Acórdão nº 09766/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução15 de Setembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I – Relatório M... recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a reclamação que, ao abrigo do disposto no artigo 276º do Código de Procedimento e Processo Tributário, deduziu contra o despacho do Chefe de Finanças de ..., através do qual lhe foi determinado que procedesse à entrega das chaves do imóvel penhorado e vendido ao ..., S.A.

no âmbito do processo de execução fiscal nº... (e aps).

Tendo alegado, aí concluiu nos termos que infra reproduzimos: «I.

Perante a factualidade dada como provada, em especial, dos factos cujo teor se mostra transcrito nos artigos 1º a 5º, entende a Recorrente, que se impunha ao Tribunal a quo uma decisão distinta daquela que foi proferida.

II.

Em 15 de Janeiro de 2016, a ora Recorrente foi notificada, por correio, de que deveria proceder à entrega das chaves do imóvel no qual reside e que tomou de arrendamento (cfr. Doc. nº1, junto com a Petição Inicial).

III.

A notificação referida foi efectuada no âmbito do processo de execução fiscal nº..., que corre os seus termos junto do Serviço de Finanças de ... (cfr. Doc. n.º1, junto com a Petição Inicial).

IV.

De acordo com a informação inscrita na notificação emitida por parte da AT, a ora Recorrente deveria proceder à entrega das chaves do imóvel que corresponde à morada da Reclamante, no prazo de 10 dias, uma vez que, alegadamente existe um ónus anterior ao contrato de arrendamento, o qual determina ou justifica a invalidade do contrato de arrendamento.

V.

Sucede, porém que não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão, a qual veio a ser confirmada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, uma vez que a mesma não só é ilegal, como extravasa largamente aquilo que são as competências e atribuições do órgão de Execução Fiscal, sendo que o teor da mesma fere, de forma irreversível os direitos, as expectativas e as garantias da Recorrente.

VI.

A Recorrente é uma pessoa idosa e reside no prédio identificado há mais de 50 anos, embora tenha mudado para a fracção em causa apenas há cerca de 4 anos, iludida por um pedido do senhorio, que pretendia vender a casa onde primitivamente residia.

VII.

Com efeito, a Reclamante nasceu a 11 de Agosto de 1931, contanto nesta data 85 anos.

VIII.

A Reclamante é doente oncológica, conforme oportunamente se referiu, encontrando-se em tratamento e recuperação de cirurgia de amputação.

IX.

A Reclamante tem uma incapacidade superior a 90%, com sérios problemas de locomoção e necessitada de acompanhamento médico permanente, conforme oportunamente se referiu ao órgão de execução fiscal.

X.

Todo o processo de execução fiscal no âmbito do qual a venda executiva teve lugar é alheio à Recorrente, devendo esta ser considerada um terceiro de boa-fé, uma vez que nunca teve qualquer conhecimento da existência de qualquer ónus que onerasse a referida fracção previamente à outorga do referido contrato de arrendamento, tendo-lhe tal facto sido omitido.

XI.

Ainda que se diga que o acto de constituição de hipoteca é um acto público, não poderá deixar de se compreender que a Recorrente, que à data da assinatura do contrato de arrendamento tinha 81 anos, não tendo o ensino primário completo, não tinha o discernimento, capacidade e conhecimento para perceber que poderia existir um ónus anterior que onerasse o imóvel.

XII.

A Recorrente assinou um contrato de arrendamento convencida que iria viver a sua velhice e finais anos de vida descansada, no prédio onde casou, viveu e criou o filho e os netos.

XIII.

O Tribunal a quo não considerou na sua decisão nenhum destes factos e salvo o devido respeito, entende a Recorrente que a instância administrativa não será o lugar apropriado para ver julgada a sua pretensão de fundo relativamente à validade do contrato, e ainda para produzir toda a prova que repute conveniente, o qua apenas lhe será garantido, na sua plenitude, no eventual recurso aos meios civis.

XIV.

O contrato de arrendamento que subscreveu, apresentava exactamente as mesmas condições do anterior relativo à fracção do 1º Andar, justamente porque a Recorrente foi iludida e quase forçada pelo anterior proprietário a transitar para a fracção correspondente ao R/c direito, apenas por conveniência deste.

XV.

Nunca teve a Recorrente conhecimento de qualquer hipoteca que onerasse o imóvel, uma vez que tal facto nunca lhe foi transmitido, nem tem a Recorrente capacidade e discernimento para o compreender.

XVI.

A venda realizada pelo Serviço de Finanças de ... e a própria condução do processo de venda foi deficiente e levou a Recorrente a não reagir, baseando-se em informações incorrectas transmitidas pelo Órgão de Execução Fiscal.

XVII.

Com efeito, o Serviço de Finanças de ... notificou a Reclamante para exercer o seu direito de preferência, na qualidade de arrendatária - Cfr. Doc. Nº 2, junto com a Petição Inicial e facto provado sob a alínea L).

XVIII.

Estranha a Recorrente que assim tenha procedido o Órgão de Execução Fiscal na medida em sempre teve conhecimento que o imóvel se encontrava hipotecado a uma qualquer entidade bancária.

XIX.

O órgão de execução fiscal também tinha conhecimento que o imóvel se encontrava arrendado, porque o contrato de arrendamento foi participado e à Autoridade Tributária.

XX.

Para além da notificação para preferir, a Recorrente foi, igualmente notificada do aviso de venda do qual constava a referência ao contrato de arrendamento da Reclamante e do prazo do mesmo, nos seguintes termos: "A referida fracção encontra-se arrendada. O contrato teve início em 2011-01-01 e tem a duração de 30 anos" - cfr Doc. Nº3 o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais XXI.

Ora, tais factos, revelam uma condução do processo manifestamente deficiente, ou pelo menos susceptível de incutir no espirito da Recorrente uma sensação de segurança, na medida em que esta estava certa que o contrato de arrendamento, por válido, iria acompanhar a eventual transmissão da propriedade do imóvel.

XXII.

Por outro lado, se considerarmos que não se trata de negligência ou de uma deficiência no procedimento adoptado, deparamo-nos com problemas e hipóteses bastantes mais sérias, na medida que na venda judicial foi referido um ónus que na verdade o órgão de execução entende que não existe, o que certamente afastou outros interessados em adquirir o imóvel XXIII.

É absolutamente legítimo concluir que a Reclamante foi conduzida a não exercer o seu direito de preferência, por actos praticados pelo órgão de execução fiscal, actuação que, a manter-se, produzirá danos irreparáveis na esfera de terceiro, entenda-se, da Recorrente.

XXIV.

É igualmente legítimo concluir que a entidade bancária adjudicante também teve conhecimento do arrendamento antes da venda.

XXV.

Os actos e a forma de actuar supra descrita revelam uma manifesta falta de interesse da Autoridade Tributária no cumprimento e exercício dos direitos de cidadãos, sejam eles ou não devedores, ou, como no caso em apreço, terceiros de boa-fé.

XXVI.

A presente decisão, a manter-se e produzindo os danos irreparáveis, de entre os quais se destacam o despejo de uma senhora de 85 anos com uma pensão de cerca de 200 euros, é geradora de responsabilidade civil e criminal, não prescindindo a Reclamante de exercer tais direitos e de dar a conhecer a presente decisão e processo de condução da venda.

XXVII.

Não compete, nem nunca competiu ao órgão de execução fiscal ou à Autoridade Tributária decidir pela validade ou invalidade de um contrato.

XXVIII.

A discussão relativa à validade de um contrato de arrendamento compete aos tribunais civis (cfr. art.º64 do Código de Processo Civil), encontrando-se tal discussão da dependência da interposição de uma acção com esse objecto e causa de pedir, o que nunca aconteceu.

XXIX.

Para além da ilegalidade intrínseca que fere a decisão do órgão de execução fiscal, por falsidade da informação transmitida aos interessados e igualmente porque extravasa, em larga escala as competências do órgão de execução fiscal, julga-se, ainda assim, incorrectamente interpretada a questão de direito subjacente à decisão proferida.

XXX.

Nos termos do artº1057º do CC "o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador".

XXXI. A venda do locado não faz cessar o arrendamento, pois o respectivo adquirente sucede ex lege na posição do senhorio (sub-rogação legal no contrato).

XXXII. Relativamente ao locatário, por seu turno, a situação jurídica de que é titular subsiste intocada, não obstante a alienação do direito, ocorrendo tão-somente uma modificação subjectiva quanto à pessoa do locador.

XXXIII.

E como se trata de uma transmissão por efeito da lei o acordo do locatário não é necessário, como seria a regra nos termos do artº424º, nº1, do CC.

XXXIV.

O arrendamento celebrado é oponível ao novo proprietário do locado, a transmissão da fracção autónoma não constitui fundamento de impossibilidade de cumprimento do contrato.

XXXV.

Aqui chegados, não pode o Recorrente concordar, de forma alguma, com a sentença proferida, devendo a mesmo ser substituída por outra decisão que anule o acto praticado pela AT.

XXXVI.

É objectivo, face aos factos retratados e documentos juntos, o quão prejudicial é a actuação da AT quanto aos direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente.

XXXVII.

Em suma, a notificação agora reclamada é manifestamente ilegal, por violação do disposto nos artigos art.º1057º do CC e ainda o art.º64º do CPC, pelo que tal acto deverá ser revogado em toda a sua extensão.

XXXVIII.

Em sequência, e como corolário do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos da Reclamante, requer-se que seja imediatamente ordenado a anulação do despacho aqui posto em crise.

XXXIX.

Na verdade, caso assim não se entenda, e ainda que não seja este o lugar ou a sede para se verterem estados de espírito, sempre se deverá considerar que existem casos limite, perante os quais aplicação de uma determinada disposição legal se mostra...

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