Acórdão nº 06090/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 01 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução01 de Outubro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃOI- Relatório B………. – Banco ………..l, SA, m.i. nos autos, interpõe o presente recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 135/164, que julgou improcedente a acção administrativa especial de impugnação do despacho de indeferimento do pedido de produção de prova do preço efectivo na transmissão de imóvel, de 13.05.2008, ao abrigo do disposto nos artigos 58.º-A/2 e 129.º do CIRC, proferido pelo Director Regional dos Assuntos Fiscais da Madeira.

Nas alegações de fls. 171/194, o recorrente formula as conclusões seguintes: I. O sigilo bancário recai no âmbito de protecção do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada previsto no artigo 26.

a da CRP.

  1. Sendo certo que se podem admitir restrições a esse direito por razões de salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, designadamente a obtenção de receitas necessárias à prossecução do interesse público.

  2. Terão de ser consagrados mecanismos que acautelem os interesses pela tutela constitucional da privacidade.

  3. O n.º 6 do artigo 139.º do CIRC pressupõe a perda da reserva da privacidade do banco, dos seus administradores e, por consequência, dos seus milhares de clientes, como condição sine qua non para o exercício procedimental e processual do direito à prova do seu rendimento real.

  4. Tal pressuposto atenta contra o direito à tutela jurisdicional efectiva, bem como, contra o direito à tributação pelo rendimento real – ambos direitos constitucionalmente protegidos.

  5. Para além de que tal exigência é desadequada e desproporcionada em relação ao desiderato que visa alcançar.

  6. Existem outros meios de prova, menos lesivos para os direitos fundamentais do contribuinte, adequados à demonstração do preço efectivo de venda dos imóveis.

  7. Em suma, a derrogação do sigilo bancário nos moldes previstos no n.º 6 do artigo 139.º, ao constituir uma condição prejudicial do acesso ao direito de produção de prova nele previsto e da impugnação da respectiva liquidação, constitui uma restrição ao exercício efectivo do direito de acesso à justiça desajustada e desproporcionada, na medida em que é extremamente abrangente e ampla.

XA fls. 203/220, a recorrida proferiu contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.

Formula as conclusões seguintes: A) O objeto do presente recurso passa por analisar e decidir a constitucionalidade do artigo 139º nº 6 do CIRC.

B) A delimitação do âmbito do direito à intimidade da vida privada é uma questão bastante controversa, quer no plano jurisprudencial, quer no plano doutrinal.

C) De qualquer modo, a conclusão que se impõe face à doutrina e jurisprudência predominantes é a de que o sigilo bancário não recai no âmbito de protecção do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º da CRP, na medida em que não atinge o âmago, a essência, da reserva da intimidade da vida privada, podendo apenas pôr eventualmente em causa a privacidade dos contribuintes, não a sua intimidade.

D) Ora, não constituindo o segredo bancário um valor absoluto, nem sequer estando directamente englobado no que é nuclear à reserva da intimidade da vida privada e familiar, o mesmo terá de ceder, sempre que isso seja necessário para acautelar outros valores de hierarquia mais elevada, de harmonia com o princípio da prevalência do interesse preponderante.

E) E como refere o ora Recorrente nas suas conclusões do recurso "Sendo certo que se podem admitir restrições a esse direito por razões de salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, designadamente a obtenção de receitas necessárias à prossecução do interesse público".

F) Aliás, o próprio Acórdão referido pelo Recorrente na sua petição de recurso (a saber, o Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) nº 442/2007, de 14/08/2007, refere que (vide ponto 16.3 do acórdão) "... o segredo bancário localiza-se no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, a que requer maior intensidade de tutela. Ainda que compreendido no âmbito de protecção, ocupa uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores contrastantes". "Constata-se, pois que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo francamente susceptível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da Administração tributária representa uma lesão diminuta do bem protegido" (sublinhado nosso).

G) Assim, o nº6 do artigo 139º do CIRC poderá eventualmente pôr em causa a privacidade do banco e dos seus administradores, mas, contrariamente ao invocado pelo ora Recorrente, jamais a dos seus clientes.

H) Na verdade, as contas dos clientes da sociedade aqui Recorrente, não estão de modo algum aqui em causa, pois a atividade que o Recorrente exerce é completamente irrelevante para estes efeitos, na medida em que, tal como qualquer outra sociedade, com um qualquer ramo de atividade, que compre ou aliene um imóvel, o Recorrente com certeza tem contabilidade e tem contas bancárias de onde sai o dinheiro para as suas compras e entra o dinheiro das suas vendas.

I) Para que não restem dúvidas, é a essas contas (da instituição de crédito, não dos seus clientes) que o artigo 139º do CIRC se refere, devendo, portanto, ignorar-se as inúmeras referências feitas pelo Recorrente na sua petição de recurso às "...informações bancárias..."dos seus "...milhares de clientes...", J) pois, naturalmente, o acesso à informação bancária dos clientes do Recorrente em nada contribuiria para se chegar a uma conclusão quanto ao preço porque o Recorrente efetivamente alienou um imóvel (quanto muito interessariam as contas dos adquirentes desses imóveis).

K) Relativamente à pretensa violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, diremos apenas que o contribuinte conhece as regras do mecanismo do artigo 139 º do CIRC, pelo que ao acioná-lo tem que cumprir com as mesmas, tal como a administração tributária.

L) Inconstitucional seria, isso sim, não existir o mecanismo do artigo 139º do CIRC! M) O legislador no artigo 139º do CIRC não coartou a possibilidade de impugnação judicial, antes se limitou a fazê-la depender do prévio esgotamento dos meios tutelares graciosos antes de recorrer aos tribunais, especialmente porque estamos perante uma matéria cuja natureza permite uma eficaz resolução administrativa, à semelhança do que fez, por exemplo, nos artigos 131º nº 1, 132º nº 3 e 133º nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a propósito das impugnações em caso de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, que dependem de reclamação prévia.

N) Como se escreveu no Acórdão nº 3872/10 de 21/09/2010 do Tribunal Central Administrativo "IX)- Em direito tributário, existem várias situações de pré-contencioso, de que são exemplos os actuais art. 86/5 e 91º da LGT e os artigos 117/1, 131/1, 133/2 e 134/7 do CPPT e a doutrina e a jurisprudência sempre entenderam tais normas (já existentes no anterior CPT) como opções legislativas fiscais sem inconstitucionalidade associada, permitindo o debate de determinadas matérias no seio de órgãos colegiais que, pela sua composição, representatividade e tecnicidade, melhor estarão habilitados a discuti-las, ainda em sede graciosa.

” (sublinhado nosso).

O) No artigo 139º nº 6 do CIRC, o legislador entendeu que as escrituras públicas não constituem prova suficiente do preço efetivamente praticado no negócio, para efeitos de afastamento da norma anti abuso do artigo 64º do CIRC, o que veio refletir alguma jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul nº 3101/01 de 29/04/2003 (anterior portanto aos artigos 64º e 139º do CIRC), a propósito de correções de valores suportados em escrituras públicas.

P) Face aos valores em presença, considerou-se pois neste Acórdão que a possibilidade de acesso às contas bancárias seria o meio adequado e necessário à obtenção do fim visado (de tributação pelo lucro real e afastamento de uma norma anti abuso), não tendo assim considerado o disposto no 139º nº 6 do CIRC como uma medida excessiva relativamente ao fim a obter, o que significa que o princípio da proporcionalidade foi respeitado.

Q) O dever fundamental de pagar impostos, estabelecido no artigo 103º 1 e 2 da CRP, já não se esgota no tradicional cumprimento de obrigações pecuniárias.

R) Efetivamente, face à deslocação sistemática de fases do procedimento de determinação, liquidação e cumprimento das obrigações fiscais para os particulares, assiste-se atualmente a uma transformação funcional da administração tributária, relegada fundamentalmente para funções de controlo e fiscalização dos impostos, tornando-se inevitável que o Estado reforce os poderes de inspeção da administração tributária.

S) Ora, "...esse reforço não deverá deixar de compreender o acesso da administração tributária a informações protegidas pelo segredo bancário...".

T) Outro aspeto a considerar é o de que, de acordo com o artigo 104º nº 2 da CRP, a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (em detrimento do modelo de tributação pelo lucro normal), visto como afloração dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, sendo que "A natureza do princípio da tributação pelo lucro real...articulada com a natureza subsidiária do recurso a presunções como forma de determinar o rendimento real, recomenda que a administração tributária esteja dotada de amplos poderes de controlo e de investigação, por forma a «averiguar se a contabilidade das empresas - relembre-se, a forma preferencial pela qual é determinado o lucro real - se mostra ou não adequada para a determinação do lucro real»" (sublinhado nosso) (Noel Gomes, a pág. 140 da obra supra citada).

U) Em suma, a decisão de recusa de apreciação de requerimento em apreço resulta do facto de o requerente não ter instruído o pedido com todos os elementos necessários à sua apresentação e apreciação (a saber, documentos de autorização de acesso às contas...

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