Acórdão nº 35/07.2JACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução22 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Juízo de Média Instância Criminal – Aveiro, da Comarca do Baixo Vouga corre termos o processo comum singular nº 35/07.2JACBR onde é arguida A...

, com os demais sinais nos autos, que se encontra pronunciada pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nº 2, a), ambos do C. Penal, e pela prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art. 4º, nºs 1 e 3 da Lei nº 109/91, de 17 de Setembro, com referência aos arts. 26º e 386º, ambos do C. Penal.

A Direcção de Saúde e Assistência na Doença da Guarda Nacional Republicana (DSAD) deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 875,02, acrescida de juros de mora desde a data dos factos e até integral pagamento.

A Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. (ACSS) deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 138.487,05, acrescida de juros vincendos, à taxa legal, desde a notificação do pedido e até integral pagamento.

Na contestação que apresentou aos pedidos de indemnização deduzidos, a arguida requereu, nos termos do art. 317º do C. Processo Civil, a intervenção provada do Estado Português e do Hospital B....

Por despacho de 19 de Fevereiro de 2014 foram as partes remetidas para os tribunais civis, quanto aos pedidos de indemnização.

* Inconformada com a decisão, recorreu a arguida, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1 – No processo n.º 35/07.2JACBR – Juiz 2, dos Juízos de Média Instância Criminal da Comarca do Baixo Vouga, do despacho proferido pela Mmª Juíza em 19.02.2014, consta designadamente o seguinte: "Veio a arguida A... requerer a intervenção provocada do Estado Português e, bem assim do Hospital B..., alegando que, caso venha a ser condenada no pagamento de qualquer quantia, tem sempre o direito de regresso por esse pagamento, contra o Estado e contra o Hospital, entidades que beneficiaram desse alegado enriquecimento ilícito, injustificado e sem justa causa.

Notificados para se pronunciar o Ministério Público e os demandantes civis, apenas o Ministério Público se pronunciou no sentido de nada ter a opor quanto à intervenção provocada requerida e, por via dessa admissibilidade, entende ser de remeter as partes para os meios comuns para resolução da questão cível.

… A este propósito, verificando-se que, a questão suscitada de intervenção provocada, inerente aos pedidos de indemnização civil formulados, poderia fazer atrasar, desde logo, o inicio do julgamento (agendado para o próximo dia 7 de Março de 2014), sendo que estamos perante factos que remontam já ao ano de 2007, conclui-se que tais situações, na fase processual em que a questão se colocou ao tribunal, provocam um retardamento intolerável do processo penal motivado pelas questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil – sendo hipoteticamente configuráveis situações de demora excessiva provocadas por estes incidentes, quer pela impossibilidade de citação antes da data designada para a realização do julgamento, quer pela possibilidade de oposição à intervenção provocada – pelo que se entende, nesta fase, que essa intervenção afectaria o direito da própria arguida a um julgamento célere e com garantias de defesa, nos termos constitucionalmente consagrados, pelo que se decide remeter as partes para os tribunais civis no que aos pedidos de indemnização civil diz respeito, nos termos do art. 82º, n.º 3 do Código de Processo Penal".

2 – Salvo o devido respeito, tal despacho revela-se num flagrante e inadmissível atentado contra os mais elementares direitos de defesa da arguida constitucionalmente consagrados.

Senão veja-se: 3 – A ora recorrente, à data dos factos objecto dos presentes autos, para além do cargo de Directora do Serviço de Gestão de Doentes no Hospital B..., sito em x..., era médica no serviço de Ortopedia.

4 – A função de directora do serviço de gestão de doentes, é uma função gratuita de nomeação do Conselho de Administração, feita para efeitos de coordenação dos serviços, e para essa função, o Conselho de Administração escolhe o médico competente e respeitado pelos demais colegas e pelos funcionários por forma a esbater o mais possível quaisquer atritos que surjam na interligação entre as várias áreas clínicas e o funcionamento normal do hospital, pelo que recorrente, nenhuma interferência, nem interesse tinha, teve ou tem nos resultados económicos, financeiros ou administrativos do Hospital B..., facto a que foi totalmente alheia, e o único objectivo que tinha e tem num hospital é os doentes serem o mais bem tratados possível, e obter bons resultados clínicos, mais nada.

5 – Na sua qualidade de directora clínica do serviço de gestão de doentes. a recorrente tem o direito de exigir do pessoal administrativo, no que toca à gestão de doentes, e sem que isso represente uma relação hierárquica vinculativa e funcional, o cumprimento das obrigações que forem mais eficazes e eficientes à gestão do serviço, no entanto, a ora recorrente, não tem, nem poderia ter qualquer interferência no tratamento administrativo, informático, contabilístico, económico e financeiro da entrada e da saída de doentes, pois em termos de tratamento administrativo dos doentes, os funcionários têm os seus superiores hierárquicos e é perante esses que têm o dever de obediência, orientação e lealdade.

6 – É totalmente falso que a recorrente tenha alguma vez dado ordens a quem quer que fosse para converter episódios de doentes operados em regime ambulatório. para episódios de internamento.

Acresce que, 7 – Na data de 31 de Dezembro de 2005, o Hospital B..., transformou-se em Entidade Pública Empresarial, antes dessa data o Hospital B... era uma sociedade anónima com um único accionista que era o Estado, conforme se alcança pela Lei 27/2002 de 8 de Novembro – alínea c) do n.º 1 do artigo 2º.

8 – Consagra o artigo 19º do citado diploma legal o seguinte: "Capitulo III – Sociedades anónimas de capitais públicos – Artigo 79º – Regime – 7 – Os hospitais previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 2° regem-se pelo disposto no capitulo I desta lei em tudo o que não seja incompatível com a sua natureza jurídica, pelo presente capitulo e nos respectivos diplomas de criação, onde constam os estatutos necessários ao seu funcionamento, pelo regime jurídico do sector empresarial do Estado, pela lei reguladora das sociedades anónimas, bem como pelas normas especiais cuja aplicação decorra do seu objecto social e do seu regulamento. 2 – A titularidade do capital social pertence apenas ao Estado e a empresas de capitais exclusivamente públicos, nos termos a definir nos respectivos diplomas de criação. 3 – Os direitos do estado como accionista, bem como os poderes de tutela económica, são assegurados conjuntamente pelos Ministérios das Finanças e da Saúde, de acordo com o regime jurídico aplicável e as orientações estratégicas definidas. 4 – Compete ao Ministro da Saúde verificar o cumprimento, pelos hospitais das orientações relativas à execução da política nacional de saúde, podendo, para o efeito, determinar especiais deveres de informação".

Por sua vez, o artigo 1º sob a epigrafe "Natureza", do Decreto Lei n.º 11/93 de 15 de Janeiro, que aprova o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, consagra o seguinte: "O Serviço Nacional de Saúde, adiante designados por SNS, é um conjunto ordenado e hierarquizado de instituições e de serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, funcionando sob a superintendência ou a tutela do Ministro da Saúde''.

9 – Nos termos do Código das Sociedades Comerciais, uma sociedade anónima, cujas acções tenham um único titular é uma sociedade de domínio total titulado pelo seu accionista no caso concreto o Estado, estabelecendo-se entre eles uma relação de grupo, assim, nos termos do artigo 501º de CSC o Estado é responsável por todas as obrigações do Hospital B... nos anos de 2004/2005 por força do domínio total que vigorava, assim como, nos termos do artigo 502º do CSC o Hospital B... nos anos de 2004/2005, tinha o direito de exigir que o Estado o compensasse de quaisquer perdas que por qualquer razão se verificassem na sua administração.

10 – Igualmente qualquer credor do Hospital B... tinha o direito nos anos de 2004/2005 de exigir do Estado o pagamento integral dos seus créditos.

11 – O Serviço Nacional de Saúde é uma entidade directamente dependente do Estado, sendo o Estado igualmente responsável integralmente por todos os créditos e débitos do SNS, bem como dos seus subsistemas ADSE e ADMG, significa isto que, quer os doentes estivessem em regime ambulatório ou em regime de internamento o custo de tais doentes e as receitas decorrentes desses custos, tanto para o Hospital B..., como para qualquer entidade decorrente do Ministério da Saúde, sempre eram neutros, pois sempre o Estado era simultaneamente credor e devedor de toda e qualquer quantia, significa também isto que, nunca a recorrente tinha a possibilidade legal de beneficiar o Hospital B..., mesmo que o quisesse (e nunca o quis, nem nunca teve consciência de praticar qualquer acto que beneficiasse ou prejudicasse alguém, quer o Estado ou qualquer subsistema de saúde, quer o Hospital B...), pois em qualquer uma das entidades referidas era sempre o Estado que era simultaneamente o beneficiário e pagador.

12 – Na situação concreta, sendo o Hospital B... à data dos factos uma sociedade anónima detida na sua totalidade por capitais públicos, os créditos e débitos dessa Unidade Hospitalar consolidam-se na mesma entidade – Estado, ou seja, o Estado é simultaneamente o pagador desses débitos, através do Ministério da Saúde – Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde, e credor na medida em que é o único accionista do Hospital B....

13 – Bastariam os factos atrás descritos para por si só tornarem impossível a prática do crime de burla...

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