Acórdão nº 06385/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCATARINA ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul 1 – RELATÓRIO C. – C. I. P., SA, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios, do exercício de 2003, no montante total de € 3.850.155,36, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões: A.1 - Inconstitucionalidade dos artigos 2.º e 6.º, da Lei n.º 59/2011, de 28 de Novembro: A. Os artigos 2.º e 6.º da Lei n.º 59/2011, de 28 de Novembro, são materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade que se preceitua no artigo 13.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), e bem assim dos princípios de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, que se preceituam no artigo 20.º da CRP, do princípio do juiz natural que se preceitua no artigo 32.º, n.º 9, da CRP, e dos princípios da independência e da imparcialidade, que se preceituam nos artigos 32.º e 203.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que através dos mesmos foi criado um verdadeiro regime excepcional para apreciação de processos fiscais de valor superior a um milhão de euros.

B. Os supra mencionados artigos 2.º e 6.º da Lei n.º 59/2011, de 28 de Novembro, vêm, porém, diferenciar, perante a lei, o tratamento judicial dos cidadãos em função do valor dos processos fiscais que os oponham à administração, visando, idealmente, a implementação de um regime mais expedito para os processos fiscais de valor superior a um milhão de euros, em detrimento, obviamente, de todos os processos que sejam de valor inferior ao indicado, criando-se dois regimes judiciais distintos.

C. A criação destes dois regimes, decorrente dos artigos 2.º e 6.º da Lei n.º 59/2011, de 28 de Novembro, apresenta-se, assim, como violadora do princípio da igualdade, que se preceitua no artigo 13.º da CRP, na medida em que consubstancia um tratamento desigual quanto a situações jurídicas iguais: os cidadãos passam a ter ou não direito a um processo judicial célere apenas em função do valor do processo fiscal que os oponha à administração tributária.

D. A dualidade de regimes instituída pelos artigos 2.º e 6.º da Lei n.º 59/2011, de 28 de Novembro, determina que apenas os cidadãos que sejam parte em processos fiscais de valor superior a um milhão de euros terão direito a que a respectiva decisão seja proferida em prazo razoável, apresentando-se todos os outros para o legislador como não tendo direito ao mesmo tratamento… E. Consequentemente, é forçoso concluir que os artigos 2.º e 6.º da Lei n.º 59/2011, de 28 de Novembro, são ambos violadores do direito constitucional a que todos os processos sejam objecto de decisão em prazo razoável, direito esse de que todos os cidadãos devem beneficiar, que se preceitua no n.º 4 do artigo 20.º da CRP.

F. Assim, não se vislumbra qualquer fundamento juridicamente válido e admissível apto a justificar o tratamento diferenciado dos cidadãos no que respeita aos processos que os oponham à administração tributária.

G. Acresce salientar que, o regime instituído pelos artigos 2.º e 6.º da Lei n.º 59/2011, de 28 de Novembro, constituem um verdadeiro desaforamento que ofende o princípio do Juiz Natural que tem consagração constitucional no artigo 32.º, n.º 9, da CRP.

H. No caso em apreço verifica-se estarmos perante a criação de equipas extraordinárias, com vista a, no âmbito de uma medida de carácter excepcional – a redistribuição de processos –, serem arrecadadas receitas adicionais para o Estado.

I. A presente redistribuição em nada está relacionada com a melhoria do sistema judicial fiscal, mas está sim para a arrecadação de receitas extraordinárias, o que suscita óbvias reservas, põe em causa a própria independência dos tribunais, que se preceitua como pilar do sistema democrático Português, expressamente consagrada no artigo 203.º da CRP, e afecta de forma grave e inultrapassável a independência dos tribunais e a imparcialidade dos Juízes, facto ao qual não é possível ficar alheio.

J. Daqui resulta que o regime instituído pelos artigos 2.º e 6.º da Lei n.º 59/2011, de 28 de Novembro, é igualmente violador dos princípios do Juiz Natural e da independência e da imparcialidade, que se preceituam nos artigos 32, n.º 9, e 203.º da CRP.

K. Consequentemente, dos vícios de inconstitucionalidade aqui alegados, resulta a incompetência deste Tribunal.

A.2 - Falta de audição da Ordem dos Advogados: L. Nos termos do disposto na alínea j) do artigo 3.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro de 2005, constituem atribuições da mesma “Ser ouvida sobre os projectos de diplomas legislativos que interessem ao exercício da advocacia e ao patrocínio judiciário em geral e propor as alterações legislativas que se entendam convenientes”.

M. A verdade, contudo, é que, no caso da Lei n.º 59/2011, de 28 de Novembro, a Ordem dos Advogados nunca foi ouvida sobre o correspondente projecto, sendo inequívoco que a Lei em apreço, ao, na prática, criar, dois autênticos novos ‘tribunais’ e introduzir no sistema judicial um regime de distribuição absolutamente anómalo, interessa directamente ao exercício da advocacia e ao patrocínio judiciário.

N. Não tendo a Ordem dos Advogados sido ouvida no âmbito do processo legislativo da Lei n.º 59/2011, de 28 de Novembro, é forçoso concluir que a mesma não pode, validamente, estabelecer-se no ordenamento jurídico, o que desde já se alega para todos os efeitos legais.

A.3 - Violação do dever de audição da impugnante: O. Nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

P. Ora, no caso dos autos, está em causa a ocorrência de um facto que afecta de forma profunda a estabilidade da instância: a alteração do tribunal em que o processo corre termos.

Q. Pelo que a compreensibilidade da correspondente decisão implica a cooperação do tribunal com as partes, nomeadamente informando e dando a conhecer à Impugnante que o processo foi transferido de um tribunal para outro e, sendo caso disso, do Despacho que contém a correspondente decisão.

R. A isto acresce que a notificação de tal Despacho tem, ainda, por objecto, que a Impugnante possa pronunciar-se sobre a respectiva conformidade legal, especialmente tendo em conta que, nos termos do disposto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

S. Ora, a decisão que determinou a redistribuição do presente processo, atenta as suas consequências, jamais poderá ser considerada como um despacho de mero expediente, tratando-se pelo contrário, da ocorrência de um facto que, em concreto, tinha obrigatoriamente que ser notificada à impugnante (quanto mais não fosse por aplicação analógica do artigo 121.º do CPPT).

T. A verdade porém é que, até à presente data, a Impugnante jamais foi notificada de qualquer Despacho ou Decisão que tenha determinado a redistribuição do processo, pelo que, salvo melhor entendimento, a falta de notificação de tal Despacho constitui uma nulidade insanável, que será extensível a todos os actos que subsequentemente sejam praticados no processo.

U. Assim, verifica-se que a redistribuição do presente processo sem prévia audição da impugnante está ferida de nulidade, devendo, ainda que não fossem reconhecidas as inconstitucionalidades supra invocadas, o processo ser devolvido ao magistrado judicial a quem foi originariamente distribuído para que notificasse devidamente a Impugnante da fundamentação e da decisão que determinou a redistribuição do presente processo.

B.1 - Omissão de pronúncia: V. Na petição inicial a ora impugnante alegou, para além do mais, os seguintes factos: a. “o que ocorreu foi um erro da parte da Impugnante na determinação do lucro tributável atinente ao ano 2000 por ter sido indevidamente excluído da tributação, nesse exercício, o valor das mais – valias de € 10.300.177 resultantes da alienação a título oneroso de bens do activo imobilizado” (19); b. “A reserva aposta pelo Revisor Oficial de Contas no ponto 6 da certificação legal…” apenas “alerta que o limite temporal para o reinvestimento situa-se em 31/12/2003” (20 e 21); c. “No caso da Impugnante, o Sr. Revisor Oficial de Contas não expressa por nenhum modo autorizado – legal ou contratual – a vontade da sociedade agora Impugnante” (24); d. “não tencionava fazer qualquer reinvestimento.” nem “apôs na Declaração Modelo 22 a sua intenção de efectuar o reinvestimento.” (25); e. na resposta ao seu direito de audição, “A DGCI … não refere uma única palavra sobre” a questão da caducidade do direito à liquidação ali suscitada, passando “completamente ao largo” e “ignorando-o completamente” (34 e 35); f. a liquidação impugnada consiste apenas “numa alegada demonstração de compensação com meras referências a estorno e acerto de liquidação de 2003, juros de mora e compensatórios” (75).

W. Nenhum destes factos foi dado como provado ou não provado na sentença recorrida, sendo todos eles essenciais para a boa decisão das questões de direito suscitadas pela ora impugnante, às quais o Tribunal estava obrigado a responder, pelo que incorreu a sentença recorrida em omissão de pronúncia, vício gerador da sua nulidade (artigos 511.º/1 e 668.º/1/d) do Código de Processo Civil).

B.2 - Falta de fundamentação da decisão da matéria de facto: X. A terminar a parte relativa à matéria de facto, e justificando a sua fixação, apenas se escreve na sentença recorrida que...

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