Acórdão nº 319/06.7TASPS.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR DE OLIVEIRA
Data da Resolução19 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal singular com o nº 319/06.7TASPS do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu o arguido A...

, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento acusado da prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível pelo artigo 148º n.º1 e n.º 3 do Código Penal, com referência ao artigo 144º alíneas a) e c) também do Código Penal.

O ofendido, C..., deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia global de €70,000,00 (setenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida da quantia a título de danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes que viesse a reclamar depois de conhecida a IPP que lhe seja atribuída em resultado do exame médico-legal, bem como juros, à taxa legal, desde a data da prática dos factos até efectivo pagamento.

Mais peticionou a condenação do arguido no pagamento de todas as despesas que vierem a ser suportadas pelas instituições de saúde que lhe prestaram assistência médica ou quaisquer outros serviços em consequência das lesões sofridas.

Posteriormente ampliou o pedido, requerendo a condenação do requerido no pagamento da quantia de €120.000,00 a título de lucros cessantes – danos patrimoniais futuros. (ampliação admitida).

A Companhia de Seguros B..., S.A. deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando o pagamento da quantia global de €34.478,34, posteriormente ampliado para €42.482,72.

Posteriormente ampliou o pedido para €42.482,72. (ampliação admitida) O arguido A... requereu a intervenção da Companhia de Seguros D..., Companhia de Seguros E...a, S.A. em virtude de ter celebrado com aquela um contrato de seguro através do qual transferiu a sua responsabilidade civil profissional. Foi admitida a intervenção.

A Companhia de Seguros B..., S.A. e C... requereram a intervenção principal provocada do Hospital de Y..., E.P.E, actualmente Centro Hospitalar AA..., E.P.E.. Foi admitida a intervenção.

Realizada a audiência de julgamento, em 27 de Fevereiro de 2013 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: Em face do exposto, decide-se: a) Condenar o arguido A... como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência previsto e punível pelo artigo 148º n.º 1 e n.º 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 25,00 (vinte e cinco euros); b) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização formulado pelo demandante C... e condenar o demandado Centro Hospitalar AA..., E.P.E. no pagamento àquele: · Da quantia de € 50,000,00 (cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a sentença até efectivo e integral pagamento; · Da quantia de € 88.305,78 (oitenta e oito mil trezentos e cinco euros e setenta e oito cêntimos) a título de danos patrimoniais, pela incapacidade para o trabalho, quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a sentença até efectivo e integral pagamento; · Absolvendo-o do demais peticionado; c) Julgar o arguido/demandado A... e a Companhia de Seguros D..., Companhia de Seguros, S.A. partes ilegítimas para intervir nos pedidos de indemnização civil formulados e, em consequência, absolvê-los da instância; d) Julgar intempestivo o pedido de indemnização civil formulado pela Companhia de Seguros B..., S.A e, em consequência, rejeitá-lo; e) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando em 2 UC o valor da taxa de justiça devida, acrescida de 1 %, por força do disposto no artigo 13º n.º 3, do DL n.º 423/91, de 30 de Outubro e fixando-se ½ da taxa de justiça devida a título de procuradoria e nos encargos que a sua conduta deu causa (artigos 74º, 82º n.º 1, 85º n.º 1 alínea b), 89º n.º 1 alínea b) e g) e 95º n.º 1 e n.º 2 do C.C.J, 513º n.º 1 e n.º 2, 514º n.º 1 do C.P.P.).

Inconformado, recorreu o arguido A....

Na sequência desse recurso foi proferido acórdão nesta Relação, em 27 de Novembro de 2013, que declarou nula a sentença recorrida por valoração de meio de prova proibido, ordenando a prolação de nova sentença pela Mmª Juiz que proferiu a primeira, expurgada de tal vício (valoração do depoimento da testemunha I...).

Em 14 de Fevereiro de 2014 foi proferida na 1ª Instância nova sentença que reproduz o dispositivo anterior.

Inconformado recorreu o arguido A...

, condensando a respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. A douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, é, salvaguardando o respeito devido, nula, na medida em que não cumpre satisfatoriamente a injunção contida no artigo 374º, 2, do CPP, designadamente no segmento em que tal inciso legal impõe que a decisão proceda ao exame crítico da prova.

  1. Na verdade, como resulta dos autos, a douta sentença de que se recorre emerge como "remake" de outra anteriormente exarada pela mesma Mma. Juíza.

  2. Todavia, no que tange a tal primeira decisão, foi julgado em Acórdão proferido por esta Relação que a mesma usava meio de prova cuja cognoscibilidade lhe era vedada por consubstanciar "depoimento indirecto", nos termos do artigo 129° do CPP, e ordenada a feitura de nova decisão, expurgada desse depoimento.

  3. Todavia, a sentença agora em recurso é em tudo idêntica à anterior - dela constando ainda o resumo do depoimento julgado indirecto - só acrescentando que tal depoimento não foi valorado porque considerado ilegal.

  4. Ora, assim sendo, fica sem se perceber, paradigmaticamente, em que medida os diferentes meios probatórios percutiram o espírito da Mma. Juíza ...

  5. Com efeito, não é possível ultrapassar uma evidente aporia: se o referido depoimento era inútil para a formação da convicção por que razão foi o mesmo usado na primeira decisão? 7. E se, afinal, o mesmo contribuiu para a formação da convicção da julgadora, em que elementos remanescentes se colheu a lacuna que a sua necessária desconsideração imperativamente provocou? 8. Ou seja, o esforço decisório não esclarece como os meios probatórios - efectivamente - percutiram ( ou deixaram de percutir) o espírito da Julgadora ...

  6. E em que medida se revelaram determinantes para a assunção factual efectuada.

  7. Ora tal espécie de actuação é proscrita pela lei - nulidade do artigo 379°, 1, a) do CPP - e pela CRP - art. 205°/1.

  8. Na verdade, ao bastar-se com alusão tabelar a que o meio de prova em causa não foi considerado e sem especificar e examinar criticamente a forma como a prova restante permitiu suprir a lacuna criada incorreu-se na nulidade plasmada na al. a) do n." 1 do artigo 379º do CP Penal.

    Sem prescindir, 12. Também no segmento do julgamento de facto, a douta decisão não se mostra imune a um discurso crítico.

  9. Assim, no que tange ao cumprimento do estatuído no artigo 412°, n.º 3 do CP Penal, consideram-se incorrectamente julgados os pontos de facto provados sob os números 4, 19, 20, 21. 27, 28, 29, 30, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46 e 47, 14. Na verdade, no que respeita especificamente aos pontos 4 e 19, o Tribunal valorou integralmente a versão da consulta transmitida pelo demandante, 15. Omitindo que o arguido desenvolveu narrativa completamente distinta do mesmo episódio, unicamente vivenciado e presenciado por ambos.

  10. Assim, o depoimento do ofendido surge também como ferido por incontornável aporia.

  11. Na verdade, confrontado o ofendido com a queixa constante de fls. 2 - cuja leitura foi autorizada em julgamento - constata-se que ele aí apenas refere que estava a trabalhar e sentiu uma forte dor no olho.

  12. Ou seja, na narração inicialmente efectuada pelo ofendido precisamente na peça que despoletou o processo penal em causa nada foi dito quanto ao facto de se martelar aço com aço e do material atingido se ter estilhaçado, com penetração ocular de parte do(s) estilhaço(s).

  13. Ou, muito menos, se narrou que tal incidente foi, dessa forma, narrado ao recorrente.

  14. Ora, confrontado com esse facto, o ofendido não deu qualquer explicação em audiência de discussão e julgamento, limitando-se a dizer que "Na altura, na altura quando fui fazer a queixa, quando me puseram a fazer, pronto, eu li mas pensei que isso batesse a mesma coisa, mas sei lá."; e a pergunta do signatário: Então a sua explicação para isto é que o Sr. efectivamente contou o mesmo que nos contou aqui e que terá sido o transcritor que omitiu e deixou de fora essa sua referência, respondeu "De certeza". (minuto 40, segundo 37, a minuto 41, segundo 35, do respectivo depoimento.

  15. Ou seja, fica por esclarecer a razão para que a queixa apresente uma versão minimalista, comparada com aquela narrada na audiência de julgamento, 22. Contrariando, manifestamente, as regras da experiência comum que o funcionário receptor ousasse resumir, deturpando radicalmente, a queixa efectuada à singeleza com que a mesma vem expressa ...

  16. Ora, a versão da queixa é coincidente com a narração feita pelo arguido na audiência de discussão e julgamento.

  17. Na verdade, do depoimento do recorrente, sessão de 6 de Dezembro de 2012, ficheiro 201 212 061 023 30 1 929 45 6 5354.wma, das 10:23:31 a 11:31:24, com a duração de 1h.07.52 resulta que este narra versão radicalmente diferente da sustentada pelo lesado.

  18. Na verdade, refere que o ofendido apenas lhe disse que apertava um objecto com um instrumento de metal, que este resvalou e lhe atingiu o olho, 26. Em momento algum admitindo que o ofendido lhe tivesse dito que martelava aço, que este se desfez e que teve a sensação de entrada de um estilhaço no olho! 27. Tal, de facto, ajusta-se à participação efectuada que apenas refere "trabalho" e sensação de "dor forte", sem qualquer menção a martelar e a aço desfeito ...

  19. Neste conspecto, resulta incompreensível que se crisme a versão do arguido de inconvincente e convincente o do ofendido.

  20. Mais a mais, quando o ofendido não logra explicitar a razão de duas versões dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT