Acórdão nº 09288/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelANTÓNIO VASCONCELOS
Data da Resolução26 de Novembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, do Tribunal Central Administrativo Sul: O HOSPITAL DISTRITAL DE FARO inconformado com a sentença do TAF de Loulé, de 28 de Maio de 2012, que, na acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, o condenou a pagar a Joana …………………………….. uma indemnização no valor total de € 704 818,33 (€ 4 818,33 por danos patrimoniais e € 700 000,00 por danos não patrimoniais), acrescidos de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, dela recorreu e em sede de alegações formulou as seguintes conclusões (sintetizadas): «I.

O Recorrente (…) alvitra que, a sentença recorrida que é totalmente desprovida de fundamentação ofende claramente o estatuído no nº 1 do art. 205º da nossa CRP, inconstitucionalidade que se invoca já para todos os efeitos legais.

  1. Sem embargo do exposto, o ora Recorrente considera que, no texto da decisão judicial, não foram sequer apresentados os respectivos fundamentos, nem tão pouco foram discriminados de uma forma lógica os factos que foram considerados provados e não provados pelo Tribunal a quo, com a agravante, de se ter usado e abusado de múltiplos e tremendamente confusos “copy e past”.

  2. Mais, o destinatário desta sentença e ora Recorrente desconhece justamente os fundamentos que justificaram uma tão gravosa decisão condenatória proferida contra si e, por isso mesmo, crê que esta sentença é totalmente nula (cfr. art. 668º do CPC).

  3. Como já se deixou antedito, no texto da própria sentença recorrida é bem patente a inconciabilidade entre vários factos que foram considerados assentes, provados, e não provados.

  4. Com efeito: logo confrontando os pontos nºs 1 e 2 da alínea A) com os 49º e 51º da alínea B) dos factos provados, que referem a data do nascimento da Recorrida Joana (in casu, 27 de Outubro de 2003), com a data prevista inicialmente para esse mesmo evento (situado entre o dia 7 e 8 de Novembro de 2003), alcançamos que, o ponto nº15 dos factos provados está em total contradição com os mesmos.

  5. Assim sendo, o Recorrente julga que terá de ser dado mas como não provado que: “A médica assistente da Autora Sara ………….. entendeu não proceder à antecipação do nascimento da Joana …” com os efeitos jurídicos daí decorrentes.

  6. As contradições supra são, ainda, mais nítidas por estar até demonstrado na sentença recorrida que, na consulta de obstetrícia cá realizada fora transmitido à parturiente Sara que era aconselhável uma antecipação e uma indução do parto (cfr. ponto 49º da decisão recorrida), sendo exacto que a mesma foi aqui admitida logo em 27/10/2003, iniciando-se o processo de internamento programado às 38 semanas, tendente à provocação do parto (vide, neste sentido, o ponto nº 51 dos factos provados constantes da decisão recorrida).

  7. Igualmente, o Exmº Tribunal a quo resolveu (e, a nosso ver mal) dar como provado no ponto 29º da alínea B) da decisão ora posta em crise que logo após o nascimento a Recorrida Joana foi submetida a uma intervenção cirúrgica porém, já no ponto 47º dos factos provados constante dessa mesma decisão judicial, resulta que a Joana foi submetida a uma intervenção cirúrgica mas apenas no dia 22/04/2005.

    IX- Também, a Exmª Senhora Juiz a quo entendeu incorrectamente dar como provado no ponto 37º da alínea A) (…), que a recorrida Joana desloca-se semanalmente ao HDF.

  8. Acontece que está plenamente provado já no ponto 64º a 66º da alínea B) dos factos provados (…) que: “A Joana abandonou o tratamento médico que havia iniciado no HDF, por opção da mãe Sara……………..; que “a fisioterapia da Joana foi mantida até Novembro de 2006, no estrito cumprimento dos protocolos do Instituto de Cirurgia Reconstrutiva de Coimbra”; e, ainda, que “Cumpriu-se os novos tratamentos decorrentes do protocolo do Instituto de Cirurgia Reconstrutiva de Coimbra até Novembro de 2006, data a partir da qual a Joana deixou de comparecer nas sessões de fisioterapia do HDF”.

  9. Logo, é bastante claro e evidente que a Recorrida/Joana não se desloca semanalmente ao HDF, conforme consta incorrectamente desta sentença, devendo considerar-se, outrossim, demonstrado o facto nº 73 e, concomitantemente, não provado o facto 62º do aresto aqui recorrido conforme aliás, resulta do depoimento prestado pelo Exmº Sr. Dr. Carlos ……………., e que na motivação já se transcreveu.

  10. Outra contradição que, aliás, “salta à vista”, é encontrada quando no texto desta concreta decisão, é dado como confirmado que, no período expulsivo do parto da Recorrida Joana ocorreu realmente uma “distócia de ombros” (cfr. ponto nº 52 dos factos provados), que esta contingência (imprevisível) fez com que o parto da Joana fosse aqui encarado como uma “Emergência Obstétrica”, à qual ocorreram todos os profissionais de saúde disponíveis (vide, nessa linha, o ponto nº 54 da Alínea B) dos factos provados) e, ainda que a nossa equipa médica iniciou um procedimento designado por “Manobra MCRobbert” que consiste na pressão que é feita sobre o abdómen da parturiente, procurando-se assim, a rotação do feto de forma a permitir que o mesmo se liberte pelos ombros (cfr. nº 55 da factualidade provada constante da Alínea B) sentença recorrida.

  11. Paradoxalmente, já na primeira parte do nº 72 da sentença, desta feita, nos factos não provados, a Exmª Senhora Juiz a quo julgou como não provado que, no parto da Recorrida/Joana tivesse sido iniciado um processo de extracção.

  12. Será, então, bom de ver que: se o respeitoso tribunal a quo deu como provados os pontos 52º, 54º, 55º e que constam do texto da sentença mormente, a ocorrência no momento expulsivo do parto de uma “distócia de ombros” e que se realizou a manobra acima identificada, jamais poderá dar, também, mas como não provado a primeira parte do ponto 72º quanto à realização de um processo de extracção.

  13. Será curial fazer aqui e agora notar que o Recorrente Hospital manifestou no decurso deste processo, que considera não equitativo, a sua manifesta Oposição à nomeação de um Exmº Senhor Perito que já tinha tido um contacto muito directo e profissional com o caso Clínico da Recorrida Joana, mas sem um qualquer sucesso processual.

  14. Sucede porém, que essa mesma prova pericial que até demonstrou, entre outros pontos, a inexistência de uma qualquer má prática da entidade demandada e ora Recorrente antes, no decurso, ou após o parto, acabou por ser completamente adulterada, ultrapassada e radicalmente substituída por um mero subjectivismo do Julgador.

  15. De facto, na decisão recorrida desconsidera-se sem, aliás se apresentar uma qualquer fundamentação mínima que fosse para esse efeito, as sapientes respostas dadas pelo Senhor Perito nos quesitos 11º, 23º, 24º, 28º, 29º, 34º, 35º a 39º e 41º da Base Instrutória, que terão em sede de recurso que ser devidamente valoradas.

  16. Mais, a prova pericial carreada para os presentes autos coíbem o Tribunal a quo de dar como provado, sem apresentar quaisquer motivos válidos, os pontos 23º, 25º, 27º, 28º, 38º a 44 da sentença recorrida, tendo existido aí um manifesto e ostensivo erro na valoração deste importante meio de prova, prejudicando sempre o aqui Recorrente.

  17. Igualmente, existiu este concreto vício quando se julgou como não provado que: a parturiente Sara ………… não tivesse cumprido a dieta que lhe foi proposta durante a gestação pelos nossos médicos (cfr. ponto 69º); que a parturiente Sara ……… não se tivesse inibido de fumar cerca de 20 cigarros por dia durante esse período (cfr. ponto 70º) e, ainda, que em todas as consultas de Obstetrícia a mesma teimasse em manter os seus hábitos tabágicos, apesar de todo o desaconselhamento médico (cfr. ponto nº 70 …) e, ainda, que em todas as consultas ( …) em manter os seus hábitos tabágicos (…) (cfr. ponto nº 71 da sentença recorrida) XX. Com efeito, bastará tão só cotejar e valorar os docs nºs 1 a 4 logo juntos com PI e pela própria Recorrida Joana para se dar essa mesma factualidade como deveras provada, porque é verdadeira, com os efeitos jurídicos daí resultantes.

  18. Em abono da verdade, o Tribunal a quo não procedeu verdadeiramente a um qualquer exame crítico das provas testemunhais, documentais e perícias realmente produzidas e desconsiderou por completo as respostas aos quesitos e as sábias conclusões do Exmº Senhor Perito, em prejuízo do Recorrente Hospital.

  19. Por outra banda, teremos que relembrar que o Exmº Tribunal a quo violou directamente o preceituado nas diversas alíneas do art. 84º do nosso CPTA, não determinando, conforme lhe competia, a remessa (a título devolutivo) do Processo Administrativo Instrutor.

  20. Mais, o Recorrente/Hospital, enquanto mero depositário da informação clínica e reservada dos seus prezados utentes/doentes, solicitou que fosse oficiado todo o processo clínico, mas a Exmª Senhora Juíza a quo optou por não cumprir essas concretas disposições legais.

  21. Por outro lado, as próprias normas jurídicas que seriam aqui aplicáveis maxime, o art. 3º do Decreto-Lei 48 051, de 21/11/1967, foram inteiramente descuidadas na sentença proferida e ora recorrida.

  22. Aliás, fácil será ver que, nos diversos momentos referentes à conduta da entidade demandada e ora Recorrente não encontramos uma qualquer ofensa às normas técnicas e às boas práticas médicas e/ou às premissas de prudência comum, pelo que os requisitos (da ilicitude e da culpa) impostos pelo citado diploma legal não foram neste caso minimamente preenchidos para conduzirem a uma tão gravosa condenação.

  23. Isto porque a chamada “distócia de ombros” é (foi e será) algo sempre imprevisível que pode ocorrer em qualquer hospital, e a manobra cá desenvolvida tem toda a aderência aos conhecimentos médico/científicos actuais e, por conseguinte, inexiste precisamente neste caso uma fonte jurídica de responsabilidade extracontratual a ser assacada a este hospital público ou ao seu corpo clínico que actuou aqui correctamente, conforme bem demonstram os pontos 1º a 3º da Alínea A) da Matéria Assente, conjugados com os 49º a 60º...

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