Acórdão nº 1262/10.0TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução22 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO No processo comum n.º 1262/10.0TACBR supra identificado, após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu: - julgar improcedente por não provada a acusação e, consequentemente, absolver a arguida A...

da prática do crime de falsificação p. e p. pelo artigo 256.º, n.ºs 1, als. a) e d), e 3, do Código Penal; - julgar improcedente por não provado o pedido de indemnização civil deduzido por B... e C..., do mesmo absolvendo, integralmente, a arguida e demandada.

* O Ministério Público não se conformou com a decisão proferida, e dela interpôs o presente recurso, de onde extraiu as seguintes conclusões: 1- O recurso circunscreve-se à apreciação dos vícios previstos nos arts. 374°, n.º 2, 379°, n.º 1, als. a) e c) e 410°, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal e à interpretação e aplicação do art. 256°, n.º 1, al. d) do Código Penal.

2- A sentença ao não dar como provado, nem como não provado a parte final do parágrafo nono da acusação - « o que nunca poderia ter ocorrido se tivesse sido declarada a existência daquelas dívidas da sociedade » - não deu integral cumprimento ao ordenado pelo art. 374°, n.º 2 do Código de Processo Penal, tornando nula a decisão conforme decorre do art. 379°, n.º 1, al. a) daquele mesmo diploma legal.

3- Do mesmo modo, não se pronunciou o Tribunal sobre facto imprescindível à decisão da causa, devidamente descrito na peça acusatória - parte final do parágrafo nono conforme explanamos em II. A) - o que igualmente implica a nulidade da decisão nos termos do preceituado na al. c) do n.º 1 do art. 379° do Código de Processo Penal.

4- Do texto da sentença (sobretudo do confronto da factualidade nela dada como provada e não provada), por si só e conjugada com as regras da experiência, pelas razões acima indicadas na motivação, que se dão aqui por reproduzidas, é visível a existência de erro notório na apreciação da prova, conforme melhor explanado na motivação, ponto II.B), que damos por integralmente reproduzido.

5- Sendo manifesto, pois, um vício de raciocínio na valoração da prova produzida, ao arrepio das regras da normalidade e experiência comum.

6- Desde logo, na parte em que foi dado como não provado o que consta dos pontos 2) e 3) dos factos não provados, ou seja, o elemento subjectivo do tipo, tendo em conta tudo o que deu como provado nos pontos l) a 15).

7- Deverá, pois, passar a constar dos factos dados como provados os pontos 2) e 3) dos factos não provados, que assim deverão ser eliminados dos « factos não provados ». 8- O ponto 14 dos factos provados deverá passar a ter a seguinte redacção: «Com base nas declarações prestadas pela arguida, a Escriturária Superior daquela Conservatória do Registo Comercial de Coimbra proferiu nesse mesmo dia o competente despacho de procedimento de extinção imediata de sociedade comercial, determinando a feitura do registo de dissolução e encerramento da liquidação bem como o cancelamento da respectiva matrícula, o que nunca poderia ter ocorrido se tivesse sido declarada a existência daquelas dívidas da sociedade».

9- Todos os factos a considerar nos termos expostos, integram sem qualquer dúvida os elementos, objectivos e subjectivos, do tipo legal previsto no art. 256°, n.ºs, 1, als. a) e d) e 3 do Código Penal.

10- Na verdade, a conduta da arguida integra falsidade intelectual de documento - declaração de facto falso juridicamente relevante - subsumível, por isso, à previsão do citado art. 256°, n.º l , al. d), ao invés da errónea interpretação e aplicação da mesma norma efectuada pelo Tribunal.

11- E, assim, deveria a arguida ter sido condenada pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, n.ºs 1, als. a) e d) e 3 do Código Penal, o que agora se propugna.

12- O tribunal ao absolvê-la violou o disposto nos arts. 374°, n.º 2, 379°, n.º 1, als. a) e c), 410°, n.º 2, al. c) e 127° do Código de Processo Penal, bem como do art. 256°, n.º1, al. d) do CPenal.

Termos em que, deverá ser concedido provimento ao recurso interposto, conhecendo-se dos vícios invocados, com as legais consequências, e alterando-se a decisão recorrida em conformidade, com a consequente condenação da arguida pela prática do crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256°, n.ºs 1, als. a) e d) e 3 do Código Penal.

*A arguida apresentou resposta, defendendo que deve ser mantida a sentença recorrida.

*Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser declarada nula a sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP, porquanto «Confrontando o texto da acusação com os factos dados por provados e por não provados pela douta sentença, verifica-se, na verdade, que no ponto 14 dos factos dados por provados, apenas se deu por provado parte do parágrafo 9º da acusação, não constando quer dos factos provados, quer dos factos não provados, o seguinte facto que também dela constava: “o que nunca poderia ter ocorrido se tivesse sido declarada a existência daquelas dívidas da sociedade”».

Conclui o Exmº PGA que «se não for declarada a nulidade da sentença (por se entender tratar-se de matéria conclusiva ou de direito), deve ser dado provimento ao recurso, condenando-se a arguida pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, al. d) do Código Penal».

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, a arguida respondeu pugnando pela manutenção do decidido.

Os autos tiveram os vistos legais.

*** II- FUNDAMENTAÇÃO Da sentença recorrida consta o seguinte (por transcrição): “ A) DOS FACTOS PROVADOS: Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1 – A arguida é a única sócia e gerente da sociedade por quotas que adoptou a firma “D..., UNIPESSOAL, L.da”, com sede social no (...), Montemor-o-Velho, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Montemor-o-Velho por apresentação de 16/01/2006 e titular do NIPC (...); 2 – Em 17/02/2007, a sociedade D..., UNIPESSOAL, L.da, celebrou o contrato promessa de compra e venda com B... e C..., cuja cópia consta de fls. 11 e ss. dos autos e cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido, mediante o qual aquela prometia vender e estes prometiam adquirir o prédio urbano inscrito na matriz predial rústica sob o n.º (...)da freguesia de Pereira, Montemor-o-Velho; 3 – B... e C... entregue à referida sociedade a quantia de € 20.000,00, a título de sinal, e, posteriormente, mais € 20.000,00, a título de reforço de sinal; 4 – A referida sociedade era devedora de IVA ao Estado; 5 – A Fazenda Nacional instaurou contra a D..., UNIPESSOAL, L.da, o processo de execução fiscal que correu os seus termos sob o n.º 0795200701013947; 6 – Tendo sido no mesmo, em 20/02/2008, penhorado o prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo(...).º da freguesia de Pereira (com origem no artigo matricial 1591.º), para garantia do pagamento de dívida no valor de € 115.841,43, relativa a IVA não pago por aquela sociedade; 7 – Desse processo de execução foi a arguida notificada, em representação da D..., UNIPESSOAL, L.da, em 24/07/2007; 8 – E foi citada da penhora do referido imóvel em 21/04/2008; 9 – No desenrolar daqueles autos de execução fiscal, o mencionado prédio veio a ser vendido, em 28/08/2008 ao E..., S.A., na sequência da apresentação de propostas em carta fechada; 10 – A escritura pública de compra e venda relativa àquele contrato promessa não veio a concretizar-se; 11 – A arguida, em representação da sociedade D..., UNIPESSOAL, L.da, não devolveu a B... e C..., as quantias entregues a título de sinal e reforço de sinal, nem a indemnização correspondente; 12 – A arguida sabia que o incumprimento do contrato promessa era imputável à sociedade D..., UNIPESSOAL, L.da; 13 – No dia 29 de Setembro de 2008, a arguida compareceu na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra, nesta Cidade e comarca de Coimbra, e, perante a escriturária superior daquela Conservatória, declarou que é a única...

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