Acórdão nº 08707/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE CORT
Data da Resolução24 de Novembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I- Relatório I..., Lda. deduz a presente impugnação contra a decisão arbitral proferida no Processo 785/2014- T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária, a qual julgou improcedente o pedido de anulação deduzido contra as liquidações adicionais de Imposto Único de Circulação.

A impugnante termina as alegações de impugnação, formulando as conclusões seguintes: 1) A presente impugnação vem deduzida na sequência da decisão arbitral proferida no processo arbitral n.º 785/2014-T, notificada à ora recorrente, em 17.04.2015, a qual julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido contra as liquidações adicionais de Imposto Único de Circulação (IUC) melhor identificado nos autos.

2) O pedido de pronúncia arbitral foi julgado improcedente com fundamento no facto de não terem sido apresentados documentos susceptíveis de fazer prova da transferência de propriedade dos veículos referenciados no aludido pedido – quais sejam, os respectivos contratos de compra e venda e recibos comprovativos de pagamento do preço, que, no entendimento do Tribunal, beneficiam da presunção de veracidade tendente à demonstração da transferência de propriedade.

3) No caso sub judice, a falta de iniciativa do Tribunal na notificação da impugnante para a junção dos específicos elementos probatórios que reputava essenciais para a prova dos factos inquina a decisão arbitral de nulidade.

4) Com efeito, sendo certo que sobre as partes recai o ónus da prova quanto aos factos necessários para fazer valer a sua pretensão, é igualmente certo que o tribunal detém um papel activo na descoberta da verdade material, sendo-lhe imputável a não realização de diligências necessárias e disponíveis para alcançar esse objectivo.

5) Efectivamente, o princípio do inquisitório, tradicionalmente contraposto no âmbito processual ao princípio do dispositivo que coloca na disponibilidade das partes a condução do processo e o ónus de alegar a factualidade que servirá de base à decisão, bem como de tomar a iniciativa na prova dos factos controvertidos, atribui ao Tribunal um poder-dever de condução do processo, designadamente, de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias para a descoberta da verdade material.

6) No processo arbitral tributário deve entender-se que o poder-dever do inquisitório resulta da consagração do princípio da livre determinação das diligências de produção de prova necessárias (artigo 16.º, alínea e), do RJAT) e, em qualquer caso, é resultado da aplicação subsidiária do artigo 114.º do CPPT ou do artigo 411.º do CPC por força do disposto no artigo 29.º do RJAT.

7) Deste modo, estando na disponibilidade do juiz do processo a requisição de documentos que reputa essenciais para a prova dos factos, só lhe é lícito concluir pela falta de prova de um determinado facto se, após a requisição dos aludidos documentos, não decorrer prova desse facto.

8) Já não lhe será possível, pois, concluir a priori, pela falta de prova de um determinado facto sem desencadear, primeiro, a devida investigação.

9) Assim, se o Tribunal reputava essencial a junção de contratos de compra e venda e recibos comprovativos do preço, impunha-se-lhe indagar sobre a existência desses documentos, sob pena de violação do princípio do inquisitório e da verdade material.

10) No caso sub judice, a violação do princípio do inquisitório inquina a presente decisão de nulidade, pelo desvalor que encerra e por influir na decisão da causa, já que não se trata de um mero erro de julgamento do Tribunal na determinação das diligências probatórias que se afiguram úteis para a descoberta da verdade material e que inquina a decisão arbitral de mera insuficiência instrutória, mas de uma situação em que o Tribunal identifica de forma clara e precisa os documentos que julga essenciais para a descoberta da verdade material – quais sejam, os contratos de compra e venda e os recibos comprovativos do pagamento do preço – e persiste na falta de investigação da existência destes documentos cuja veracidade e credibilidade não é, pelo menos do ponto de vista legal, afastada e colocou à disposição do Tribunal a possibilidade de diligenciar pela obtenção e junção de outros que se reputem essenciais (cf. Artigo 85 do pedido de pronúncia arbitral).

11) Efectivamente, importa ter presente que o princípio do inquisitório é um poder-dever que recai sobre o Tribunal, no sentido de que este deve ordenar a realização de diligências probatórias quando as repute essenciais para a descoberta da verdade material (cf. Guia da Arbitragem Tributária, coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pp. 188).

12) De facto, não se trata de uma singela decisão de dispensa de produção de prova, por o Tribunal entender que ela não havia sido requerida ou que, tendo-o sido, ela não era necessária ou pertinente para a decisão da causa – circunstância a que os tribunais reconhecem a natureza de vício de erro de julgamento – mas de uma decisão de dispensa de produção de prova que reputadamente se considerou essencial, que, à luz da jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais (cf. Acórdão do STA, datado de 23.10.2013, proferido no processo n.º 0388/13) não pode deixar de se considerar que inquina de nulidade a decisão arbitral.

13) Assim, e em face de todo o exposto, resulta evidente no caso sub judice a violação do princípio do inquisitório, e que tal violação teve influência na decisão da causa, constituindo uma nulidade processual, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, devendo, em consequência, todo o subsequente processado – no qual se inclui a presente decisão arbitral – ser anulado, nos termos do n.º 2 do artigo 195.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT.

14) Sem prejuízo do acima exposto, e independentemente do desvalor que se impute à violação do princípio do inquisitório no caso sub judice, importa referir que a violação deste princípio constitui fundamento de impugnação da decisão arbitral nos termos do disposto no artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do RJAT que abrange as situações em que o tribunal foi além ou ficou aquém da sua competência decisória, 15) Com efeito, os conceitos de “pronúncia indevida” ou de “omissão de pronúncia” referenciados na aludida norma, que não têm paralelo, como se reconhece na doutrina (cf. Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pp. 234 e 235), com os conceitos de falta de pronúncia ou omissão de pronúncia consagrados, quer no artigo 616.º do CPC, quer no artigo 125.º do CPPT, não se circunscrevem ao conhecimento ou ao desconhecimento de questões que o Tribunal deveria ou não ter conhecido.

16) São evidência desta conclusão, por um lado, o facto de o legislador não ter seguido a terminologia proposta na própria lei de autorização legislativa (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), desvendando uma evidente intenção de afastamento da terminologia tradicionalmente consagrada naquelas normas e, por outro lado, o facto de somente interpretando aqueles conceitos da forma ampla que supra se tece se compreende que o legislador tenha optado por uma enunciação exaustiva dos fundamentos e impugnação constantes do artigo 28.º do RJAT e não tenha previsto nos mesmos, como fundamento de impugnação, situações de reconhecida gravidade como...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT