Acórdão nº 12196/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução04 de Outubro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Mário ………………, com os sinais nos autos, inconformado com o acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada dele vem recorrer, concluindo como segue: 1. O primeiro e essencial erro de julgamento na matéria de direito que o Recorrente imputa ao douto Acórdão recorrido (nas palavras da Sentença por ele confirmada) é o de ter entendido aplicável ao caso em apreço o disposto no «artigo 80.° n.°s l e 2 do Decreto-lei n.° 100/99, de 31 de Março», bem como o art.º 82º do mesmo diploma. Porque 2. Ao fazê-lo errou pois daí resulta que, implícita e consequentemente, julgou inaplicável ao caso o disposto no nº 7 do artº 47ºdo mesmo DL nº 100/99.

3. E é aí que, essencialmente, reside o erro de julgamento o qual, por se situar no âmago da questão fundamental de direito submetida à decisão do Tribunal, em cadeia e consequencialmente, viciou todos os fundamentos da decisão, designadamente os supra apontados no artigo 39. Pois, 4. Trata-se de saber se - como defende o Autor aqui recorrente - ao caso é aplicável o disposto no artº 47º, maxime o seu nº 7, do DL nº 100/99 ou se, pelo contrário - como defendido no Acórdão recorrido por remissão para a Sentença que confirmou -, se aplica o disposto no «artigo 80.°, n.°s l e 82º do Decreto-lei n.° 100/99, de 31 de Março» e, «Relativamente ao regresso da situação de licença sem vencimento de longa duração», considera aplicável «o artigo 82. °» do mesmo diploma. Sucede que, 5. Do quadro legal constante do DL n.º100/99, na versão vigente à data dos factos, resulta, em suma, que: a) Os art.ºs 47º e 48º, para além das condições em que pode ser requerida a submissão à junta médica da CGA, regulam as situações asfaltas por doença para além de 18 meses das quais resultam licenças especiais, designadamente as que são impostas por lei, exclusivamente fundadas e devidas a razões de doença dos trabalhadores abrangidos pelo seu regime; b) Enquanto que os artºs 72º, 73ºA, 78º, 79º, 80º e 82º prevêem e regulam as propriamente ditas licenças sem vencimento requeridas e autorizadas por quaisquer outras razões ou sem que sejam invocados motivos, como é o caso da licença de longa duração.

6. Observando a licença sem vencimento de longa de duração, importa capturar as diferenças entre as condições e consequências da licença especial, atribuída por razões de doença, da licença geral que é atribuída sem invocação de motivo. Assim, 7. Verifica-se que art.º 47º trata das licenças especiais, devidas a razões de doença: i. Regulando o procedimento a adoptar pelo trabalhador doente, provido com vínculo de nomeação, ao fim do prazo de 18 meses de faltas por doença (n.- 1); ii. Determinando as condições em que pode ser requerida licença, sendo de destacar que pode ocorrer independentemente do tempo de serviço prestado [ai. b) do n.- 1]; iii. Estabelecendo que os modos de passagem às situações de licença nele especificadas são: 1) por requerimento [ai. b) do n.º1]; 2) automaticamente por não ter requerido apresentação à junta médica (n.º 3); 3) automaticamente por não reunir os requisitos de apresentação à junta médica e não ter retomado o exercício de funções (4); 4) automaticamente por, após ter sido considerado apto pela junta médica da CGA, ter voltado a adoecer sem prestar 30 dias consecutivos de serviço (n.º 5) ív. Prevendo a ausência de prazo para o regresso ao serviço (n.º 7) v. E não exigindo autorização para o regresso ao serviço.

8. Já a licença geral de longa duração atribuída sem invocação de motivo, regulada nos art.ºs 72º 73°-A, 78º 79°, 80º e 82º do mesmo diploma: i. Depende sempre de autorização - art.º 72º ii. O membro do Governo pode obstar à sua autorização – nº 2 do artº 73º-A; iii. Só pode ser requerida por quem tenha pelo menos cinco anos de serviço efectivo - n.º 2 do artº 78º; iv. Não pode ter duração inferior a um ano – artº 79º e n.º l do art.º 82; v. Determina a abertura de vaga a partir da data do despacho de autorização - n.º l do art.º 80º; vi. O regresso ao serviço de origem depende de vaga – nº l do art.º82º; vii. E tem de ser autorizado pelo membro do Governo – nº 2 do art.º 82º.

9. Como se vê, embora em cada um dos dois regimes haja uma licença designada do mesmo modo (sem vencimento de longa duração), no entanto a motivada por doença é manifestamente uma licença especial enquanto a outra é uma licença geral.

10. Têm origens genéticas diferentes, estão subordinadas a regras diferentes e produzem efeitos completamente diferentes, pelo que essas duas licenças, embora com a mesma designação de sem vencimento de longa duração, são licenças diferentes - uma de regime especial, outra de regime geral - e não se confundem. Na verdade, 11. Têm na sua base pontos de partida, razões de ser e uma desigualdade essencial, radicam em discrepantes condições e pressupostos e têm distintas consequências jurídicas, pois: I uma é ditada por razões de doença, pode ser requerida ou imposta por lei, não está sujeita a tempo mínimo de serviço, não abre vaga, não está sujeita a prazo de duração e o regresso ao serviço não carece de autorização, pressupondo prazo de duração nas alta médica.

ii. a outra, peio contrário, é totalmente voluntária, só pode ser Requerida mas sem necessidade de invocar motivo, tem de ser autorizada e ter o aval do membro do Governo, está dependente da existência de um mínimo de 5 anos de serviço, abre vaga, não pode ter duração inferior a um ano e o regresso tem de ser autorizado pelo membro do Governo. Assim, 12. As normas aplicáveis ao vertente caso são- apenas e só - as que se extraem do artº 47º do DL n.º 100/99. E 13. Não as que se extraem dos nºs l e 2 do art.º 80º e do art.º 82º do mesmo diploma legal, como erroneamente foi feito pelo Tribunal a quo. Ora, 14. O erro de julgamento que se assaca ao aresto recorrido torna-se patente quando, embora conste dos factos provados que o que motivou a passagem automática - imposta por lei - do Autor à situação de licença sem vencimento de longa duração foram faltas por doença que se prolongaram para além de 18 meses, nas considerações de direito não extraiu todas as consequências desse facto absolutamente essencial e nem sequer se debruçou sobre a inserção sistemática das normas que especialmente regulam tal matéria, pois se o tivesse feito teria surpreendido um quadro normativo que, além do seu manifesto carácter especial, contém regras excepcionais: todas aquelas que impõem a passagem automática a uma situação de licença sem vencimento de longa duração – nºs. 3, 4 e 5 do referido art.º 47º do DL n.° 100/99 - dada a sua evidente e notória feição penalizadora, gravemente restritiva dos direitos fundamentais à protecção na saúde, ao salário (que, além do mais, permite realizar a protecção da saúde) e ao trabalho. Sucede que 15. Como se mostra provado e está assente nos autos, o aqui Recorrente foi sujeito a uma dessas medidas penalizadoras de perda de vencimento ao fim de dezoito meses de doença - a do n.° 3 do artº 47º - pelo que o seu caso só pode ser resolvido no quadro especial, específico e excepcional do mesmo artigo 47º e nunca pelos parâmetros das licenças gerais voluntárias obtidas para diversos fins., 16. Os tribunais não resolvem problemas abstractos ou teóricos: fazem, em nome do povo, a Justiça do caso concreto com pessoas dentro.

17. Uma situação da vida real e um caso como o presente, em que o trabalhador doente se viu privado do seu salário por ter sido passado automaticamente a uma situação, forçada, com a designação dada pelo legislador (aliás, infeliz) de licença sem vencimento de longa duração, deve interpelar o julgador sobre qual a verdadeira natureza jurídica dessa situação e se porventura se lhe poderão aplicar as regras gerais que gerem os efeitos e o regresso ao serviço daqueloutro funcionário - que, quiçá, para ir trabalhar para outro lado - pediu uma verdadeira licença desse género.

18. Tanto mais que está provado nos autos que a pessoa que veio a juízo clamar por Justiça depois de ter sido passada àquela situação forçada «dependia exclusivamente do vencimento da sua mulher para o seu sustento» - alínea u) dos factos provados - e que só a partir de «Novembro de 2008», ficou a auferir (apenas) «o rendimento social de inserção, no valor de €181.91» - alínea ii) dos factos provados.

19. O que manifestamente recentra o problema e o feito submetido a julgamento: coloca-o no domínio de uma questão da dignidade humana e de direitos humanos.

20. Que como tal deve ser apreciado e decidido. Pois, 21. Como é facto notório - que não carece de alegação nem de prova - mas foi efectivamente alegado nos artigos 3º, 158° e 170°, n.° 7) da PI - um trabalhador na situação do Autor, de colocado forçadamente em licença sem vencimento de longa duração, não tem sequer direito a beneficiar do subsídio de desemprego pois não está formalmente desempregado.

22. o que impõe que a sua situação seja observada à luz das disposições, conjugadas, dos artºs 25º, 23º, 28º, 8º e 10º da DUDH e apela à especial sensibilidade do julgador para encontrar na ordem jurídica interna uma solução socialmente justa, proporcionada e equitativa, em conformidade com os direitos fundamentais pertinentes, designadamente os que protejam a pessoa humana em causa contra a situação social e humanamente degradante em que foi forçadamente colocada e da qual pretende sair como ficou provado nas alíneas d) e e) dos factos provados na Sentença confirmada pelo Acórdão recorrido, interpelando por isso a divisar uma resolução para o problema à luz do disposto na Constituição. Ora, 23. A solução encontrada pelo Tribunal a quo, de aplicar ao vertente caso o disposto nos nºs l e 2 do artº 80º e no art.º 82º do DL 100/99 sobre os efeitos da licença e as condições de regresso da situação de licença sem vencimento de longa duração, para além de claramente errónea porque - como se viu supra - se trata de dispositivos inaplicáveis à situação em causa, choca materialmente com os princípios constitucionais da justiça, da igualdade e da...

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