Acórdão nº 10188/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Fevereiro de 2018
Magistrado Responsável | ANA CELESTE CARVALHO |
Data da Resolução | 28 de Fevereiro de 2018 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O Município de Sintra, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 14/11/2012, que no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária instaurada pela Sociedade Construções …………………., Lda.
, julgou improcedente a exceção de prescrição e a ação parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar à Autora, a título de danos patrimoniais, os montantes de € 65.077,36, despendidos com a emissão dos alvarás de licença n.ºs 77/96 e 78/97, juros de mora desde 23/01/2004 até 22/01/2009 sobre a importância de € 65.077,36, à taxa legal, a quantia que vier a ser liquidada, correspondente ao material e mão de obra gastos pela Autora, com a movimentação de terras, fundações, muralhas e pilares, nos lotes A e B, no período entre 26/01/1996 e 27/03/1996 e os juros de mora sobre a importância de € 65.077,36 e a que vier a ser liquidada para pagamento das obras realizadas pela Autora, nos lotes A e B, entre 26/01/1996 e 27/03/1996, desde a citação do Réu (30/01/2009), até integral pagamento das quantias em dívida, absolvendo o Réu do demais peticionado.
Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 637 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “I. A douta sentença recorrida faz uma errada interpretação e aplicação da lei.
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Designadamente quando determina o regime de prescrição aplicável aos factos provados.
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Quando faz uma contagem dos prazos de prescrição oponíveis pelo ora recorrido a partir do trânsito de uma decisão judicial em que o ora recorrido não foi parte, IV. E quando considera aplicável o regime do enriquecimento sem causa ao pedido de indemnização da ora recorrida, presumindo erradamente que o Município obteve algum benefício das obras realizadas pela recorrida, sendo certo que tal não é verdade e não consta de nenhum dos factos provados.
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Por outro lado, a sentença não se pronuncia sobre quais as obras realizadas pela recorrida no período que decorreu entre a emissão do alvará e a declaração da sua nulidade e notificação do respetivo embargo, devendo ser indemnizadas, limitando-se a remeter tudo para execução de sentença.
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E padece ainda de um erro material quando confunde o valor total do pedido da recorrida com o valor pedido a título de indemnização pelas obras realizadas, condenando o Município em indemnização superior ao pedido.
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A douta sentença recorrida não atendeu ao facto de os alvarás n.º 77/96 e 78/96 terem sido emitidos pela Câmara Municipal de Sintra em nome do chamado B........... A..........., proprietário dos lotes de terreno em causa, embora tal resulte dos factos provados, designadamente alínea R).
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Pese embora tenha sido a recorrida a pagar os alvarás (factos provados EE) o pagamento não foi feito em nome próprio mas em nome do chamado, único interlocutor com o Município e única pessoa com legitimidade para intervir no processo de licenciamento uma vez que a propriedade era sua e sempre se manteve sua por incumprimento do contrato promessa de compra e venda celebrado com a recorrida.
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Pelo que o direito à restituição do valor pago pelos alvarás sempre seria do chamado e não da recorrida.
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Acresce que tal direito já prescreveu e a prescrição foi devidamente invocada pelo ora recorrente, mas não atendida.
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De facto, após concordar que o regime da responsabilidade civil extracontratual aplicável ao caso é o previsto no Decreto Lei n.º 48051, de 21.11.1967, por remissão do DL 555/99, de 16.12.1999, a sentença conclui que é aplicável ao caso o art.º 482.º do Código Civil.
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E que só após uma ação que correu entre recorrida e chamado estão reunidos os pressupostos da contagem do prazo de prescrição, designadamente porque só com a notificação do acórdão proferido em última instância a recorrida ficou a saber quem era responsável pela indemnização.
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Ora, não se pode concordar com tal raciocínio, até porque da mesma sentença se retira que foi a recorrida que pagou o valor dos alvarás, bem sabendo a quem os pagou, que o despacho de embargo das obras lhe foi notificado e, é a própria recorrida que logo em 1999 vem apresentar um requerimento à câmara, ora recorrida, com o fim de fazer interromper a prescrição, demonstrando pleno conhecimento da pessoa do responsável.
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Pelo que a argumentação da douta sentença no sentido de a recorrida só ter conhecido o responsável pela devolução dos valores pagos após o acórdão do STJ de 09.09.2008 cai pela raiz.
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Até porque tudo indicia que o pagamento dos alvarás fosse parte do preço no negócio entre a recorrida e o chamado uma vez que a recorrida pagou os alvarás em nome do chamado e agiu judicialmente contra o chamado e não contra a Câmara Municipal ou o Município de Sintra.
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Por outro lado, tendo a ação corrido entre a ora recorrida e o chamado, a decisão do processo não é oponível ao ora recorrente.
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Se o Município ora recorrente tivesse sido parte na ação teria suscitado a questão dos alvarás serem parte do preço no negócio entre a recorrida e o chamado, a questão da propriedade dos lotes e das obras neles erigidas e a questão da legitimidade da recorrida, XVIII. Questões que não foram apreciadas porque não foram suscitadas.
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O STJ acaba por se pronunciar lateralmente sobre a questão da responsabilidade da câmara, sendo certo que não estava na posse de todos os elementos pertinentes à solução dessa lide, porque não era esse o pedido.
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Por esta ordem de razões, a decisão proferida num processo só vincula as partes na relação controvertida posta perante o tribunal e não quaisquer outras (n.º 1 do art.º 671.º do Código de Processo Civil - CPC).
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O mui douto Acórdão proferido pelo STJ no processo 08A035, de 01.04.2008 e publicado em www.dgsi.pt esclarece que “De harmonia com o preceituado nos artigos 497.º, n.º 1, e 498.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a excepção do caso julgado tem como pressuposto a repetição de uma causa decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, repetindo-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
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E mais à frente continuam os venerandos conselheiros dizendo “A chamada força ou autoridade reflexa do caso julgado também pressupõe, tal como a excepção do caso julgado, a tríplice identidade prevista no artigo 498.º do Código de Processo Civil.” XXIII. Depois, socorrendo-se dos ensinamentos do Professor ALBERTO DOS REIS, continua expendendo que “não é possível criar duas figuras distintas – o caso julgado excepção e a autoridade do caso julgado –, pelo que está errado quem entenda que «o caso julgado pode impor a sua força e autoridade, independentemente das três identidades mencionadas no art. 502º» (actual 498.º).
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É bem evidente que no caso falha a identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, pelo que a decisão não é oponível ao Município de Sintra.
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Pelo que aquela ação não interrompeu o prazo prescricional, donde, o direito a pedir a devolução do valor dos alvarás prescreveu, tanto para a recorrida como para o chamado.
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Acresce que a mui douta decisão recorrida aplica o regime da prescrição do enriquecimento sem causa ao pedido de indemnização pelas obras realizadas pela recorrida, alegadamente ao abrigo dos alvarás de licenciamento 77/96 e 78/96.
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Ora, como bem refere a douta sentença, o regime aplicável à indemnização por responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, como é um município, é o que decorre do DL 48051, de 21.11.1967, aplicável à data dos factos, até por força do disposto no art.º 70.º do DL 555/99, de 16.12, na redação dada pelo DL 177/2001, de 04.06.
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Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do DL 48051, de 21.11.1967 é aplicável o disposto nos artigos 498.º, 318.º e 323.º do Código Civil.
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Logo, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (art.º 306.º e 498.º C. Civil).
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Ou seja, o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público, como é o Município de Sintra, prescreve nos termos do art.º 498.º do Código Civil e não nos termos do art.º 482.º como acaba por concluir, mal, a mui douta sentença.
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De facto, a recorrida realizou obras nos lotes que eram propriedade do chamado e agora dos herdeiros, por morte daquele.
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Dessas obras não retirou o recorrente qualquer benefício.
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A haver algum enriquecimento, o que não se provou, esse será para o chamado e herdeiros que nunca deixaram de ser os proprietários dos lotes uma vez que a promessa de compra e venda nunca foi realizada.
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Assim, não se compreende como a douta sentença entendeu aplicável o regime do enriquecimento sem causa ao pedido de indemnização pelas obras realizadas contra o Município de Sintra.
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É aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem que fica obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou e o Município de Sintra não se locupletou com nada.
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Assim, não se compreende o afastamento do regime do art.º 498.º do Código Civil para aplicar o art.º 482.º do Código Civil, quando a remissão do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público se faz expressamente para aquele artigo e a factualidade subjacente em nada se relaciona com o regime do enriquecimento sem causa.
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Assim, o prazo prescricional é de 3 anos e conta-se, nos termos do art.º 498.º do Código Civil, desde a data em que o lesado tem conhecimento do direito à indemnização.
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No caso, a recorrida tinha conhecimento do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, pelo menos, desde a data do embargo da obra, ou seja, desde 27.03.1996.
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A ora A. poderia exercer o seu pretenso...
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