Acórdão nº 02994/09 de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelANA PINHOL
Data da Resolução04 de Junho de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I.

RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, datada de 4 de Novembro de 2008, que julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por LUIS ……………….

contra o acto de liquidação de Imposto Sucessório n.º ……….., no montante de € 75.184,93.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: I.

Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, aquilatou, que a liquidação em apreço, não foi efectuada com base na declaração do contribuinte, mas com base na declaração de sua mãe, enquanto cabeça de casal, pelo que não poderia dispensar-se a audição prévia, nos termos e para os efeitos no disposto na alínea a) do n.º 1do Art.º 60.º da LGT.

II.

Destarte, salvo o devido respeito, somos da opinião que o douto Tribunal ad quo, alicerçou a sua fundamentação na clara e manifesta violação do disposto do n.º 5 do Art.º 286.º da CRP e Art.º 60.º da LGT.

III.

O n.º 5 do Art.º 267º da CRP, procede à transposição para o procedimento tributário do princípio constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito, visando garantir o exercício do contraditório, pelos contribuintes, com defesa antecipada dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária e o apuramento da verdade material IV.

No âmbito da publicação da LGT, procedeu-se ao reforço das garantias dos contribuintes com a "consagração expressa e regulamentação clara da audiência prévia no procedimento inspectivo, cuja aplicação efectiva pode reduzir significativamente litígios” (dr. Preâmbulo do Dec. Lei 398/98 de 17 de Dezembro que aprovou a LGT).

V.

Postula o Art.º 60.º n.º 1 da Lei Geral Tributária nas suas diversas alíneas, a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhe digam respeito, através do exercício do direito de audição, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, estatuindo por outro lado, o n.º 2 do citado Art.º 60.º da LGT, que a audição é dispensada no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável VI.

Neste pendor o Art.º 60.º da LGT, epigrafado "princípio da participação", obriga a Administração Tributária a ouvir o contribuinte antes de tomar decisões que o afectem, sendo que, nos termos do seu n.º 1, por via de regra, a participação do contribuinte é assegurada através do exercício do direito de audição, pretendendo deste modo, o legislador fiscal concretizar o princípio constitucional da participação dos cidadãos nas decisões ou deliberações que lhes disserem respeito, criando uma disposição legal que evita que o contribuinte sofra uma decisão desfavorável da administração tributária sem que tenha previamente oportunidade de expor a sua opinião (v.

d. Ac. do STA n.º 0759/06 datado de 15.11.2006).

VII.

Destarte, a ratio deste preceito não é prejudicada pela excepção constante do n.º2 do mesmo Art.º 60.º da LGT, estribando-se como bem se compreende que não seja necessária a audição do contribuinte no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte" - Art.º 60.º n.º 4 primeira parte da LGT.

VIII.

Efectivamente, ratio legis ancora-se no facto de que a intervenção da Administração Tributária é realizada de acordo com o declarado pelo contribuinte, daí que a lei dispense o direito de audição, já que o conteúdo deste direito seria idêntico ao conteúdo da declaração ao abrigo da qual a Administração Tributária age.

IX.

Conforme entendimento plasmado por Pedro Machete, (in Problemas Fundamentais de Direito Tributário, pp. 322-324), e Diogo Leite Campos e outros, (in Lei Geral Tributária anotada, 2.a edição, p. 254), "nos termos do n.º 2, nos casos de liquidação, a audiença poderá ser dispensada se aquela for efectuada com base na declaração do contribuinte. Por força do referido reconhecimento constitucional do direito de audiência, a audição não pode ser dispensada quando se decidir em sentido divergente da posição do contribuinte e em sentido desfavorável em relação a esta posição. Por isso, aquela fórmula com base na declaração do contribuinte deve ser interpretada com o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efectuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte, nos aspectos factual e jurídico. Consequentemente, nos casos em que a liquidação seja elaborada com base nos elementos factuais constantes da declaração do contribuinte, mas com diferente enquadramento jurídico, não poderá dispensar-se a Audição do contribuinte antes de efectuar a liquidação”.

X.

Nestes termos, e no caso dos autos a liquidação em crise foi única e exclusivamente efectuada com base na declaração do cabeça de casal, limitando-se a Administração Tributária a liquidar o imposto correspondente, devido pelas transmissões mortis causa dos bens relacionados pelo cabeça de casal, e por esse facto dispensado do exercício do direito de audição prévia antes da liquidação a que alude o disposto na alínea a) do n. º do Art. º 60.º da LGT.

XI.

Note-se ainda que, nos termos e para os efeitos no disposto no Art.º 2079.º do Código Civil a administração da herança, até à sua liquidação e partilha cabe ao cabeça de casal (v.d. Anotação ao Art.º 2079º Código Civil Anotado 10.ª Edição), tratando-se de um poder-dever que exerce sozinho, para tanto detendo legitimidade substantiva e processual.

XII.

Na mesma esteira estatui o disposto no Art.º 60.º e seguintes do CIMSISD, que impende sobre o cabeça de casal o dever de participação e de administração da herança, sendo responsável pela apresentação dos bens.

XIII.

Neste pendor, e no que ao caso contende urge aquilatar que o cabeça de casal procedeu à declaração dos bens sobre o qual recaiu a liquidação, limitando-se a Administração Tributária a liquidar o imposto correspondente, devido pelas transmissões mortis causa dos bens relacionados pelo cabeça de casal, e por esse facto dispensado do exercício do direito de audição prévia antes da liquidação a que alude o disposto na alínea a) do n.º 1 do Art.º 60.º da LGT, por força do preceituado no disposto no n.º 2 do mesmo artigo e diploma.

XIV.

Note-se ainda, que a jurisprudência do STA tem vindo a decidir que, não obstante a audiência prévia constituir uma importante manifestação do princípio do contraditório e visar associar o administrado à tarefa de preparar a decisão final e permitir-lhe participar e influenciar a formação da vontade da Administração, a degradação daquela formalidade em formalidade não essencial só ocorrerá quando, tentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se tornar inútil (v.d. neste sentido, o Acórdão do STA datado de 3/3/04, Rec. 240/02 e Acórdãos: de 3/07/89, no recurso n.o 8270, in Apêndice ao D.R. de 30-4-91; de 17/12/97, no recurso n.º 36001, in BMJ n.º 472, página 246; de 20/11/97, no recurso n.º 41719, in Cadernos de Justiça Administrativa n.º 1 página 14; de 3/10/01, no recurso n.º...

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