Acórdão nº 13061/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Agosto de 2016

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução30 de Agosto de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

S..., SA, com os sinais nos autos, inconformada coma sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. Nos procedimentos interpostos ao abrigo de Acordo Quadro múltiplo apenas é admissível a existência de uma fase de negociação no caso de se tratar de procedimento de formação de contrato de concessão de obras públicas ou de concessão de serviços públicos (artigos 149.° e 259.° n.°3 do CCP e Acórdão do TCAS de 24 de Abril de 2013, proferido no processo 09806/13).

  1. As "devidas adaptações" a que se reporta o artigo 259.° n.°3 do CCP não permitem que as entidades adquirentes possam adoptar mecanismos procedimentais distintos daqueles que estariam vinculadas a implementar caso tivessem optado por contratar (ou lhes fosse permitido contratar) fora do acordo quadro e, designadamente, que possam adoptar fase de negociação nos casos não expressamente previstos no artigo 149.° do CCP.

  2. Também o princípio da tipicidade procedimental (artigos 1.° nºs l e 2 e 16.° do CCP) impede que sejam enxertadas fases procedimentais não legalmente previstas.

  3. Visando o procedimento PAQ/06/2015/UMCMSESS a celebração de contratos de prestação de serviços de vigilância e segurança, a realização de sessão de negociação (factos provados 2), 3), 4), 5), 6), 7), 20), 28), 29), 30) e 31) é ilegal por violação do disposto nos artigos 1.° n.°l e 2, 16.°, 259.° n.°3 e 149." do CCP.

  4. Embora formalmente tenha sido conferida à S..., em 23 de Março de 2015, a possibilidade de se pronunciar sobre a proposta de exclusão, tal audiência não deu cumprimento aos desígnios dos artigos 7.°, 8.° e 100.° do CPA 1991 e dos artigos 147.° e 148.°n.°2doCCP.

  5. Previamente à notificação para o direito de audiência, o Júri, em actos de 9 e 16 de Março de 2015, já tinha concluído pela exclusão da proposta da S..., já tinha iniciado negociação com outros concorrentes e já tinha enunciado as razões pelas quais entendia que o preço da S... era anormalmente baixo e os esclarecimentos justificativos não eram aceitáveis, tudo sem qualquer audição da S... (factos provados 19), 20) e 25).

  6. No Relatório Preliminar de 23 de Março de 2015 e no Relatório Final de 20 de Abril de 2015, o Júri limitou-se a reproduzir as razões já referidas no acto de 16 de Março de 2015 (que, na sua convicção, justificam a exclusão da S...), sem ponderar as observações efectuadas pela S... em sede de audiência prévia (factos provados 23), 26) e 27).

  7. O direito de audiência prévia não se concretiza numa mera notificação ao interessado para que se pronuncie, sendo necessário que tal notificação ocorra num momento em que é ainda possível influir na decisão final e que a pronúncia apresentada seja efectivamente considerada e avaliada em tal decisão final (Acórdãos do sta de 24-10-2012, processo 0548/12, do TCAN de 09-06-2011, processo 02815/08.2BEPRT e de 30-01-2008, processo 00195/02), o que não ocorreu neste procedimento.

  8. Atenta a subversão da tramitação legalmente estabelecida com introdução de fases inadmissível, também se verificou violação do princípio da transparência.

  9. Não tendo sido conferida à S... uma real possibilidade de, previamente à decisão de exclusão, discutir o projecto de decisão e de influir na decisão a tomar, e tendo sido subvertida a tramitação, o procedimento PAQ/06/2015/UMCMSESS é ilegal por violação do disposto nos artigos 7.°, 8.° e 100.° do CPA 1991 e nos artigos 1.° n.°4, 147.° e 148.° n.°2 do CCP.

  10. Não obstante assistir discricionariedade ao Júri e à entidade adjudicante para qualificar um preço como anormalmente baixo e para aferir da razoabilidade e pertinência dos respectivos esclarecimentos justificativos, tal discricionariedade não se confunde com arbitrariedade, sendo necessário que o juízo de anormalidade seja fundamentado e se justifique em graves dúvidas quanto à seriedade e congruência da proposta e que o juízo de não aceitação dos esclarecimentos se funde em ilegalidade, inidoneidade ou insuficiência dos mesmos (artigo 71." do CCP).

  11. O que ressalta, quer da decisão de qualificar o preço da S... como anormalmente baixo quer da decisão de não considerar aceitáveis os esclarecimentos prestados quanto a tal preço (factos provados 17), 18), 23), 25) e 27), é o entendimento do Júri (e da entidade adjudicante) que a estrutura de custos que está na base da formação do preço deve incluir os custos ditos obrigatórios ou "normais da actividade"; pelo que, se um preço for inferior à média dos preços propostos pelos demais operadores/concorrentes, tal é indicativo da anormalidade do preço e que se o preço omitir certos custos (concretamente, os custos indirectos, os custos de estrutura e a margem comercial), tal preço é ilegalmente obtido.

  12. Tal entendimento é grosseiramente errado.

  13. O princípio da concorrência, que constitui o princípio geral enformador da contratação pública (cfr. considerando (2) da Directiva 2004/18, artigo 18 n.°l da Directiva 2014/24, artigo 83.° ai. e) da CRP e artigo l." n.°4 do CCP), interpretado em conformidade com a pré-existência do princípio geral de concorrência, tal como consagrado nos artigos 101.° a 109.° do TFUE e nos artigos 9.° e ss. da Lei 19/2012, exige que sejam eliminadas as práticas anti concorrenciais na contratação pública, de molde a que a concorrência no mercado não seja limitada, restringida ou distorcida.

  14. O princípio da concorrência pressupõe que os operadores económicos concorrentes a procedimentos de contratação pública possam utilizar a sua experiência, a sua capacidade empreendedora, a sua valia e atributos empresariais, para avantajar as suas propostas, não podendo ser adoptadas práticas que, injustificadamente, impeçam, limitem ou restrinjam tais liberdades (projecto de Recomendação da AdC de Setembro de 2015) 16. Todas as concretas limitações que o legislador nacional ou o comunitário introduzam ao princípio da concorrência devem por um lado, justificar-se em fundamentos de interesse público e, por outro lado, serem necessárias, adequadas e proporcionais à finalidade que se visa atingir (cfr. proposta de Recomendação da AdC de Setembro de 2015) 17. Não há na legislação comunitária e nacional qualquer disposição que restrinja o princípio da concorrência através da delimitação dos termos em que o preço deva ser formado ou através da imposição da decomposição do preço numa determinada estrutura fixa de custos (Acórdãos do STA de 16-12-2015, processo 1047/15, do TCAS de 29-01-2015, processo 11661/14 e doTCAN de 19-06-2015, processo 1646/U.5BESNT(AVR).

  15. Nada obriga o concorrente a organizara sua gestão de custos de molde a imputar todos os custos de um dado contrato (designadamente, os custos com os trabalhadores e com as inerentes contribuições para a Segurança Social) nos preços dos contratos celebrados com os clientes aos quais esses trabalhadores serão afectos já que é a totalidade do património da empresa que deverá cobrir a totalidade das despesas (Acórdãos do STA de 16-12-2015, processo 1047/15, de 14-02-2013, processo 0912/12, do TCAS de 29-01-2015, processo 11661/14) 19. Atento o princípio da liberdade de gestão empresarial (artigo 61º da CRP), cabe a cada concorrente construir e estruturar o preço que propõe, livremente, de acordo com a sua estratégia comercial, as suas opções de gestão e os seus objectivos para aquele contrato 20. Os concorrentes podem construir o preço de acordo com as concretas condições de que são titulares, podendo apresentar preços e propostas mais vantajosos que outros operadores sem que tal viole qualquer regra da concorrência (Acórdãos do STA de 03-12-2015, processo 657/15, do TCA Sul de 07-02-2013, processo n." 09611/13).

  16. A estratégia comercial pode, inclusivamente, levara que um concorrente, com um preço apresentado, não vise obter lucro, e, mesmo, a assumir um certo prejuízo pontual, porquanto existem muitos outros desígnios, para além do lucro, que podem justificar o interesse de um operador em obter um dado contrato (Acórdãos do Tribunal de Justiça de 14-11-2013, processo C-388/12 e de 23-12-2009, processo C-305/08, do STA de 16-12-2015, processo 1047/15, de 03-12-2015, processo 657/15, de 14-02-2013, processo 0912/12 e do TCA Sul de 29-01-2015, processo 11661/14 e de 12-12-2012, processo 08300/11) 22. Daí não deriva qualquer prática anti-concorrencial porquanto o dumping, no ordenamento jurídico nacional, apenas é proibido nos termos definidos no artigo 5.° do Decreto-Lei 166/2013, sendo que tal disposição apenas é aplicável às (ré) vendas de bens e produtos e não às prestações de serviços, assim o determinando os elementos literal, histórico e teleológico da interpretação (Acórdãos do TCAS de 15-05-2015, processo n.° 11706/14 e de 01-10-2015, processo 12103/15) 23. E porque uma forte concorrência de preços é em geral benéfica para os consumidores (ponto 23 das Orientações da Comissão na aplicação do artigo 82.° do Tratado CE e parecer de Nuno Ruiz), sendo que a apresentação, num procedimento pré-contratual, de um preço mais baixo que o de outro agente económico apenas pode ser considerada como anti-concorrencial quando o operador é detentor de uma posição dominante e quando o preço pode ser considerado como predatório (artigo 11º da Lei 19/2012).

  17. Por outro lado, não é a imposição de um preço que repercuta a totalidade dos custos com os rneios a afectar ao correspondente contrato que garante que o preço vai ser utilizado para fazer face a tais custos porquanto não é possível presumir o cumprimento ou incumprimento futuro dos custos através da análise de preços, já que não é possível assumir que o operador que pratica preço superior aos custos o irá utilizar para fazer face aos mesmos ou que o operador que pratica preço inferior aos custos não irá cumprir as suas obrigações, utilizando outros proveitos da sua actividade ou outros elementos do seu património.

  18. O contrato a celebrar apenas vincula as partes respectivas; não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT