Acórdão nº 04625/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCATARINA JARMELA
Data da Resolução26 de Fevereiro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

*I – RELATÓRIOJosé …………..

intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra a Região Autónoma dos Açores (Secretaria Regional de Agricultura e Pescas), na qual peticionou a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 38 730, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação.

Por decisão de 30 de Agosto de 2008 do referido tribunal, a presente acção foi julgada parcialmente procedente e, consequentemente, a ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 7 072, acrescida de juros vencidos no montante de € 332 e de juros vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo pagamento.

Inconformada, a ré interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões: “1ª) Os agentes da recorrente actuaram de acordo com o plano de erradicação da brucelose, aprovado, e na sua execução, o qual previa a vacinação sistemática do gado bovino. Por outro lado; 2ª) A vacina RB51 mostra-se aprovada pela Comissão das Comunidades Europeias por decisão de 15 de Julho de 2002, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 23 de Julho de 2002, para ser aplicada ao gado bovino, designadamente para a "imunização de fêmeas da espécie bovina (...) contra a brucelose bovina" (Cfr. artigo 2°, alínea a). Por outro lado ainda; 3ª) As consequências abortivas da vacina em causa, são da ordem dos 0 a 2%, percentagem que, pela sua expressão mínima, revela que tais consequências são perfeitamente marginais e por isso desprezíveis, não obrigando a especiais cuidados de abstenção na sua aplicação. Ora; 4ª) Nos termos do disposto no artigo 6° do Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.67, são considerados actos ilícitos, para efeitos de responsabilidade civil por parte dos entes públicos, os que "violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos que infrinjam estas normas e os princípios ou ainda regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração". Acontece que; 5ª) A actuação dos agentes da recorrente - não apenas - não violou quaisquer normas legais ou regulamentares, ou princípios ou regras, que devessem ser observadas, pelo que não constitui o acto ilícito, como e; 6ª) Ao contrário, pelas razões invocadas nas presentes alegações de recurso - e sintetizadas nas conclusões 1ª e 2ª, supra, acrescendo que as mesmas se inseriam no programa de combate e erradicação da brucelose do gado bovino na Região Autónoma dos Açores e do imposto pelo Decreto Lei nº 244/2000, de 27/9 - pelo que constituiu um acto lícito. E; 7ª) Assim sendo, só haveria lugar à obrigação de indemnizar nos termos do n.º 1 do art.º 9° do citado Decreto-Lei 48051. Ou seja; 8ª) Se mediante tal acto, a recorrente, tivesse imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais. Porém; 9ª) Tal não se verificou, pois que, o dano eventualmente sofrido, pelo recorrido, não ultrapassa o risco normal de qualquer outro proprietário de gado bovino, objecto de vacinação pela vacina RB51, para a erradicação da brucelose.

10ª) Violou, por conseguinte, a sentença recorrida, o estatuído nos artigos 6° e 9°, nº 1 do Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.67, vigente à data dos factos.

Sem prescindir, 11ª) Como resulta dos factos assentes, os agentes da recorrente não impuseram ao recorrido a efectivação da vacinação do seu gado, limitando-se a informar que, não se fazendo a vacinação em causa, o recorrido não teria direito a subsídio por morte de animais (em conformidade, aliás, com o estabelecido n.º 4 do art.º 2° da Portaria 48/2004, de 17 de Junho).

12ª) A vacinação do seu gado bovino, foi consentida pelo lesado, e como se viu, resulta dos factos provados, não imposta pela recorrente. Ora; 13ª) Estabelece o 340°, n.º 1 do Código Civil que, o acto (no caso supostamente) lesivo, é lícito, quando consentido pelo lesado. Deste modo; 14ª) Face à licitude do acto imputado à recorrente como acto lesivo, em virtude de com ele o recorrido ter concordado, só haveria lugar à obrigação de indemnizar nos já invocados e apertados termos do n.º 1 do art.º 9° do citado Decreto-Lei 48051, que, como se alegou já, não se verificam no caso sub Júdice.

15ª) Pelo que violou a sentença recorrida, ainda, o disposto no nº1 do artigo 340° do Código Civil.

Sempre sem prescindir; 16ª) A douta sentença recorrida, limita-se a afirmar conclusivamente, a existência de um nexo causal típico entre a vacinação e o aumento de nadas mortos (...). porém sem indicar quais as premissas que possam válida e seguramente, fundamentar tal conclusão. Acresce que; 17ª) Como pode constar-se dos relatórios técnicos juntos aos autos "podem existir numerosas causas patológicas de abortos, como é o caso de causas físicas, alimentares, tóxicas, infecciosas (fúngicas, bacterianas ou víricas) ou parasitárias, assim como causas de origem desconhecida". Deste modo; 18ª) Se a mera possibilidade de a vacina RB51, poder em escassíssimos casos, (de 0 a 2%) provocar aborto nos animas vacinados gestantes, era já insuficiente para a conclusão da existência de um nexo de causalidade entre tal vacina e os abortos verificados. A verdade; 19ª) É que tal "conclusão" é ainda seriamente abalada pela referência evidenciada na conclusão 17ª (supra) feita às outras causas possíveis de aborto. E; 20°) A dúvida sobre a existência de um nexo causal entre a vacina ministrada e os abortos verificados, sempre teria de ser resolvida contra o autor recorrido.

21ª) Decidindo em contrário a douta sentença recorrida violou o estatuído no nº 1 do artigo 342° do Código Civil.

De resto e acrescendo; 22ª) Nos termos do referido DL nº 244/2000, de 27/9, "É obrigatória a notificação do detentor dos animais, de todos os abortos ocorridos em fêmeas da espécie (...)", facto que o autor não alegou sequer ter praticado e que visaria precisamente a realização "de inquérito epidemiológico e colheita de material para diagnóstico bacteriológico" (artigo 7°, nºs 1 e 2), com vista ao apuramento, fundamentado (técnica e cientificamente) da causa dos abortos. Isto é; 23ª) No mínimo - e por culpa (omissiva) do autor permanece a já referida dúvida sobre o nexo de causalidade entre a vacinação efectuada pelos serviços da recorrente e os abortos verificados, e tal dúvida tem de, necessariamente, ser resolvida contra o autor recorrido. (artigo 342° do CC, já invocado).

Nestes termos e no que mais doutamente se suprirá, deve julgar-se procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, e substituindo-se por outra, que absolva a Ré, ora recorrente, do pedido, como é de direito e de JUSTIÇA.

”.

O recorrido, notificado, apresentou contra-alegações, onde pugnou pela improcedência do recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado para os efeitos do disposto no art. 146º n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.

II – FUNDAMENTAÇÃONa sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos: (1) O autor é empresário agrícola, sendo proprietário de gado bovino, nomeadamente vacas leiteiras.

(2) A 19 de Julho de 2004, responsáveis dos Serviços de Desenvolvimento Agrário de S. Miguel (Direcção Regional do Desenvolvimento Agrário, Secretaria Regional da Agricultura e Pescas, Região Autónoma dos Açores), dirigiram-se à exploração pecuária do autor e informaram-no que teriam de retirar sangue ao seu gado bovino, informando-o de que teria obrigatoriamente de vaciná-lo com RB51, vacina aplicável no combate à brucelose.

(3) Acrescentaram os responsáveis dos Serviços de Desenvolvimento Agrário ao autor que se a sua manada não fosse vacinada naquela altura não receberia qualquer subsídio.

(4) A equipa dos Serviços de Desenvolvimento Agrário de S. Miguel era constituída por um médico-veterinário, Dr. Frank …………., e dois outros funcionários, Pedro ……….. e um tal Roberto.

(5) Naquele mesmo dia e momento, os responsáveis dos Serviços vacinaram toda a manada, 155 (cento e cinquenta e cinco) cabeças de gado, sendo 103 (cento e três) com mais de 18 (dezoito) meses de idade.

(6) Um litro de leite ao produtor é pago a cerca de € 0,27 (vinte e sete cêntimos).

(7) Quase todas as vacas leiteiras da manada do autor se encontravam prenhas, na altura da inoculação da vacina, para o que foram avisados os funcionários dos Serviços.

(8) A partir de Setembro de 2004 e até fins de 2004, em consequência da vacinação, o número de vacas e novilhas que tiveram nados mortos e crias que vieram a morrer no primeiro mês de vida, aumentou em cerca de 100% relativamente ao que era usual, estimando-se em 5 nados mortos, mais 3 do que o normal anual (a média dos nados mortos nos anos de 2003 e 2005 a 2007 foi de 1,75), e em 12 crias que morreram nos 30 dias que se seguiram ao parto, cerca de metade das 22 que nesse ano morreram nessas condições e em número ligeiramente acima da média das que por essa razão todos os anos morreram (a qual, por referência aos já referidos anos, foi de 9,75).

(9) As vacas com os registos PT ………, PT ………., PT …….., PT ….., PT ………., PT ………, PT ………., PT ………. e PT ……… tiveram crias que vieram a morrer nos primeiros 30 dias após o seu nascimento e as referidas com os registos PT ……. e PT ………. tiveram nados mortos.

(10) As novilhas com os registos PT 7 …………, PT ……… e PT ……… tiveram crias que vieram a morrer nos primeiros 30 dias após o seu nascimento e as com os registos PT …………, PT ……… e PT ………… tiveram nados mortos.

(11) As crias referidas correspondiam a 11 machos e a 6 fêmeas.

(12) Cada cria macho vale € 70,00 (setenta euros).

(13) As crias fêmeas que foram abortadas serviriam para substituição das vacas leiteiras que fossem sendo abatidas, pelo que a sua valorização terá de corresponder a metade do valor de uma vaca leiteira.

(14) Sendo que estas valem no mercado € 1.250,00 (mil e duzentos e cinquenta euros) cada, a metade desse valor será de € 625,00 (seiscentos e vinte e cinco euros).

(15) Das 12 vacas que tiveram crias que morreram nos primeiros 30 dias de vida, as com os registos...

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