729 a 731 do CPC especificam os fundamentos dessa oposição, não prevendo que ela possa ir além da pura destruição dos efeitos que o exequente-embargado pretende obter com a execução (neste sentido, Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, Almedina, p. 250; Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Coimbra Editora, p. 162; e ac. do STJ, de 13/07/1992, BMJ 419/640). Consequentemente, não é admissível reconvenção em embargos de executado, não podendo estes ter um valor que exceda o da execução ou formular-se neles um pedido que exceda o da simples extinção ou redução da execução (neste sentido, os acs. do TRE, de 09/02/1988 e de 13/11/1986, BMJ, respectivamente, 374/546 e 363/617).

* O executado veio recorrer deste despacho, levantando as três questões que se passam a decidir sequencialmente e que têm a ver com os últimos três dos quatro fundamentos invocados pelo despacho recorrido para o indeferimento liminar:I Quanto aos pagamentos: Diz o executado que está convicto que não estão a ser levados em consideração todos os pagamentos que efectuou por conta da sua alegada dívida; invocou não ter conseguido localizar os comprovativos ou indicar as datas e os montantes em que fez tais pagamentos pois para além de não os ter feito com periodicidade, o exequente não lhe entregou os recibos dos pagamentos que fez, pelo que estando o executado impedido de indicar com rigor os valores que pagou e em que datas requereu expressamente, por se mostrar fundamental e de manifesto interesse para a decisão da causa, que o exequente viesse juntar aos autos cópia do extracto de todas as contas bancárias tituladas por si, que demonstrem os movimentos efectuados desde 08/06/2011 até à presente data, por apenas por essa via ser possível averiguar e provar efectivamente qual o valor pago pelo executado deduzido os pagamentos por conta que fez. O art. 429 do CPC permite isso; o contrário representa violação do direito fundamental à prova, enquanto parte do direito à tutela jurisdicional consagrado nos artigos 20 e 268/4 da Constituição de República Portuguesa.

O exequente em contra-alegações segue a posição do despacho recorrido e acrescenta: “Enquanto facto extintivo do direito invocado pelo exequente que se apresenta como credor, integra ou constitui, consoante o art. 493/3 [hoje 576/3] do CPC, excepção peremptória ou de direito material. É, por conseguinte, sobre o devedor demandado que, consoante o art. 342/2 do CC, recai o ónus da prova de que esse modo de extinção da obrigação efectivamente ocorreu ou se verificou” (acórdão do STJ, de 06/07/2006, proc. 06B2102).

É, por outro lado, corrente a afirmação de que o pagamento – modo de dizer cumprimento quando em causa obrigações pecuniárias -, em direito, não se presume. Com efeito, na lição de Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª ed., 1989, Coimbra Editora, pág. 327, «o cumprimento não é, em regra, objecto de presunção legal. Como se costuma dizer, o pagamento em direito não se presume.” Daí a necessidade de o devedor o provar, como facto extintivo que é da obrigação” (sentença de Julgado de Paz de Odivelas, proc. 2/2010-JP, de 22/02/2010).

Decidindo: O executado confunde as questões. É evidente que lhe deve ser facultada a possibilidade de produzir prova, mas isso sobre factos concretos por si alegados. Coisa diferente – e que a lei não lhe permite – é tentar fazer do processo uma actividade de investigação de factos que não alegou. A instrução destina-se à prova da verdade das alegações de facto feitas, não a investigar factos que não foram alegados.

Como diz Castro Mendes: “A investigação processual não é uma actividade de descoberta da verdade sobre certo evento ou complexo de eventos, mas uma actividade de confirmação ou prova de um certo número de afirmações previamente feitas sobre os mesmos eventos; não se destina à aquisição de conhecimentos novos, mas à demonstração da verdade de factos já alegados em juízo, e que só resta confirmar – à prova, em suma. O art. 2404 do Código Civil de 1867, numa definição que se pode considerar basicamente correcta, define prova como a ‘demonstração da verdade dos factos alegados em juízo’” (Direito Processual Civil, AAFDL, III, 1982, pág. 185). As realidades de facto apenas se constatam e as declarações acerca delas é que são passíveis de uma actividade probatória (Filipe de Albuquerque Matos, Responsabilidade civil por ofensa ao crédito ou ao bom nome, Almedina, Janeiro 2011, pág. 269).

Dito de outro: antes do processo ou depois da citação, a parte investiga os factos que tem o ónus de alegar e provar; pode fazê-lo, inclusive, com recurso ao tribunal: vejam-se os direitos que lhe são atribuídos substantivamente pelos arts. 573 a 576 do CC e adjectivados pelo processo especial dos arts. 1045 a 1047 do CPC; depois, alega na petição ou na contestação os factos que descobriu; e por fim, tenta que a instrução do processo comprove a verdade das afirmações de facto que fez.

Ora, o devedor de prestações tem, por força do art. 342/2 do CC, o ónus da prova do cumprimento ou pagamento delas; se tiver cumprido/pago, tem de alegar, em concreto, os factos correspondentes e depois tentar provar o que afirmou. Não se pode limitar a generalidades, porque a prova não se produz sobre elas, mas sim sobre alegações concretas. Assim, se não diz em concreto ter feito o pagamento tal ou tal, é como se nada dissesse a tal propósito.

Quando o credor exige o cumprimento de uma obrigação, tem o ónus de alegação do...

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