Acórdão nº 13708/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Fevereiro de 2016
Data | 02 Fevereiro 2016 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1998_02 |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O INSTITUTO DE HABITAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANA, IP, autor na ação presente ação administrativa comum (Proc. nº 2643/15.9BELSB) em que são réus SARA …………………… e marido NUNO …………………….. – na qual é peticionado a) que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento referente a fração autónoma de imóvel sito na freguesia da Buraca, Município da A..............., e ordenada a sua entrega imediata, livre e devoluta de pessoas e bens; b) que seja a ré condenada no pagamento das rendas vencidas, no montante de 3.006,69 € e vincendas até efetiva entrega do locado, acrescida dos respetivos juros de mora; c) que seja a ré condenada a pagar uma indemnização correspondente ao dobro do valor da renda em vigor por cada mês que perdurar a ocupação do imóvel desde o trânsito em julgado da sentença até à sua entrega efetiva, nos termos do artigo 1045º do Código Civil – inconformado com a decisão de absolvição dos réus da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória de falta de interesse processual ou de interesse em agir proferida em 11/02/2016 pela Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra interpõe o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, nos seguinte termos: a) De harmonia com o teor da douta sentença recorrida, foi julgada procedente a excepção dilatória de falta de interesse processual ou interesse em agir, tendo a Ré, em consequência, sido absolvida da instância.
b) Salvo melhor opinião não se poderá concordar com o douto entendimento vertido na sentença recorrida, pelas seguintes ordens de razão: c) Em primeiro lugar, não poderá deixar de se fazer ressaltar que, aquando da interposição da presente acção judicial (16/12/2014), não se mostrava vigente (nem tão pouco havia sido objecto de publicação em Diário da República) a citada Lei n.º 81/2014, de 19/12, em cujo teor a douta sentença recorrida encontrou consagrado o meio de autotutela que alegadamente permitiria ao Autor alcançar o fim pretendido com os presentes autos.
d) Ora, considerando que a averiguação do pressuposto do interesse em agir dever-se-á reportar à data da instauração da acção, outra conclusão não poderá ser extraída que não seja a de que existia, por parte do Recorrente, uma necessidade de recorrer à via judicial (vide neste sentido acórdão do Tribunal Relação de Lisboa, de 21.11.2013, in www.dgsi.pt).
e) Tal conclusão, não é seguramente afastada por força da norma transitória contida no artigo 39º/2 da citada Lei 81/2014, nos termos da qual a disciplina aí consagrada seria imediatamente aplicável aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, simplesmente porque já havia sido intentada a presente accão judicial.
f) De todo o modo, a aplicação do novo regime do arrendamento apoiado constante da Lei n.º 81/2014 aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor, referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 39.º, depende, da prévia implementação pelo senhorio do procedimento previsto no seu artigo 34.º, que atribui aos arrendatários destinatários dessa decisão todos os direitos e garantias do procedimento administrativo, mormente o direito de se pronunciarem em audiência de interessados.
g) Em segundo lugar, nem se diga que à data da interposição da presente acção judicial, sempre se mostraria vigente o regime transitório e limitado de autotutela declarativa e executiva, previsto na Lei n.º 21/2009 e que, no entender da MM Juíza a quo, "quis abarcar no seu âmbito de aplicação todas as situações de habitação social em regime de arrendamento".
h) Na verdade, e ao contrário daquele que parece ser o entendimento propugnado pela MM Juíza a quo, o contrato de arrendamento em discussão nos presentes autos não se encontrava submetido à disciplina jurídica contida na referida Lei n.º 21/2009, carecendo a interpretação extensiva pretendida pela MM Juíza a quo, salvo devido respeito, de um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa, na letra da lei.
i) Efectivamente, no artigo 2° da citada Lei n.º 21/2009 refere-se, de forma expressa e inequívoca, que a disciplina jurídica contida naquele diploma legal "(...) é aplicável às situações abrangidas pelo Decreto n.º 35106, de 6 de Novembro de 1945". Ora, o Decreto 35106, de 06/11/1945 visava disciplinar as situações de ocupação de casas cedidas a título precário e mediante licença titulada por alvará de habitação social (cfr. artigo 1° - "a ocupação das habitações a que se refere o decreto-lei n.º 34486, de 6 de Abril de 1945, será concedida a título precário, mediante licença da entidade proprietária, sob a forma de alvará").
j) Ou seja, tratava-se de situações que encontravam a sua origem/génese num acto administrativo proferido pela Administração e não num contrato (como sucede no caso dos presentes autos).
k) Em terceiro lugar e ainda que se admitisse a aplicação e vigência da disciplina jurídica contida no artigo 28° da Lei n.º 81/2014 ao caso sub judicie (o que apenas se admite por mera cautela de raciocínio e sem conceder, conforme supra se adiantou), não se aceita a conclusão expendida pela douta sentença recorrida, nos termos da qual não se verifica a necessidade de tutela requerida nos presentes autos.
l) E não se aceita tal conclusão porquanto a mesma teria de assentar numa premissa que não se verifica, qual seja, a de que o recurso à autotutela/ via extrajudicial para resolução dos contratos de arrendamento apoiado é imperativa.
m) Na verdade, o diploma em causa - Lei nº 81/2014 de 19/12 - salvo melhor opinião, veio apenas criar um mecanismo para, em determinadas situações, o senhorio poder resolver o contrato por comunicação ao arrendatário após a sua audição. Por outras palavras veio acrescentar mais um mecanismo de resolução do contrato de arrendamento e despejo e não proibir o acesso à via judicial, dentro de urna lógica de celeridade de procedimentos.
n) Aliás, resulta da análise das disposições legais em apreço que a resolução, por via extrajudicial, apenas se mostra admissível caso se mostre verificado um dos fundamentos previstos no nº 2 do artigo 25°. Ora, não sendo tal remissão taxativa, pois a remissão ali prevista não opera para o corpo do n.º 1 do mesmo artigo, o mesmo significa que outros fundamentos existem que configuram justa causa para resolver o contrato de arrendamento, sendo que, nesses casos, o senhorio terá de recorrer à via judicial.
o) Assim sendo, existindo situações que só através da via judicial se obtém a resolução contratual (e, mais do que isso o despejo coercivo, atentas as limitações constitucionais), não é possível sustentar, com coerência, a exclusividade e imperatividade da via extrajudicial prevista no artigo 25º a 28 do citado diploma legal, sendo certo que conclusão contrária implicaria uma limitação injustificada do direito de acção do aqui Recorrente previsto no artigo 20° da CRP.
p) De todo o modo, verificando-se a existência de um evidente litígio entre Autor e Réus relativamente à cessação do contrato de arrendamento (tendo sido a pretensão do Recorrente contestada), sempre se mostraria necessária a intervenção judicial, por via do disposto no artigo 17º/3 da referida Lei nº 81/2014, de 19 de dezembro.
q) Em face do supra exposto, impõe-se concluir pela verificação do pressuposto processual de interesse em agir por parte do aqui Recorrente, porquanto se mostra necessária a tutela jurisdicional solicitada nos presentes autos.
r) Ao não ter assim decidido incorreu a douta sentença recorrida numa errada aplicação do pressuposto processual inominado do interesse em agir, tendo sido, consequentemente, preterido o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, vertido no artigo 20° da C.R.P.
A recorrida não contra-alegou.
Remetidos os autos em recurso a este Tribunal, e neste notificada a Digna Magistrada do Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA emitiu Parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
* II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de direito ao considerar não verificado o pressuposto processual de interesse em agir.
* III. FUNDAMENTAÇÃO A – De facto Pelo Tribunal a quo foi considerada a seguinte factualidade, nos seguintes termos: 1. O Autor Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P. é proprietário do rés do chão esquerdo, do prédio urbano, em propriedade horizontal, sito na Rua ………………, Lote 27, nº 26, na A..............., e melhor identificado nos autos – docs. nºs 1 e 2 juntos com a p.i. e que aqui se dão como reproduzidos.
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Este imóvel ingressou na esfera jurídica do Autor por sucessão do Instituto de Gestão do Património Habitacional do Estado (IGAPHE), o qual atribuiu, verbalmente, em regime de arrendamento para fins habitacionais, a fracção referida em 1, à Ré Sara …………………., para aí habitar com o seu agregado familiar – doc. nº 3 e 4, que aqui se dão como reproduzidos.
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A renda mensal fixada, à data, foi de € 14,07, sendo o seu valor determinado pela aplicação da taxa de esforço ao rendimento mensal corrigido do agregado familiar da arrendatária, nos termos do artº 5º do Decreto Lei nº 166/93, de 7 de Maio.
B – De direito 1.
Da decisão recorrida O Tribunal a quo absolveu os réus da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória de falta de interesse processual ou de interesse em...
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