Acórdão nº 12235/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelCATARINA JARMELA
Data da Resolução14 de Janeiro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

* I - RELATÓRIOÁguas de ………., SA, intentou no TAF de Beja acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Município de Santiago do Cacém, na qual peticionou a condenação deste a pagar-lhe a quantia global de € 104 017,79 - correspondente aos serviços de tratamento e rejeição de água residual urbana, proveniente da cidade de Vila Nova de Santo André e de outras pequenas localidades do concelho de Santiago do Cacém, por si prestados relativamente aos meses de Outubro de 2012 a Fevereiro de 2013, bem como a juros vencidos -, acrescida dos juros vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.

Por sentença de 29 de Setembro de 2014 do referido tribunal a presente acção foi julgada totalmente improcedente.

Inconformada, a autora interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões: “A.

O Sistema é, na parte que releva para o caso em discussão no tribunal, um sistema multimunicipal (embora sui generis), aplicando-se-lhe o regime jurídico que o legislador forjou, a partir de 1993, para regular tais sistemas.

B.

Os municípios de Sines e de Santiago do Cacém são utilizadores do Sistema assim criado e não submissão do Decreto-Lei nº 171/2001, de 25 de Maio, a parecer prévio (embora não vinculativo) dos municípios utilizadores, não põe em causa a legalidade do Sistema, designadamente porque o Sistema não foi criado pelo Decreto-Lei nº 171/2001, de 25 de Maio, e ainda porque este diploma legislativo tem força normativa idêntica à do Decreto-Lei nº 379/93, de 5 de Novembro (que prevê o parecer dos municípios previamente à criação de sistemas multimunicipais), podendo as suas disposições derrogar as deste.

C.

A prestação de serviços pela A.......... ao Município tem essencialmente fonte normativa, não estando dependente da celebração de qualquer contrato entre as partes nem muito menos da sua redução a escrito.

D.

O preço aplicável à prestação dos serviços pela A.......... é fixado administrativamente, não dependendo de qualquer ato de vontade da A.......... e do Município.

E.

Nessa medida, o regime jurídico que pauta da relação entre a A.......... e o Município é oponível ao Município, que o não desconhece.

F.

Não tendo sido reduzido a escrito o contrato de prestação de serviços entre a A.......... e o Município de Sines essa circunstância deve ser relativizada na medida em que tal relação está, em extensa medida, regulada num corpo de normas jurídicas, sendo pacífico que a relação entre as partes assenta em fundamento normativo e não contratual. Nessa medida, os aspectos essenciais da referida relação jurídica escapam à autonomia contratual das partes, o que sucede, particularmente, quanto à obrigação de o Município adquirir serviços à concessionária e quanto ao preço a pagar por tais serviços.

G.

Especial relevância, nesse domínio, deve ser dada à previsão legislativa dos critérios de fixação das tarifas aplicáveis aos serviços e sua densificação no contrato de concessão e, bem assim, ao facto de as tarifas serem objecto de aprovação pelo concedente, aprovação essa que reveste a forma de ato administrativo e é eficaz relativamente (oponível) aos utilizadores do Sistema.

H.

A decisão tomada pelo Tribunal ignora os pressupostos jurídicos em que se funda a arquitectura do Sistema e, consequentemente, a relação entre a Recorrente e o Recorrido, e incorrendo, pour cause, em manifestos erros de Direito.

I.

Assume significativa relevância a ponderação do comportamento do Município de Sines – concretização na não redução do contrato a escrito e no não pagamento das faturas - à luz do instituto do abuso do direito, previsto no artigo 334º do Código Civil, exercício que é adequado a demonstrar que a atitude do Município é manifestamente contrária às exigências da boa fé. Tal demonstração impunha que o Tribunal com base na teoria das inalegabilidades formais, aceite pela doutrina e jurisprudência, se tivesse abstido de conhecer da nulidade do contracto, sob pena de a sentença se constituir ela própria como facto constitutivo da situação abusiva.

J.

O Réu ao usufruir, durante anos, dos serviços prestados pela Recorrente, sabendo as condições em que os mesmos são prestados, aceitou tais condições, ao menos tacitamente, tal como revela dos actos materiais praticados pelas partes, que demonstram que estas se comportam de acordo com a relação jurídica de entrega e recepção de efluentes domésticos.

K.

A sentença recorrida é nula, por flagrante contradição entre a prova, os fundamentos da decisão e a própria decisão, por quanto a prova produzida conduz inevitavelmente ao resultado inverso, nos termos do artigo 615, nº1, c) do CPC, a qual deverá ser declarada, revogando-se, assim, a sentença em crise.

L.

Ao abrigo do mesmo artº 615, nº1, c) do CPC, o tribunal "a quo" incorreu em erro de julgamento de direito na interpretação e aplicação do disposto no artigo 289º, tendo presente os factos apurados, quanto ao regime a extrair da nulidade do contrato.

M.

Pois que, mesmo a considerar-se o contrato nulo, o recorrido fica obrigado a pagar à Recorrente, nos termos do nº1 do art.289º do Cód. Civil, o valor peticionado, respeitante às facturas por pagar, bem como os juros, tal como é jurisprudência pacífica (vide Acórdão do TCAS, datado de 02/04/2014, processo nº 07541/11; Acórdão do TCAS, datado de 06/02/2014, processo nº 07864/11; Acórdão do STA, de 24/10/2006, processo nº 0732/05, na mesma linha Acórdão do STJ de 11/07/2002, processo n°03B484).

N.

O que a sentença na realidade faz é negar tutela jurisdicional à situação da Recorrente, o que constitui, aliás, uma violação do direito fundamental de tutela e uma interpretação inconstitucional das regras sobre a prestação dos serviços de recepção, tratamento e rejeição pela concessionária do sistema multimunicipal, que para os devidos efeitos, aqui se deixa arguida.

O.

A sentença recorrida é nula, ao abrigo do disposto no art.615º, nº1, c) do CPC, pois o tribunal "a quo" conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, em manifesto excesso de pronúncia.

P.

O Município não alega que a A.......... deva ser condenada ao pagamento de qualquer quantia devida em função das circunstâncias em que a sentença funda o «direito de compensação». A convolação de tais factos em «deveres de compensação» que devessem ser suportados pelo A.........., é da inteira e exclusiva lavra do Tribunal.

Q.

Acresce que o reconhecimento pelo Tribunal de um direito de compensação a favor do Município encerra uma apreciação errónea dos institutos jurídicos aplicáveis e uma errada compreensão da natureza jurídica do Sistema e da relação estabelecida entre a A.......... e os utilizadores.

R.

Os fundamentos sobre os quais o Tribunal assenta o alegado direito de compensação do Município apresentam-se totalmente irrelevantes enquanto factos extintos, modificativos ou impeditivos do direito da A.......... ao recebimento do valor inscrito nas facturas. O que subjaz à defesa dos Municípios é, sim, a sua não conformação com as tarifas administrativamente fixadas, nos termos da lei, sendo certo que nunca o Município lançou mão dos meios judiciais adequados à sua impugnação e, pelo menos, quanto às tarifas em jogo nas facturas objecto da acção, já não pode fazê-lo por ter caducado entretanto tal direito.

S.

Acresce que tal crédito não poderia, ainda que existisse, dar lugar ao exercício pelo Município da excepção de não cumprimento do contrato, uma vez que os contornos jurídicos da figura não encontram qualquer aderência à realidade em apreço. Nem o tribunal poderia conhecer desta excepção a título oficiosa, já que a mesma não é invocada pelo Recorrido.

T.

Em face do todo o exposto, consideramos que assiste razão á Recorrente, quando peticiona o ressarcimento do valor das facturas emitidas, que se dão por assentes no probatório, que foram remetidas ao Réu e por este não pagas, por se encontrarem demonstrados todos os pressupostos de facto e de Direito que ditam a procedência do pedido, assim como no que respeita à condenação ao pagamento de juros, pelo que deverá ser concedido provimento ao recurso e revogar-se a sentença recorrida, por erro de julgamento e em substituição, julgar a acção precedente, condenando-se o Réu no pedido.

Nos termos expostos, o recurso interposto deve ser julgado procedente e provado e, consequentemente, deve a Sentença proferida ser substituída por outra que condene o Réu ao pagamento da dívida reclamada.

Como é de JUSTIÇA”.

O recorrido, notificado, apresentou contra-alegações, onde pugnou pela improcedência do recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado para os efeitos do disposto no art. 146º n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.

II - FUNDAMENTAÇÃO Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos: “A) Em 25-05-2001, foi constituída a sociedade Águas . ……….. S.A. -A..........

, ora A., sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e concessionária, em regime de exclusivo, da concessão da exploração e gestão do sistema de abastecimento de água, de saneamento e de resíduos sólidos de Santo André - Sistema: cfr. DL. N.° 171/2001, de 25 de Maio; B) O referido sistema serve parcialmente os Municípios de SANTIAGO DO CACÉM e de SINES: por acordo; C) Esta exploração e gestão compreendem a concepção, a construção das obras e equipamentos, bem como a sua exploração, reparação, renovação e manutenção do Sistema concessionado: por acordo; D) Em 2001-12-27, o Estado Português, na qualidade de primeiro outorgante e a A.........., na qualidade de segundo outorgante, outorgaram o contrato de concessão, no qual acordaram os termos e as condições da exploração e gestão do Sistema acima referido: cfr. Doc.1 junto com a Petição Inicial- P.I.

; E) O Estado Português concessionou à A. todo o sistema em funcionamento nos moldes em que o próprio Estado o vinha exercendo, através do INSTITUTO DA ÁGUA - INAG: por acordo; F) Foram transferidos para a A. o património mobiliário e Imobiliário afecto ao...

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