Acórdão nº 09495/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 12 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCRISTINA FLORA
Data da Resolução12 de Maio de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

MÁRIO… vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente o recurso deduzido contra a fixação da matéria colectável do ora Recorrente no exercício de 2010, através de métodos indirectos, no montante de 4.835.022,10 €, constante do Ofício n.º …, de 11/12/2014, da Direcção de Finanças de Leiria.

O Recorrente Mário… apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões: «I.. CONCLUSÕES 1. A Sentença recorrida erra ao não dar por provados vários factos – decorrentes de documentos e depoimentos prestados nos autos - com interesse para a presente acção e que devem ser dados como provados, tais como os relativos à realização de empréstimos pelo Recorrente, os referentes à inspecção da AT ao mesmo em 2011 e ao valor existente nas respectivas contas bancárias no início de 2010.

  1. A Sentença recorrida padece de obscuridade, em violação do disposto no art. 615.º n.º 1 al. c) do CPC e deverá ser anulada, pois, na análise que faz dos vícios apontados pelo Recorrente ao acto tributário recorrido, apresenta um iter cognoscitivo difícil de apreender.

  2. No ponto 2.4.2 a Sentença recorrida indica que vai analisar o vício de violação do princípio do inquisitório mas analisa antes o princípio do ónus da prova, concluindo sem se compreender que a AT não violou o princípio do inquisitório, não se atingindo a motivação ou justificação para a inexistência da infracção imputada pelo Recorrente à decisão administrativa.

  3. Nessa parte a Sentença recorrida, nem sequer apresenta fundamentos de facto que justifiquem a sua decisão, igualmente em violação do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.

  4. A propósito do princípio do inquisitório a Sentença assume que o mesmo se encontra a montante do princípio do ónus da prova, mas para indicar que não há violação do princípio do inquisitório indica que não ocorreu violação do princípio do ónus da prova pela AT, o que é uma contradição em termos, pois se o princípio do inquisitório se encontra a montante, para a análise do mesmo é indiferente o cumprimentos do ónus da prova, enfermando assim de nulidade nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, o que deve conduzir à respectiva anulação 6. Quanto à análise efectuada à subsidiariedade da aplicação de métodos indirectos, a Sentença recorrida volta a padecer de nulidade, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, pois no caso vertente, o que está em causa são movimentações bancárias – na esmagadora maioria movimentos de cheques e transferências bancárias, em que, como é evidente, é possível conhecer o pagador e o destinatário do movimento e a Sentença recorrida pese embora aceite que não há lugar à aplicação de métodos indirectos nos casos em que é possível conhecer a natureza do rendimento, manteve o acto tributário recorrido de tributação indiciária do Recorrente, indicando que nesse caso não é possível conhecer o rendimento.

  5. O anteriormente referido, atesta que ocorreu violação do dever do inquisitório pela AT, pois se a mesma poderia conhecer a realidade da movimentação bancária pelos emissores e destinatários dos movimentos, poderia apreender a realidade da movimentação bancária do Recorrente e, se não o fez, violou o referido princípio da descoberta da verdade material, o que não foi aceite pela Sentença recorrida em claro erro de julgamento e contradição, o que deve conduzir à respectiva anulação nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.

  6. A Sentença recorrida terá igualmente que ser alvo da devida declaração de nulidade e anulação por omissão de pronúncia, nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, pois não analisa, nem se pronuncia sequer ao de leve sobre os factos apresentados pela Recorrente referentes aos vícios invocados no Recurso apresentado contra o acto tributário.

  7. A Sentença recorrida não se pronuncia sobre: a falta de identificação no RIT ou no PRIT da realização de qualquer despesa ou liberalidade pelo Recorrente; a ausência de explicação do motivo de as saídas de valores das contas bancárias serem imputadas a ordens do Recorrente, pois as contas eram também tituladas pelo respectivo filho; a falta de explicação da diferença de tratamento e correcções relativas à movimentação bancária em 2010 e em 2011; a falta de explicação do motivo pelo qual se considerou que as saídas de dinheiro das contas bancárias do Recorrente estavam ligadas a aquisições de património ocorridas em 2013 e 2014; ausência de análise da AT da alegação do Recorrente de que as saídas de valores na sua maioria se reportavam a empréstimos; motivo pelo qual a AT quando analisou as entradas de valores analisou os cheques a que as mesmas se reportavam e mandou-os inclusivamente ao Recorrente para justificação, porém quando a AT altera a respectiva análise para as saídas não teve igual procedimento, não solicitou cópias dos documentos de saída, nem procurou saber quem eram os respectivos destinatários; motivo pelo qual a AT fez tábua rasa da realidade da vida do Recorrente, que já conhecida da inspecção de 2012 ao ano de 2011, em que aceitou que o mesmo fazia empréstimos de valores, nada fazendo para aferir se a mesma se mantinha em 2010; A AT na análise às entradas de dinheiro deu ao Recorrente mais de 60 dias para o mesmo explicar os movimentos e em relação às saídas de mais de meio milhar de movimentos, apenas lhe concedeu 15 dias para se pronunciar, tendo inclusivamente negado o pedido de prorrogação do prazo, impossibilitando-o de apresentar a verdade material; apesar de ter sido deferida a derrogação do sigilo bancário ao Recorrente refe- rente a 2010, a AT nada fez para apurar os destinatários ou natureza das saídas de valores das contas bancárias; a AT não provou que os mais de 300.000,00 € de aplicações bancárias não tenham sido objecto de entradas e saídas, que justificassem a movimentação bancária analisada; a 10. Em todos os casos anteriormente referidos tratava-se de matéria de que a Sentença recorrida deveria conhecer, pois foi apresentada como fundamento para o recurso, pelo que, a decisão sub judice ao omitir pronunciar-se sobre esta questão fica inquinada de nulidade, o que deverá conduzir à respectiva anulação (al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC).

  8. A Sentença recorrida incorre em erro de apreensão da realidade, que leva a que os fundamentos de facto da decisão estejam em contradição com o julgamento e decisão, inquinando a Sentença de nulidade nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, ou no limite ilegalidade, que, em todo o caso deverá conduzir à respectiva anulação, pois aceita como provado que a correcção do Recorrente pela AT se deveu a alegada existência de despesas e liberalidade não justificadas, detectadas pelas saídas de valores das contas bancárias, mas ao analisar tal acto, realiza-o na perspectiva da existência de entradas de verbas nas contas.

  9. A Sentença recorrida deverá também ser anulada, por erro de julgamento, ao não aceitar que o acto administrativo tributário recorrido é ilegal por obscuridade, em clara violação do dever de fundamentação da administração fiscal.

  10. A fundamentação para a determinação indiciária da matéria colectável do Recorrente operada pelo Fisco é obscura e ininteligível, pois a AT indica que o rendimento fixado resulta da diferença entre o rendimento declarado e despesas e liberalidades detectadas, porém em lado algum do Projecto ou do Relatório de Correcções são indicadas quais as liberalidades ou despesas detectadas.

  11. Movimentações bancárias, liberalidades e despesas são realidades totalmente diversas.

  12. Para existir uma liberalidade é necessário identificar-se, quem efectua e quem recebe a liberalidade, o valor, e o “animus” de realização gratuita da transferência de verbas.

  13. Para existir uma despesa é necessário identificar-se quem despendeu o valor, qual o valor despendido, e qual a utilidade adquirida – bens ou serviços.

  14. O facto de existir uma movimentação a débito numa conta bancária não significa que tenha existido uma despesa, pois a mesma pode ter inúmeras justificações, entre as quais ser uma despesa, uma transferência entre contas bancárias do mesmo titular; débito para aplicação numa aplicação financeira; empréstimo; levantamento de dinheiro; etc.

  15. O facto de existir um movimento bancário a débito, não significa que se esteja perante uma despesa do período, podendo ocorrer que, caso o movimento a débito se reporte a uma despesa, a mesma tenha sido incorrida há vários anos, servindo o movimento a débito para proceder ao respectivo pagamento penas e não para a contracção da despesa.

  16. Logo, o Relatório de Inspecção padece de obscuridade ao não permitir compreender porque motivos os movimentos bancários a débito do Recorrente foram considerados como despesas e quais as liberalidades que a AT considera ter detectado.

  17. As contas bancárias analisadas eram tituladas pelo Recorrente e pelo filho logo, a AT nem sequer explica porque motivo considera que foi o Recorrente a realizar as tais liberalidades e despesas que não identifica.

  18. Assim, a fixação da matéria tributável do Recorrente por métodos indirectos é desde logo ilegal por vício de fundamentação, o que, nos termos das disposições legais antecedentes deveria ter conduzido à respectiva anulação pela Sentença ora sob análise, que não o fazendo incorre em erro de julgamento.

  19. Tal vício de fundamentação é igualmente patente do Projecto de Relatório de Inspecção, o que impediu o Recorrente de apresentar cabal defesa contra a Pro- posta de decisão vertente, logo, também pelo referido deverá a Sentença recorrida e o acto tributário de fixação da matéria tributável do Recorrente serem anulados por erro de julgamento e violação frontal do disposto no art. 60.º e 77.º da LGT, respectivamente.

  20. A actuação da AT neste particular, para além de violar o dever de fundamentação, chega mesmo a violar o princípio da igualde, previsto no art. 55.º da LGT, que se invoca e do qual não se prescinde, pela diferença de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT