Acórdão nº 02866/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução19 de Outubro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Sónia ……………………….

, devidamente identificada nos autos de ação administrativa especial instaurada contra o Ministério da Educação, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido em 03/05/2006, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa 2, que julgou a ação totalmente improcedente, no âmbito da qual a Autora peticiona a anulação das listas de docentes colocados e não colocados para satisfação de necessidades residuais relativas ao grupo de docência 21 (Francês e Português) para o ano escolar de 2005/2006, publicitadas em 28/08/2005 na internet e a condenação à prática de ato devido, de colocação da Autora, atendendo às preferências de colocação manifestadas, com precedência sobre os docentes providos em Quadro de Zona Pedagógica com graduação inferior e ainda, que seja reconhecido o direito à preferência conjugal para efeitos de concurso de destacamento, e ainda que a Entidade Demandada seja condenada ao pagamento de € 500 já vencidos e de mais € 500 por cada mês, desde a citação até efetivo pagamento, a título de indemnização.

Formula a aqui Recorrente, nas respetivas alegações (cfr. fls. 156 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “1º A Requerente pediu a anulação da lista de docentes colocados e não colocados, para satisfação de necessidades residuais, relativas ao grupo de docência 21, para o ano escolar 2005/2006. Pediu também a condenação do R. na sua colocação, conforme preferências indicadas, com precedência sobre os docentes com graduação inferior. Adicionalmente peticionou ainda que lhe fosse reconhecido o direito à preferência conjugal.

  1. O Tribunal recorrido decidiu julgar totalmente improcedente a acção, sendo na decisão indicados como fundamentos as convicções de que: - O concurso de afectação visa a colocação dos docentes providos em QZP, criados para fazer face a necessidades não permanentes das escolas, enquanto que a criação dos QE foram criados para fazer face às necessidades permanentes, pelo que não se admite a arbitrariedade da norma constante do nº 7 do art. 30º do Decreto Lei nº 35/2003 conjugada com o nº 2 do art. 23° do mesmo diploma - O QE implica uma maior estabilidade na carreira em relação ao QZP e a A. poderia transitar do QE para o QZP, pelo que a colocação, em causa na acção, não implica a violação do princípio da justiça ou regressão na carreira - Não foram postergadas as exigências de confiança, certeza e segurança essenciais num Estado de Direito nem os principias da protecção da confiança dos cidadãos, da proibição do excesso, da boa-fé e da justiça.

    - Quanto à preferência conjugal, prevista nos art. 40° e 41° do DL 35/2003, por ser um mecanismo excepcional e visar não só os interesses privados dos docentes mas também o interesse público e a gestão do funcionalismo publico, não é, como tal, arbitrária ou violadora do princípio da igualdade e nem do Direito à família consagrados na CRP.

  2. Apesar de todo o respeito que nos merece o douto Tribunal a quo, constata-se, no entanto, que a fundamentação apresentada é insuficiente nuns casos e incorrecta noutros, sendo em qualquer caso juridicamente questionável, como acima se demonstrou.

  3. O Acórdão de que se recorre viola o principio basilar da organização e da gestão da carreira docente; o princípio da graduação profissional e, concomitantemente, o princípio constitucional da protecção da confiança.

    Isto porque, 5º Ao longo de décadas, na vigência de diversos diplomas legais definidores do estatuto da carreira docente e regimes jurídicos de colocação de professores, sempre prevaleceu e sempre foi respeitado o princípio da graduação profissional; excepto durante os dois únicos anos lectivos em que vigorou o Decreto-Lei 35/2003, que agora se colocou em causa.

  4. Este facto demonstra inequivocamente as sólidas expectativas da A. relativamente à manutenção do respeito pelo princípio da graduação profissional.

  5. A postergação do princípio da graduação profissional pelo legislador, e agora pelo Tribunal recorrido, representa uma violação arbitrária, intolerável e desproporcionada do princípio da protecção da confiança dos cidadãos e constitui uma ofensa ao princípio do Estado de Direito.

  6. O Tribunal a quo interpretou de forma errada o princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito, levando-o a tomar uma decisão incorrecta, porque relativamente à A. se verifica: • Existência de uma legítima expectativa do particular na continuação de uma determinada situação - mais tutelada será essa expectativa se implicar a sustentação de um plano de vida; • Tal expectativa deve ter sido estimulada, alimentada ou pelo menos tolerada pelo Estado; • Que o Estado altere, de forma inesperada e imprevisível, o seu comportamento.

  7. Quanto à chamada preferência conjugal, que permitiu que fossem colocados com prioridade os candidatos casados em que o cônjuge é funcionário ou agente do Estado relativamente aos demais colegas, verifica-se que o mui douto Acórdão se fundamenta numa argumentação inconstitucional, por violação clara do princípio da igualdade.

  8. As dimensões do princípio da igualdade que estão em causa são a proibição da discriminação e do arbítrio na actuação do Estado-legislador, e não a da igualdade de oportunidades, contrariamente ao referido no Acórdão ora em causa.

  9. O Tribunal a quo entende natural e legitimo que a família da A., apenas por esta não ser casada com um funcionário público, seja, justificadamente, discriminada e menorizada pelo legislador. Admitindo e considerando correcto que a família da A. seja tratada com menor grau de consideração e respeito face a outro docente em que o cônjuge seja funcionário público. E por isso, 12º A interpretação do princípio da igualdade feita pelo Tribunal a quo está nos antípodas da axiologia constitucional e não aplica as imposições constitucionais, com base na justificação de que estaria em causa o interesse público, que notamos estar muito em voga e parece ser remédio, sem mais, para toda a actuação do Estado que põe em causa os direitos dos particulares. Porém, 13º Não se vê, e nem a douta decisão recorrida justifica, em que é que o facto de ser dada prioridade na colocação a docentes cujo cônjuge seja funcionário público, em detrimento dos docentes cujo cônjuge não o seja, promove o interesse público, porque a admitir-se o tratamento discriminatório ou arbitrário dos cidadãos em nome do interesse público, sem se esclarecer qual o interesse em concreto que está em causa, tal significaria a adopção de um conceito de interesse público tão amplo que, em tese, tudo seria permitido. Uma tal concepção de interesse público é própria de outros Estados que não Estados de Direito Democrático.

  10. Finalmente, quanto ao critério da “gestão do funcionalismo público” indicado como justificação no Acórdão, haverá que esclarecer que as opções de gestão pública não podem justificar a postergação de principias constitucionais fundamentais, sob pena de um entendimento contrário significar uma desconsideração pelos direitos fundamentais dos cidadãos e do princípio do Estado de Direito.

  11. O Acórdão do Tribunal a quo interpretou a constituição como se esta tivesse um conteúdo meramente programático, mantendo a aplicação de uma legislação inconstitucional, ficando assim, também ferido do mesmo vício.

  12. A A. apresentou prova bastante e uma argumentação técnico-jurídica suficientemente sólida, alicerçada no texto constitucional, em jurisprudência do Tribunal Constitucional e na mais proeminente doutrina jus publicista, para demonstrar os vícios de inconstitucionalidade de que enferma o n.º 7 do art. 30.º do Dec. Lei n.º 35/2003, de 27 de Fevereiro, que determinam a invalidade do acto administrativo que aplicou as respectivas normas.

  13. A A. demonstrou que o Ministério da Educação aplicou uma norma inconstitucional da qual resultaram graves danos para os seus interesses.

  14. Apesar de a prova bastante e de a argumentação sólida esgrimida pela A. não terem sido neutralizadas, a decisão do Tribunal a quo foi a de não atender ao peticionado pela A.

  15. A sentença emitida pelo Tribunal a quo subscreve a aplicação pela Administração de normas inconstitucionais por violação do princípio do Estado de Direito, nos sub-princípios da protecção da confiança, da proibição do excesso, da boa-fé e da justiça e por violação do princípio da igualdade.

  16. Face ao exposto, a Recorrente vem pedir a substituição da douta decisão recorrida por outra que respeite os preceitos da Constituição da República Portuguesa e que salvaguarde os legitimas direitos da A.”.

    * O Recorrido veio contra-alegar o recurso interposto, formulando as seguintes conclusões (fls. 176 e segs.): “1.ª A Autora é docente do quadro de escola (QE), no grupo de código 21 (Português/Françês), e foi opositora ao concurso “interno” de educadores de infância e de professores dos ensinos básico e secundário para o ano escolar 2005/2006, previsto e regulado pelo Decreto-Lei n.º 35/2003, de 27 de Fevereiro, com as redacções introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 18/2004, de 17 de Janeiro e Decreto-Lei n.º 20/2005, de 19 de Janeiro (adiante designado por Decreto-Lei n.º 35/2003), e aberto pelo Aviso n.º 1413-B/2005, publicado no DR n.º 30 (2.ª série), de 11 de Fevereiro.

    2 .ª E, no formulário de candidatura, manifestou preferências nos termos do art.º 12° do Decreto-Lei n.º 35/2003, por quadro de zona pedagógica (de código 11), por escolas e por concelhos, na perspectiva de vir a ser transferido para um desses quadros, mas não veio a obter colocação.

    1. Candidatou-se ao destacamento para aproximação da residência, a que se refere a alínea b), do n.º 1 do art.º 40.º, do Decreto-Lei n.º 35/2003, não tendo obtido, igualmente, colocação, atentas as preferências manifestadas e os horários disponíveis, tendo em conta o...

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