Acórdão nº 979/16.0BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução05 de Julho de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I- RELATÓRIO O………………. – COMPANHIA ……………………………, S.A., Autora melhor identificado nos autos, não se conformando com a sentença neles proferida, que julgou improcedente a presente acção, vêm interpor recurso para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: “1. A ora Apelante não pode conformar-se com a Douta Sentença Recorrida, que julgou a presente acção improcedente por verificação da excepção de prescrição alegada pela R., porquanto, salvo melhor entendimento, o Tribunal «a quo» cometeu um erro de julgamento ao nível da interpretação e aplicação das normas aplicáveis (error júris) ao caso sub judice.

2. A ora Apelante demandou a aqui Apelada por entender que esta é a responsável pelo pagamento da quantia de € 6.910,20, valor que a Apelante teve de liquidar em 03-03-2011 a uma oficina de reparação, em função de um sinistro rodoviário ocorrido em 19-01-2011, no qual foi interveniente o veículo com a matrícula 28-GB-85, à data seguro pela ora Apelante.

[Factos Provados A, B e C] (negrito nosso) 3. Anteriormente à instauração da presente acção, em 21-02-2014, a ora Apelante tinha já dado entrada de uma outra com o mesmo pedido e que correu os seus termos no Tribunal de Comarca da Grande Lisboa Noroeste, Pequena Instância Cível de Sintra, sob o n° 3796/14.9T2SNT, tendo a ora Apelada sido aí citada em 27-02-2014 [Factos Provados D e E] (negrito nosso) 4. Todavia, tal processo veio a findar em 26-01-2015, uma vez que o Tribunal se considerou materialmente incompetente para conhecer da acção. [Factos Provados F e G] (negrito nosso) 5. Não obstante, em sede de Contestação, alegou a Apelada que já nessa data o direito da Apelante estaria prescrito, porquanto o acidente de viação dos Autos ocorreu em 19-01-2011, tendo já decorrido o prazo de 3 anos a que alude o n° 2 do artigo 498.° do CC, mais alegando que, ainda que assim não se entendesse, também o direito da Apelante teria, entretanto, prescrevido por força do n° 2 do artigo 327.° do CC.

6. Notificada da Contestação, a Apelante replicou alegando que, apesar de estarmos perante uma situação de sub-rogação da Seguradora, o prazo de prescrição do seu direito apenas começou a correr a partir do momento em que realizou o pagamento cujo reembolso peticiona, ou seja a partir de 03-03-2011, não tendo ainda decorrido o prazo de 3 anos constante do n.° 2 do artigo 498.° do CC. (negrito nosso) 7. Assim, estando assente que a Apelante adquiriu o direito que pretende exercer contra a Apelada por via da sub-rogação legal, impunha-se determinar qual a data de início da contagem do correspondente prazo de prescrição.

8. E foi precisamente na apreciação desta questão que o Tribunal «a quo» errou de forma flagrante, tendo feito uma interpretação superficial e rudimentar dos artigos 306.° e 498.° do CC e, ainda, do artigo 136.° do RJCS, apoiando-se, para tanto, num Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 02-03-2005 (Processo n.° 458847/05), cuja tese já não é acolhida pela jurisprudência recentemente consolidada dos tribunais superiores.

9. Ora, no Acórdão supra mencionado, ao qual o Tribunal «a quo» adere na íntegra, entende o Supremo Tribunal Administrativo que ao «direito que o segurador adquire por sub-rogação aplica-se o prazo de prescrição previsto no n° 1 do art. 498° do Código Civil, que era aplicável ao direito transmitido, com o termo inicial que tinha o direito do primitivo devedor (...).», cfr. Sentença de fls...

10. O principal argumento apontado para tanto é que a sub-rogação constitui um mecanismo de transmissão de direitos, adquirindo o novo titular o mesmo "direito" que o credor originário detinha, ao contrário do direito de regresso, daqui decorrendo que o prazo de prescrição começará a correr na data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, o qual, no caso de um sinistro rodoviário, como o dos Autos, coincidirá, invariavelmente, com a data em que este ocorreu, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 498.° do CC, cfr. Sentença de fls...

11. O Douto Tribunal «a quo» socorre-se ainda de um outro argumento que exprime referindo que o n.° 2 do artigo 498.° do CC, atenta a sua natureza de norma especial, sempre deverá prevalecer sobre o estatuído no n.° 1 do artigo 306.° do CC, cfr. Sentença de fls...

12. No entanto, a Apelante não pode, de todo, concordar com este raciocínio perfilhado pelo Tribunal «a quo», porquanto é violador do espírito da lei, como seguidamente se demonstrará.

13. Primus, o n.° 1 do artigo 136.° do RJCS dispõe que «O segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro», daqui resultando, desde logo, que o direito de reembolso da Apelante só pode ser exercido uma vez liquidada a indemnização ao lesado, o que abrange o ressarcimento de todos os danos decorrentes de um sinistro, incluindo o pagamento à oficina das despesas com a reparação do veículo, (negrito nosso) 14. Pelo que, ainda que se entenda que o direito adquirido pelo credor sub-rogado não seja um direito que nasce ex novo, antes transmitindo-se do credor originário para credor sub-rogado, a verdade é que o facto jurídico que origina a existência do direito na titularidade deste último é o cumprimento, não se concebendo a sub-rogação antes deste cumprimento, (negrito nosso) 15. Deste modo, e ao contrário dos demais mecanismos de transmissões de direitos e obrigações, a sub-rogação só opera com o cumprimento da obrigação devida ao credor originário, ou seja, a forma como o credor sub-rogado adquire este direito, que é com o pagamento, é, nesta parte, em tudo semelhante a um direito de regresso, (negrito nosso) 16. Partindo desta premissa, decorre do preceituado no n.° 1 do artigo 306.° do CC, que o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido, e não antes, pelo que, nos casos de sub-rogação, a contagem do prazo só pode iniciar-se após o pagamento, que é o momento em que "nasce" na esfera do credor sub-rogado esse mesmo direito, não podendo este, por esse motivo, exercer esse direito antecipadamente.(…) (negrito nosso) 17. A este propósito, veja-se o Acórdão proferido em 04-05-2006 pelo Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.°045884, onde os Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros aderiram na íntegra aos argumentos apresentados pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre esta matéria: «(...) entende-se dever seguir a solução contrária. Por três razões essenciais. Em primeiro lugar, porque o direito do sub-rogado, em certa medida, é um direito novo que só se realiza definitivamente com o pagamento da prestação em nome do primitivo devedor. E sendo assim, estamos já perante a segunda razão, só nesse momento, com a incorporação desse direito na sua esfera jurídica, o sub-rogado está em condições de o exercer e, portanto, só a partir daí poderá exigir o pagamento ao verdadeiro responsável e a prescrição poderá começar a correr (art.° 306, n.° 1, do Ccivil). (...)». (negrito nosso).

18. Secundus, não existe aqui qualquer conflito entre o artigo 306.° e o n.° 1 do artigo 498.°, ambos do CC, porquanto, e salvo melhor opinião, esta segunda norma mais não é do que uma mera decorrência da primeira, uma vez que o n.° 1 do artigo 306.° do CC estabelece a regra geral aplicável a todos os prazos de prescrição.

19. Com efeito, a norma especial do n.° 1 do artigo 498.° do CC não revoga aquela norma geral, antes pelo contrário, reitera o que aí se determina ao estabelecer que o prazo de prescrição só começa a correr quando o lesado toma conhecimento do direito que lhe compete, isto é, que o prazo de prescrição só pode contar-se quando o direito puder ser exercido, em conformidade com o n.° 1 do artigo 306.° do CC.

20. Pois, como está bem de se ver, não pode o lesado actuar contra o responsável antes de tomar conhecimento do direito que lhe compete e tão-pouco podia accioná-lo antes de ocorrido o facto danoso, como parece entender o Meritíssimo Juiz do Tribunal «a quo», o que, em última instância, poderá conduzir a situações de manifesta injustiça, dir-se-ia até de uma total sonegação da justiça, na hipótese da Seguradora, por motivo a que é alheia, pagar aquilo a que está obrigada já decorridos os 3 anos a que alude o n.° 1 do artigo 498.°do CC, arcando com o prejuízo, impedida que está de exercer o seu direito de reembolso contra o responsável! (sublinhado e negrito nossos) 21. Por seu turno, o n.° 1 do artigo 498.° do CC não visa situações em que o direito permanece na esfera do titular originário, sendo que é o n.° 2 do mesmo artigo que reporta a casos de sucessão na titularidade desse mesmo direito, fazendo referência ao direito de regresso mas nenhuma menção à sub-rogação, para a qual não se encontra expressamente previsto qualquer prazo de prescrição específico, (negrito nosso) 22. Tertius, em face de tudo quanto antecede, sendo iníquo que continue a correr o prazo de prescrição que já corria contra o credor originário, por força do artigo 306.° do CC, verifica-se a existência de uma lacuna jurídica, para preenchimento da qual haverá que recorrer aos princípios que regem a integração de lacunas, plasmados no artigo 10.° do CC, fazendo-se uma analogia com outros casos semelhantes regulados na lei.

23. Deste modo, atendendo à proximidade entre um direito de regresso e uma sub-rogação, visto que ambos os institutos jurídicos têm o pagamento como o facto originador do direito que surge na esfera do novo titular, também no caso omisso procedem as razões justificativas da regulamentação prevista para o direito de regresso, pelo que a uma sub-rogação, como é o caso dos Autos, se aplicará, por analogia, o disposto no n.° 2 do artigo 498.° do CC: «Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o...

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