Acórdão nº 11758/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelNUNO COUTINHO
Data da Resolução15 de Janeiro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório Ministério Público intentou acção de perda de mandato contra António ……………….

Por decisão proferida em 7 de Outubro de 2014, o T.A.F. do Funchal julgou a acção improcedente.

Inconformado com o decidido, recorreu o Ministério Público para este TCA Sul, tendo formulado as seguintes conclusões: “I — Recorre o Ministério Público da aliás douta sentença proferida na data de 08.10.2014, a fls.

(...) do processo (SITAF), mediante a qual foi negado provimento à acção especial de perda de mandato proposta pelo Ministério Público contra António …………., Vereador da Câmara Municipal de …………, residente na Estrada ………, Edifício ………, Bloco C 4º CG, 9125, ………, e absolvido aquele do pedido contra o mesmo formulado na acção.

II — Na sentença ora em recurso entendeu a Mma. Juiz a quo não ser possível enquadrar a conduta do R. António ……….. na previsão das disposições dos artigos 7°, 8°, n° 1, alínea d), e 3, e 9°, alinea i), todos da Lei 27/96, de 1 de Agosto, porquanto muito embora se tenha demonstrado que aquele praticara um acto ilícito não era possível ao tribunal, na base da tomada da decisão posta em crise, e com o grau de certeza e segurança exigíveis, dar por assente que o R. agira dolosamente e na consecução de fins alheios ao interesse público.

III — E daí o sentido da decisão de improcedência da acção, pela falta de dolo na conduta do R. António ..................., na modalidade referida, requisito exigido pela disposição da alínea i), do artigo 9°, da Lei 27/96, de 1 de Agosto.

IV — Ora, como se procurará demonstrar, o Ministério Público entende que a decisão recorrida, face à matéria de facto dada por assente e levada ao probatório, não só não fez uma lídima avaliação de tal prova como incorreu em erro de julgamento de direito pois que, e a nosso ver, padece a sentença de erro de julgamento de direito, o que como objecto do recurso se submete à douta apreciação do tribunal ad quem.

V — Com feito, o R. António …………….. fora eleito vereador da Câmara Municipal de …….., nesta Região Autónoma da Madeira, integrado na lista apresentada pelo partido denominado PPD/PSD ao acto eleitoral que ocorreu na data de 11.10.2009, e para um mandato autárquico correspondente ao quadriénio 2009/2013, como resulta da publicação oficial dos respectivos resultados (DR, Iª Série, Suplemento n° 49, de 11.03.2010).

VI — Como se sustentara na acção, a conduta do R. António ……………. assumiu natureza ilícita, e consciente, e assumiu especial gravidade por se ter tratado de uma acção dolosa traduzida em ilegalidade grave, como tal perspectivada em função do padrão de um cidadão médio, ou seja de um bonus pater famílias (neste sentido, António Cândido de Oliveira, Direito das Autarquias Locais, Coimbra Editora, 2ª edição, páginas 19] e 192), por ter vinculado o Município de ..................., e nos termos em que o fez, num acordo de pagamento de uma divida, então de natureza litigiosa e objecto de acção judicial a correr termos pelo Tribunal Judicial de ..................., sob o n° ………./13.2YIPRT, proposta pela firma …………, Lda. contra o Município de ....................

VII — A acção ilícita do R., foi concretizada na transacção judicial efectuada pelo próprio, sem poderes de representação em juízo da autarquia, sem a intervenção a qualquer titulo do mandatário forense da autarquia, o Dr. ………….., numa data e num período em que os órgãos da autarquia, e respectivos titulares, se encontravam em gestão corrente, por ter sido realizada a 18.10.2013, ou seja a escassos três dias da posse do novo órgão executivo da Câmara Municipal de ..................., então já agendada para o dia 21.10.2013, e transacção essa efectuada à revelia e sem o conhecimento dos serviços do Município de ..................., fosse da área das obras públicas ou fosse da área financeira.

VIII — A actuação do R. António ..................., enquanto vereador da Câmara Municipal de ..................., quer pela forma como a firma ..................., Lda. foi chamada à execução de trabalhos para a autarquia, ou seja sem a formalização de um prévio procedimento contratual, quer pela forma como os trabalhos foram realizados, importa na violação de vários referidos princípios da actividade administrativa, seja o princípio da legalidade, seja o princípio da transparência, seja o princípio da igualdade, seja o princípio da equidade, seja o princípio da imparcialidade, seja o princípio da prossecução do interesse público.

IX — E tal conduta é objectivamente de modo a evidenciar uma situação de falta de transparência, de opacidade, que por si gera um clima de desconfiança entre os cidadãos e os seus eleitos, das autarquias, e tal é por igual de modo a corroer os alicerces da democracia, isto com a agravante de inexistir, de facto, uma actividade efectiva de tutela administrativa de natureza inspectiva sobre as autarquias locais que possa sinalizar, sindicar e sancionar tal tipo de condutas.

X — A sanção administrativa de perda de mandato peticionada na presente acção, decorrente das mencionadas disposições dos artigos 7°, 8, n° 1, alínea d), e 3, e 9º , alínea i), todos da Lei 27/96, e muito embora não assuma uma natureza penal ou contraordenacional, justifica-se em função da necessidade de preservar a confiança pública que devem merecer os autarcas eleitos, e visa acautelar a exigência de que, no exercício de tal tipo de cargos, sejam observados os princípios da actividade administrativa referidos, que acolhem igual protecção constitucional (artigo 266°, n° 2, da Constituição).

XI — Importa ainda de referir, para avaliação da natureza da actuação do R. que, na matéria respeitante a procedimentos de contratação pública, nunca é demais enfatizar a necessidade de respeitar os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, devendo nos procedimentos de ajuste directo, a entidade adjudicante, convidar cinco entidades distintas para a apresentação de propostas.

XII — Por outro lado, cumpre ainda salientar que a lei estabelece um regime de gestão limitada, e algumas limitações ao nível das competências dos órgãos autárquicos e respectivos titulares, que se acham previstas na Lei 47/2005, de 29 de Agosto, quando se encontram em período de gestão, considerando como tal o período que decorre entre a realização das eleições e a tomada de posse dos novos órgãos eleitos no sufrágio autárquico.

XIII — De acordo com o disposto no artigo 2°, n° 1, de tal diploma os órgãos das autarquias e os respectivos titulares, estão impedidos de deliberar ou decidir, o que significa que neste ínterim, que mediou entre a data das eleições e a data da tomada de posse dos novos órgãos eleitos, não era possível tomar a decisão de fazer uma transacção judicial numa acção de divida proposta por uma empresa particular contra a autarquia.

XIV — Pois bem, no caso da presente acção mostra-se que o R., com a sua conduta, infringiu a referida disposição legal.

XV — Do quadro factual que resulta do probatório da presente acção não pode deixar de concluir-se que o R. desrespeitou deveres legais que se lhe impunham por respeito aos vários princípios supra mencionados. Mostra-se que actuou com inteira consciência dessa violação, por saber perfeitamente que podia agir de modo diferente, e no alheamento da prossecução do interesse público, da autarquia, que se lhe impunha acautelar, e é nisso que se traduz a acção dolosa a que se alude na alínea i), do artigo 9°, da Lei 27/96.

XVI — Neste particular, e ainda a nosso ver, assume especial gravidade a circunstância da transacção judicial ter sido feita a três dias da tomada de posse dos novos órgãos autárquicos, e por outro lado, na circunstância dos termos da transacção preverem o pagamento da divida no prazo de dois meses, após a homologação da sentença, sem se ter previamente assegurado, junto dos respectivos serviços técnicos da autarquia, se havia cabimentação ou findos de tesouraria para prover ao pagamento em causa. XVII — É igualmente significativa a circunstância de, como já se disse, se ter tratado de uma decisão na inteira revelia do mandatário forense da autarquia, e naturalmente dos demais serviços da autarquia, o que evidencia à saciedade uma actuação ostensiva, dolosa e contrária ao interesse da autarquia, que lhe incumbia acautelar.

XVIII — O R. fora empossado no mencionado cargo autárquico de vereador aos 02.11.2009, na sessão de instalação do órgão executivo do Município de ..................., e a partir da qual passou a exercer as funções inerentes a tal cargo.

XIX — No sufrágio eleitoral autárquico ocorrido na data de 29.09.2013, fora de novo eleito pela lista do mesmo partido politico, o ……….., como Vereador da Câmara Municipal de ..................., agora para o quadriénio 2013/2017, como melhor resulta da publicação oficial dos respectivos resultados (DR, Iª Série, Suplemento n° 242 de 13.12.2013), cargo que presentemente exerce. XX — Enquanto vereador da Câmara Municipal de ..................., no mandato correspondente a 2009/2013, tinha e teve no período de tal mandato, as competências que lhe foram delegadas ou subdelegadas pelo Presidente da Câmara de ....................

XXI — Contudo dessas não consta que o R. fosse portador de qualquer legitimidade para junto do respectivo Processo do 2° Juízo do Tribunal Judicial de ..................., no passado dia 15.10.2013 transaccionasse em juízo como Vice-Presidente da Câmara de ................... pelo seu próprio punho, com a menção ‘P,lo Réu”.

XXII — Assim o aí réu Município, no âmbito do citado Processo Ordinário (Injunção) n°………/13 que correu termos no 2° Juízo do Tribunal Judicial de ..................., pelo punho e compromisso do ora R., vinculava-se a efectuar o pagamento acordado a partir de um prazo de dois meses, a contar da data...

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