Acórdão nº 10190/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Junho de 2015
Magistrado Responsável | CATARINA JARMELA |
Data da Resolução | 25 de Junho de 2015 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
* I – RELATÓRIOLaboratórios ……….., Lda., intentou no TAF de Sintra acção administrativa especial contra o INFARMED-Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (Infarmed), indicando como contra-interessada T………. P…….. - Produtos ………., Lda., na qual peticionou a declaração de nulidade, ou a anulação, da deliberação do Conselho Directivo do Infarmed, de 5.4.2010, nos termos da qual foi concedida à contra-interessada autorização de introdução no mercado do medicamento genérico Linezolida T.......... (600 mg).
Por acórdão de 11 de Junho de 2012 do referido tribunal a acção foi julgada totalmente improcedente.
Inconformada, a autora interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões: “1.ª Encontram-se provados, entre outros, os factos com relevância para a decisão da causa identificados nas alíneas A) a G) da sentença que ora se recorre.
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A Lei 62/2011, que introduz uma nova redacção ao EM, nomeadamente aos artigos 19.°, 25.°, 179.° e 188.°, entrou em vigor já na pendência dos autos.
Em consequência deve ser aplicado ao caso dos autos o EM em vigor à data da prática dos actos em crise (isto é, na versão anterior à resultante da nova Lei), de acordo com o princípio de que a legalidade dos actos administrativos se afere pela lei em vigor à data da sua prática - Tempus Regict Actus. E deve ser aplicado, interpretando-se o disposto nos artigos 19.°, 25.° e 179.° do EM, na redacção anterior, com o sentido defendido pela Recorrente na sua PI e sufragado por Jurisprudência uniforme do TCA Sul.
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A Lei n.° 62/2011, visa confessadamente regular de modo directo a relação jurídico-administrativa que a ora Recorrente trouxe a Tribunal, tendo esta lei a pretensão de lhe ser imediatamente aplicável - daí o seu carácter retroactivo disfarçado na alegada natureza interpretativa das principais alterações que introduz.
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Os actos de AIM para os medicamentos Linezolida T.......... são manifestamente ilegais, uma vez que foram praticados em violação das regras legais aplicáveis e ofendem os direitos de propriedade industrial da Recorrente, devendo ser declarados nulos ou anulados.
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Os medicamentos genéricos (no caso, os medicamentos genéricos de Linezolida da Contra-lnteressada) definem-se por confronto com o respectivo medicamento de referência (no caso, o medicamento Zyvoxid da Recorrente).
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A observância dos direitos de propriedade industrial no procedimento administrativo de AIMs é pressuposto da atribuição da AIM, como resulta, expressamente, dos artigos 18.°, n.° 4 e 19.°, n.° 1 do Estatuto do Medicamento na versão que deveria ser aplicada.
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Diferente interpretação desses artigos determina a sua inconstitucionalidade, por implicar uma restrição inadmissível da liberdade de criação científica (artigo 42.° da CRP) e do direito de propriedade privada (artigo 62.° da CRP).
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Os requerimentos de AIM apresentados pelas Contra-lnteressadas deviam ter sido indeferidos pelo INFARMED por ofenderem os direitos de propriedade industrial da Recorrente, como resulta do artigo 25.°, n.° 1. alínea a) do Estatuto do Medicamento, bem como da vinculação directa do INFARMED aos direitos, liberdades e garantias e ao bloco de legalidade (artigo 3.° do CPA).
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A norma do artigo 25.° do Estatuto do Medicamento é inconstitucional, por falta de protecção mínima adequada de um direito fundamental, se interpretada como fixação taxativa dos fundamentos de indeferimento, obrigando o INFARMED a deferir o requerimento e proibindo-o de tomar conhecimento da existência de violação de patente procedimentalmente comprovada.
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Os actos ora impugnados de AIM de medicamentos genéricos susceptíveis de ofender os direitos de propriedade industrial da Recorrente violam os artigos 15.°, 18.°, 19.° e 25,° do Estatuto do Medicamento, bem como o artigo 3.° do CPA.
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Os direitos de propriedade industrial da Recorrente constituem direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias constitucionais.
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O INFARMED não pode conferir o direito de comercializar medicamentos contra a patente detida por terceiros quando implementa a AIM, na medida em que a comercialização não é uma consequência meramente provável da AIM, mas o único efeito com ela pretendido.
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A concessão de AIM relativa ao medicamento genérico é susceptível de lesar os direitos protegidos pela patente do medicamento de referência, na medida em que configura a decisão central no procedimento administrativo de comercialização de medicamentos, sendo condição do desencadeamento dos restantes actos conducentes à comercialização, e integra a fase do procedimento em que se mostra adequado a consideração do exclusivo de terceiro que se refere a determinado produto.
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Os actos administrativos em crise não são apenas condição necessária, mas também suficiente para que as Contra-lnteressadas fiquem habilitadas a introduzir os seus medicamentos no mercado, uma vez que a venda de medicamentos aos hospitais não carece da aprovação de preços pela Direcção-Geral das Actividades Económicas.
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A AIM sem condicionamento expresso (quando há patentes em vigor) leva à conclusão de que um mesmo ordenamento jurídico qualificaria uma certa actividade (comercialização de medicamentos) ao mesmo tempo como legal e ilegal - legal, porque autorizada pelo órgão competente, o INFARMED, e ilegal (e ilícita), porque em violação de direitos exclusivos -, o que conduz a uma inadmissível quebra da unidade do ordenamento jurídico.
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Ao conceder os actos de AIM em causa, o Réu demite-se de cumprir o dever de protecção dos direitos fundamentais (cfr. o artigo 9.° da CRP).
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Os actos impugnados, ao terem sido praticados ao arrepio dos direitos de propriedade industrial da Recorrente, ofendem o conteúdo essencial de direitos fundamentais, sendo nulos, nos termos da alínea d) do n.° 2 do artigo 133.° do CPA.
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O artigo 10.°, n.° 1 da Directiva n.° 2001/83/CE concretiza um princípio geral de direito da União Europeia de reconhecimento e protecção dos direitos de propriedade intelectual enquanto direitos fundamentais e reconhece a competência para a respectiva regulamentação às "leis" nacionais.
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Não só o direito de propriedade é um direito fundamental consagrado na Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e na generalidade das Constituições dos Estados-Membros, como já foi reconhecido, de forma expressa, pelo Tribunal de Justiça como princípio geral de direito da União Europeia.
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O respeito pelo conteúdo essencial dos direitos de propriedade industrial, enquanto direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica europeia, deve orientar toda a actividade interpretativa de direito derivado (incluindo o direito contido nas directivas).
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O regime nacional de imposição da tutela dos direitos de propriedade industrial no procedimento administrativo de concessão de AIMs é perfeitamente compatível com o direito europeu e o princípio da livre circulação de mercadorias, por força do disposto no artigo 36.° do novo Tratado de Funcionamento da União Europeia, que permite a existência de normas nacionais de carácter restritivo justificadas por razões de "protecção da propriedade industrial e comercial".
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Também pela via do direito da União Europeia padecem os actos impugnados do vício resultante da violação do conteúdo essencial do direito fundamental da Recorrente.
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Com o devido respeito, nas páginas 17 e seguintes o Tribunal a quo utiliza alguns argumentos políticos e não jurídicos para graduar direitos fundamentais, o que desde logo não poderá ser aceite conforme já exposto em local próprio.
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De quanto exposto resulta que o EM, mesmo na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 62/2011 - o que por mera hipótese de raciocínio se admite -, não pode ser interpretado e aplicado como permitindo a concessão de uma AIM imediatamente eficaz e incondicionada ainda que exista um direito de patente de um terceiro em vigor e conflituante, sob pena de violação das normas constitucionais que protegem o direito de propriedade como direito fundamental análogo aos direitos, liberdades e garantias (nomeadamente os arts. 17.°, 18.° e 62.° da CRP), bem como as normas legais que estabelecem o âmbito do exclusivo atribuído ao titular da patente (nomeadamente as constantes dos arts. 97.°, 98.°, 101.° e 102.°, al. c), do CPI).
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O Réu violou a obrigação de recolher todo o material relevante para as decisões de concessão das AIMs da Contra-lnteressada e de proceder às averiguações e diligências complementares, nomeadamente, junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, assim violando os princípios da legalidade e do inquisitório (artigo 16.° do Estatuto do Medicamento e artigos 3.°, 6.°, 56.°, 83.°, 87.°, n.° 1, e 92.° do CPA), o que gera a anulabilidade dos actos de AIM.
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Por outro lado, não tendo declarado a suspensão desse procedimento para que a questão fosse apreciada noutra sede, o Réu violou o artigo 31° do CPA, o que determina a anulabilidade dos seus actos. Para além disso, competia ao Réu fundamentar a sua decisão de não suspender o procedimento, uma vez que essa decisão afectou os direitos legalmente protegidos da Recorrente (cfr. alínea a) do n.° 1 do artigo 124.° do CPA).
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Por não ter comunicado à Recorrente o início dos procedimentos que culminaram nos actos em crise, o INFARMED violou os artigos 19.° do Estatuto do Medicamento e 55.° do CPA.
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A relação jurídica material subjacente à AIM não pode ser reduzida à relação entre o requerente e a Administração, incluindo, ainda, necessariamente, os contra-interessados cujo direito seja violado pela comercialização daquele produto que a autorização visa permitir.
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A Recorrente deveria ter sido ouvida no procedimento antes da decisão final, o que não aconteceu, assim se violando o artigo 100.° do CPA e os artigos 267.°, n.° 5 e 268.°, n.° 1 da CRP, o que determina a nulidade dos actos ora impugnados, por ofensa do conteúdo essencial de um direito...
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