Acórdão nº 12421/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Agosto de 2015

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução28 de Agosto de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

…………………… SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. A Sentença recorrida padece (i) de erro na decisão sobre a matéria de facto, (ii) de erro de julgamento (por ter considerado improcedentes as excepções de incompetência material dos tribunais administrativos e de ilegitimidade passiva da ora RECORRENTE) e, finalmente, (iii) de erro de julgamento (por ter considerado que a RECORRENTE se encontra, no caso abrangida pelo âmbito subjectivo de aplicação da LADA).

  1. A Sentença foi, ainda, proferida na sequência de irregularidade processual passível de a inquinar.

  2. Com efeito, o Tribunal a quo notificou a …………., por determinação do despacho de 12 de fevereiro de 2015, para, querendo, apresentar a resposta às excepções invocadas pela …….., o que a ……… fez por requerimento de 3 de março de 2015.

  3. Contudo, quer a ……….., quer o Tribunal a quo, nunca notificaram a ………… do teor daquela resposta às excepções, apesar de ter, por determinação do despacho de 30 de março de 2015, a Ilustre Mandatária da ………… ter sido notificada pelo Tribunal para informar os autos sobre a data de realização de tal notificação à …………..

  4. A falta de notificação à ……….. da resposta às excepções constitui, nos termos do disposto no artigo 195.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi dos artigos 35.º e 140.º do CPTA, irregularidade passível de inquinar a Sentença, que se deixa invocada para os legais efeitos.

    Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto: 6. A Sentença recorrida incorreu em erro na decisão sobre a matéria de facto, ao ter julgado provado, com base no documento junto com o requerimento inicial com o n.º 13, que, “em 23 de dezembro de 2014, a Requerente apresentou à Requerida, por correio registado, um pedido de informação e passagem de certidão (…)” (cfr. ponto 14 da decisão sobre a matéria de facto, p. 6 da Sentença).

  5. Com efeito, decorre do teor do documento n.º 13 junto com o requerimento inicial da ………. que o pedido de informação e passagem de certidão em apreço não foi enviado à …………, mas antes à sociedade ……………, o que, ademais, é reconhecido na p. 14 da Sentença recorrida.

  6. Nestes termos, deve ser revogada a decisão sobre a matéria de facto constante do ponto 14 da Sentença, dando-se antes por provado que “em 23 de dezembro de 2014, a Requerente apresentou à ………………., por correio registado, um pedido de informação e passagem de certidão (…)”.

    Erro no julgamento da excepção de incompetência absoluta: 9. A Sentença recorrida concluiu erradamente que estariam in casu preenchidos os pressupostos de que depende a atribuição, aos tribunais da jurisdição administrativa, de competência para o julgamento do litígio, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), ETAF (cfr. pp. 13-14 da Sentença).

  7. A jurisdição dos tribunais administrativos encontra-se delimitada pelo artigo 212.º, n.º 3, da Constituição, e pelo artigo 1.º, n.º 1, do ETAF, dos quais decorre que o legislador erigiu o conceito de «relação jurídica administrativa» em critério fundamental para delimitação do âmbito da jurisdição administrativa.

  8. O litígio instaurado pela ……….. nos presentes autos não emerge de uma relação jurídico-administrativa, porquanto, desde logo, a …………… é uma entidade de direito privado, constituída sob a forma de sociedade anónima, de capitais exclusivamente privados e que, no exercício das actividades compreendidas no seu objecto social, actua exclusivamente por via de instrumentos jurídicos do direito privado.

  9. Acresce que, ao contrário do que decidiu a Sentença recorrida, os tribunais administrativos também não são competentes para conhecer do litígio em apreço por via do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), daquele diploma.

  10. Os tribunais administrativos apenas são, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), do ETAF, competentes para dirimir determinados litígios entre privados se e quando tais entidades se encontrem investidas de certas prerrogativas próprias do poder público e actuem, no âmbito do litígio, investidas de poderes administrativos, que a doutrina e jurisprudência reconduzem ao conceito de poderes públicos de autoridade.

  11. Com efeito, é a titularidade de poderes públicos de autoridade por parte de entidades privadas que, por convocar a aplicabilidade do Direito Público, enquanto corpo de normas que regula especificamente a organização e os processos próprios de agir da Administração Pública, justifica que o controlo da legalidade dessa actividade seja entregue a uma jurisdição distinta da dos tribunais judiciais.

  12. A titularidade de poderes públicos de autoridade não está conexionada com a natureza jurídica ou o tipo de relação instituída entre o titular desse poder e a Administração: os sujeitos privados actuam, em regra, segundo as formas de direito privado e só por expressa atribuição legal ou estipulação contratual lhes pode ser reconhecida, caso a caso, a competência para o exercício de poderes públicos.

  13. Para que um litígio seja submetido à jurisdição administrativa por via do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), do ETAF é adicionalmente necessário que ele se refira ao exercício efectivo de poderes administrativos por parte da entidade privada demandada.

  14. O apuramento, in casu, da operatividade da cláusula atributiva de competência fixada no artigo 4.º, n.º 1, alínea d) do ETAF, exige que se questione se a ………… detém poderes públicos de autoridade e se estava a actuar no exercício desses poderes, na situação de facto configurada pela ……………..

  15. Na situação em apreço, deve concluir-se que a ………… não é titular de quaisquer poderes administrativos, muito menos tendo actuado ao abrigo de tais poderes no âmbito do litígio delimitado pela RECORRIDA …………..

  16. Com efeito, nenhum dos diplomas legais que regulam a actividade da ……….. lhe reconhece a titularidade de prerrogativas de direito público, nem tais poderes resultam de qualquer título atribuído pelo Estado.

  17. No quadro legal que regula o funcionamento do ……., o exercício da actividade de comercialização de energia eléctrica é, em regra, livre, traduzindo-se numa actividade puramente privada e exercida em regime de concorrência (cfr. artigo 42.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 29/2006).

  18. Para além dos comercializadores livres, a lei instituiu ainda figura do comercializador de último recurso, visando assegurar que, em resultado do funcionamento do mercado liberalizado, nenhum cliente – e sobretudo os mais desfavorecidos economicamente – fique desprovido do serviço de fornecimento de electricidade (cfr. artigo 46.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 29/2006).

  19. No âmbito do ……, o comercializador de último recurso é precisamente a ora RECORRENTE ……….., que exerce esta actividade ao abrigo de uma licença atribuída directamente por lei (cfr. artigo 73.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 29/2006, e artigo 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 172/2006).

  20. Analisado o bloco normativo que regula o exercício da actividade de comercialização de último recurso, constante dos artigos 46.º a 49.º do Decreto-Lei n.º 29/2006 e dos artigos 52.º a 55.º do Decreto-Lei n.º 172/2006, comprova-se que o legislador não atribuiu à ……… qualquer prerrogativa de direito público, i.e., de qualquer prerrogativa que lhe confira uma posição de supremacia ou supraordenação relativamente a terceiros, permitindo-lhe definir inovatoriamente e de modo imperativo situações jurídico-administrativas, através da prática de atos unilaterais, da edição e normas jurídicas, da produção de declarações às quais se reconheça força especial ou do emprego de meios de coação sobre pessoas e bens.

  21. Com efeito, a lei limita-se a fixar o conteúdo das obrigações de serviço público a que está sujeita a …………… e a assegurar-lhe uma remuneração regulada, destinada a garantir o equilíbrio económico e financeiro dessa actividade.

  22. Acresce que não pode sequer afirmar-se que a ………… desempenhe uma função pública administrativa: a actividade desenvolvida pela ……… reporta-se ao exercício, por um privado, de uma actividade económica despublicizada.

  23. Como é consabido, as únicas actividades do …… que se mantêm actualmente na esfera pública, sendo exercidas em regime de concessão de serviço público, são as tarefas de estabelecimento e exploração da rede de transporte de energia eléctrica (cfr. artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 29/2006) e de distribuição de energia eléctrica (cfr. artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 29/2006).

  24. A actividade económica desenvolvida pela ……. reconduz-se a uma actividade de carácter privado; os contratos de fornecimento de energia eléctrica que a ……… celebra com os consumidores são puros contratos privados, regulados pelo Direito Civil e pelo Direito dos Consumidores.

  25. Não dispondo a ………… de poderes públicos de autoridade e exercendo uma actividade que não integra a função administrativa, não se encontram reunidos os pressupostos de que depende, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), do ETAF, a atribuição aos tribunais administrativos da competência para o julgamento do litígio.

  26. Esta competência também não se pode fundar em nenhuma das outras alíneas do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, pelo que se impõe concluir que o presente litígio está fora do âmbito da jurisdição administrativa.

    Erro no suprimento oficioso da excepção de ilegitimidade passiva: 30. Atenta a configuração do litígio resultante do requerimento apresentado pela ………., a ……….. não é parte legítima na presente acção, como bem reconheceu a Sentença recorrida (cfr. p. 14 da Sentença).

  27. A ………… dirigiu o pedido de informação e passagem de certidão formulado ao abrigo da LADA à sociedade ………………. (cfr. ainda o documento junto pela …….. com o n.º 13), pelo que a única destinatária da intimação pretendida apenas poderia ser a sociedade ………….. e nunca a ……………...

  28. Configurando-se a ilegitimidade passiva da ………… em face do litígio delineado pela própria …………., a Sentença recorrida não podia ter deixado de absolver a ora RECORRENTE da...

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