Acórdão nº 1235/10.3TBTMR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução14 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório No Tribunal Judicial de Tomar, A...

Ld.ª, com sede na (...), Ílhavo, instaurou contra B...

e mulher, C...

, residentes na Rua (...) em Tomar, e D...

, residente na mesma morada, acção declarativa, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final fosse declarado nulo e ineficaz em relação à demandante o negócio de dação em cumprimento celebrado entre os RR, titulado por escritura pública celebrada a 18 de Dezembro de 2009 no Cartório Notarial de E..., na cidade de Tomar, e estes condenados a reconhecerem o direito da autora à restituição do imóvel ali identificado ao património dos RR B... e mulher, e ainda o de executarem o mesmo imóvel no património do 3.º Réu, na medida bastante e até satisfação integral do seu crédito de 85.911,45 € e juros moratórios à taxa legal de 8%, contados desde a data de vencimento de cada uma das letras de câmbio identificadas no art.º 1.º da petição inicial, e ainda a praticarem, se disso for caso, todos os actos de conservação desta garantia patrimonial autorizados por lei.

Em fundamento alegou, em síntese útil, ser a legítima portadora das sete letras de câmbio que identifica, titulando a quantia global de 85.911,45 € (oitenta e cinco mil, novecentos e onze euros e quarenta e cinco cêntimos). Tais letras foram sacadas pela demandante e aceites por “ G... – sociedade Unipessoal Lda.”, encontrando-se todas elas avalizadas pelo sócio gerente da sacada, o 1.º réu B.... Encontrando-se os títulos vencidos, nenhum dos identificados obrigados procedeu ao pagamento das quantias nelas inscritas, nem tão pouco à respectiva reforma, motivo pelo qual foram os aludidos montantes debitados pelo Banco à aqui autora e os títulos devolvidos.

A dívida subjacente à emissão das referidas letras de câmbio emerge de transacção comercial que se inscreve na actividade desenvolvida pelo 1.º réu marido e da qual resultam proventos que afecta à sua vida familiar, tratando-se por isso de dívida comunicável, por ela respondendo também a ré mulher.

Alegou ainda que, tendo por fundamento os identificados títulos de crédito, instaurou acções executivas contra a sociedade sacada e o 1.º réu (com pedido de citação da ré mulher a fim de estabelecer a comunicabilidade da dívida), tendo em vista a cobrança coerciva das quantias de que é credora, processos nos quais foi constatada a insuficiência de bens dos executados para responderem pela dívida.

Instaurado contra a sociedade G..., sociedade unipessoal, L.da processo de insolvência, nele foi a devedora declarada insolvente por sentença de 7/7/2010, devidamente transitada, sem que, também aqui, tenha sido possível apreender qualquer bem.

Acresce que, sabedores do crédito da autora e visando frustrar a sua cobrança, os 1.ºs RR declararam-se devedores ao 3.º réu, seu filho, da quantia de € 85 000,00, que dele disseram ter recebido a título de empréstimos particulares não titulados, dando em pagamento a fracção identificada na escritura celebrada a 18 de Dezembro de 2009, no Cartório Notarial de E..., na cidade de Tomar. Acontece que o declarado não corresponde à verdade, sendo seu único escopo subtrair ao património dos 1.º e 2.º RR o único bem de que eram proprietários, assim inviabilizando em absoluto, dada a inexistência de outros bens, a satisfação do crédito da demandante.

Mais alegou que os 1.º e 2.º RR não quiseram celebrar com o 3.º R qualquer contrato, ou operar por qualquer forma a transmissão do imóvel identificado na escritura, tratando-se de um negócio absolutamente simulado e, por isso, nulo, nos termos do art.º 240.º, disposição legal que expressamente convocou. Tal nulidade, todavia, não obsta à impugnação pauliana, cujos requisitos se verificam no caso em apreço, conferindo à autora o direito à restituição daquele bem na medida do seu interesse, conforme peticiona.

* Regularmente citados, os RR defenderam-se nos termos da peça que consta de fls. 158 a 170 dos autos, dizendo serem as letras de câmbio em causa “inexequíveis, inexigíveis e inexistentes”, porquanto, tendo tais títulos sido entregues em branco, apenas com a assinatura e o aval do 1.º réu, procedeu a autora ao respectivo preenchimento, o que fez sem autorização do subscritor, actuação que configura um verdadeiro abuso.

Em sede de impugnação alegaram que, quer a sociedade, quer o 1.º réu, detinham património suficiente para responder pela dívida, correspondendo ainda à verdade os factos declarados na escritura pública formalizadora do negócio de dação em pagamento entre todos celebrado, que como válido deve subsistir.

Com tais fundamentos concluíram pela sua absolvição dos pedidos.

A autora replicou, assegurando que as letras lhe foram entregues devidamente assinadas e completamente preenchidas, e tanto assim que nas execuções que com base nelas foram instauradas, os executados nenhuma oposição deduziram. Mais impugnou que os devedores tivessem património suficiente para solver a dívida o que, aliás, ficou cabalmente demonstrado, quer no âmbito dos processos executivos, quer no âmbito do processo de insolvência instaurado contra a sociedade sacadora.

* Dispensada a realização da audiência preliminar, prosseguiram os autos para julgamento, tendo a final sido proferida sentença que, na procedência da acção, declarou ineficaz em relação à autora a alienação efectuada pelos réus B... e mulher, C..., tendo por objecto a fracção identificada na escritura de dação em cumprimento outorgada a 18 de Dezembro de 2009, na medida do suficiente para pagamento do crédito da autora, podendo a autora executar estes bens no património do réu D....

Inconformados com o decidido, interpuseram os RR o presente recurso e, tendo apresentado as suas alegações, remataram-nas com as necessárias conclusões, das quais se extraem, com relevância, as seguintes: i. foi erradamente dada como assente a matéria vertida nos artigos 1.º e 2.º da base instrutória, conjugada com a al. A) da matéria assentes (factos 1., 12. e 13. da sentença), uma vez que a letra de € 26 547,37 foi reformada pelo título no valor de €23 747,00, só esta quantia sendo devida e tendo a aqui autora dado indevidamente à execução, em diferentes processos, ambos os títulos. Tal resulta da análise da certidão de fls. 778 a 819 e do depoimento da testemunha H..., extraindo-se ainda do indicado documento que a quantia titulada pela letra de câmbio identificada em c) do ponto 1. foi coercivamente satisfeita no âmbito do processo de execução instaurado, não se encontrando portanto em dívida.

ii. ocorreu ainda erro de julgamento no que respeita às respostas positiva que mereceu o art.º 5.º e negativas dadas aos art.ºs 37.º, 38.º e 39.º da base instrutória, quando o seu sentido devia ter sido o inverso, atendendo aos testemunhos prestados por I..., J..., H..., L... e M.... Acresce que o argumento invocado pelo Mm.º juiz para justificar a sua decisão -inobservância da forma legal- não procede, uma vez que estão em causa diversos empréstimos, não podendo ser considerado o seu valor global; iii. errou também o Tribunal quando deu como provado o art.º 9.º, impondo-se resposta de sentido oposto, o que decorre igualmente dos assinalados testemunhos.

iv. a autora pediu fosse declarada nulo o negócio de dação em cumprimento, sendo a ineficácia consequência dessa nulidade; v. na sentença apelada não foi emitida pronúncia sobre o aludido pedido, formulado em via principal, padecendo assim da nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, sendo certo que não é indiferente ser decretada a nulidade do negócio -com a consequente restituição do bem ao património dos 1.º e 2.º RR- ou a mera ineficácia, obrigando a que o bem seja executado no património do 3.º adquirente, no qual se mantém; vi. a sentença é ainda nula por contradição entre os fundamentos e a decisão porquanto, tendo sido dado como não provado o facto vertido no art.º 4.º, não se vê como poderia o Mm.º juiz ter concluído pela verificação do requisito da má fé; vii. não resultaram provados factos dos quais resulte a comunicabilidade da dívida, não podendo assim a acção proceder em relação à ré mulher e à metade indivisa de que é titular no prédio em causa.

Dando como violadas as disposições contidas nos art.ºs 615.º, n.º 1, al.s c) e d) do CPC, 612.º e 1695.º, n.º 1, estes do Código Civil, requer a final que, na procedência do recurso, seja declarada a nulidade da sentença ou, assim não se entendendo, seja a mesma revogada e substituída por decisão que absolva os RR do pedido.

A apelada não contra alegou.

* Assente que pelo teor das conclusões se define e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões trazidas a este tribunal de recurso: i. indagar se a sentença padece dos vícios da nulidade por omissão de pronúncia e contradição entre os fundamentos e a decisão; ii. verificar se ocorreu erro de julgamento, devendo ser alteradas no sentido pretendido as respostas dadas aos art.ºs 1.º, 2.º (estes em reporte com a al. A) dos factos assentes), 5.º, 9.º, 37.º, 38.º e 39.º; iii. determinar se o negócio celebrado entre os RR é nulo por simulado; iv. averiguar da verificação dos pressupostos da impugnação pauliana e se a ré mulher detém a qualidade de devedora.

* I. da nulidade da sentença Razões de precedência lógica impõem que se inicie o conhecimento das questões elencadas pela invocação da nulidade da decisão apelada.

Os apelantes imputam à decisão recorrida o vício extremo da nulidade, por violação do disposto nas als. c) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

Nos termos da sobredita al. c), é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Esta nulidade ocorre quando os fundamentos invocados devessem logicamente conduzir a uma decisão diferente daquela que a sentença expressa, ou seja, quando os fundamentos apontam num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente. Os “fundamentos” a que aqui se alude são os fundamentos de direito; a oposição entre fundamentos de facto e a decisão não...

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