Acórdão nº 1622/12.2TBGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução14 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

A… apelou da sentença do Sr. Juiz de Direito do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda que, julgando improcedente a acção declarativa de condenação, com processo comum, sumário pelo valor, que propôs contra J…, SA, absolveu a última do pedido.

A recorrente – que pede no recurso a revogação desta sentença e a condenação da ré no pedido – rematou a sua alegação com estas conclusões: … A apelada concluiu, na resposta, pela improcedência do recurso, já que lhe assiste o direito de resolver o contrato com a recorrente.

O Juiz Relator, prevenindo a eventualidade de esta Relação entender que o recurso procede – por a resolução do contrato se mostrar indevida – e ser lícito conhecer de um dos fundamentos da defesa, cuja apreciação ficou prejudicada - a exceptio do não cumprimento desse mesmo contrato – determinou a audição, sobre tal questão, de cada um das partes.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    2.1. O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes: … 2.2. O decisor de facto adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1., esta motivação: ...

    2.1.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    O âmbito do recurso é, antes de mais, delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e, dentro do objecto do processo, com observância dos casos julgados formados na acção, pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (artº 635 nº 3 do nCPC). Finalmente, o âmbito do recurso poder limitado pelo próprio recorrente (artº 635 nº 2 do nCPC). Esta restrição pode ser realizada no requerimento de interposição do recurso ou nas conclusões e, neste último caso, tanto pode ser expressa como meramente tácita (artº 635 nº 4 do nCPC).

    A apelante pediu, na instância recorrida, com fundamento na conclusão com a apelada de um contrato de compra e venda de um expositor e materiais vários, a condenação da última a pagar-lhe o preço convencionado - €5.922,04 - e a indemnização moratória, correspondente aos juros legais, pelo retardamento, pelo última, da realização dessa prestação pecuniária.

    A apelada defendeu-se, na contestação, opondo à recorrente, a um tempo, a excepção peremptória da resolução do contrato e a excepção dilatória material do seu não cumprimento. A sentença impugnada, depois notar que o incumprimento do contrato por parte da autora, ou o seu cumprimento com defeitos, faculta à ré a invocação da excepção do não cumprimento do contrato de modo a não ter que pagar o preço convencionado, observou, porém, que a ré suscita uma outra questão e que, tendo invocado a resolução do contrato pode levar-nos à conclusão que a relação contratual entre autora e ré já se extinguiu e, consequentemente, que nem sequer haverá lugar ao accionamento da “exceptio”. E, assentando, depois, em que a autora, no prazo concedido às diversas solicitações, não eliminou os defeitos, nem executou nova obra, estando em causa obra inadequada para os fins a que se destinava, conferindo a ré (que também acabou por perder o interesse no cumprimento do contrato, o direito de resolver o contrato e, que resolvido o contrato, conclui-se que a ré nada deve à autora – absolveu a primeira do pedido.

    Dado que é intrinsecamente incompatível a invocação, a título principal, da resolução do contrato e da exceptio do não cumprimento – dado que a exceptio pressupõe, logicamente, a subsistência do contrato[1] - deve entender-se que estes fundamentos da defesa foram alegados como alternativos e que, portanto, a exceptio do não cumprimento foi alegada apenas para a hipótese da não procedência da excepção peremptória da extinção, por resolução, do contrato.

    Correspondentemente deve entender-se que o tribunal recorrido, por ter julgado procedente a excepção peremptória da resolução do contrato, deixou prejudicada a decisão relativa à exceptio. Nestas condições, se esta Relação dever entender que o recurso procede – v.g., por a resolução do contrato se mostrar ilícita ou indevida – está autorizada a conhecer da questão cuja apreciação ficou prejudicada - a exceptio – conhecimento para o qual o processo disponibiliza necessários elementos (artº 665 nº 2 do nCPC).

    Maneira que, no nosso caso, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e das alegações da recorrente, são duas as questões concretas controversas que importa resolver. As de saber se: a) O Tribunal de que provém o recurso incorreu, no julgamento de alguns enunciados de facto, num error in iudicando, por erro na avaliação ou apreciação das provas e se, corrigido um tal erro, através da reponderação das provas, a recorrida deve ser condenada no pedido, por não lhe assistir o direito potestativo de resolver o contrato; b) Não assistindo à recorrida o direito de resolver o contrato, esta deve, mesmo nesse caso, ser absolvida do pedido, por lhe ser lícito opor à recorrente a exceptio do contrato não cumprido.

    A resolução destes problemas vincula, naturalmente, à ponderação dos parâmetros e da finalidade dos poderes de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto e ao exame, ainda que leve, das consequências jurídicas do não cumprimento do mau cumprimento ou do incumprimento imperfeito ou defeituoso das obrigações, que uma e outra parte, emergem do contrato invocado como causa petendi.

    Entre a matéria de direito e a matéria de facto existe uma interdependência que se verifica na sua delimitação recíproca, em especial na sua confluência para a obtenção da decisão de um caso concreto. Dado que a delimitação da matéria de facto é feita em função da matéria de direito – visto que os factos são recortados e escolhidos segundo a sua relevância jurídica, i.e., segundo a sua importância para cada um das soluções plausíveis da questão de direito - justifica-se, metodologicamente, que a exposição subsequente se abra com a determinação da natureza jurídica do acordo de vontades concluído entre a apelante e a apelada e das consequências jurídicas do não cumprimento do mau cumprimento ou do incumprimento imperfeito ou defeituoso das obrigações que para uma e para outra dele emergem.

    3.2.

    Qualificação do acordo de vontades concluído entre a recorrente e o recorrida e consequências jurídicas do não cumprimento do mau cumprimento ou do incumprimento imperfeito ou defeituoso das obrigações que dele emergem.

    A sentença impugnada foi terminante na qualificação do contrato concluído entre as partes como contrato de empreitada. Já a recorrente – que na petição achava que o contrato era de compra e venda, sustenta, agora, na sua alegação, que se trata de um contrato misto de empreitada e compra e venda.

    Nem sempre é fácil destrinçar o contrato de empreitada do contrato de compra e venda – ou do contrato de troca – de bens futuros, sobretudo nos casos de coexistência da obrigação de realizar certa obra com a obrigação de fornecer os materiais necessários à sua execução e, ainda mais, quando o valor do bem ultrapassa o valor do trabalho.

    Um primeiro critério utilizado para resolver o problema é o que se exprime pelo brocardo acessorium sequitur principal – o elemento predominante determina a qualificação. Critério que é válido para as situações em que a transferência do bem é acompanhado de uma prestação acessória, como sucede, por exemplo, no caso de compra e venda de um prédio com a obrigação de fazer alterações na construção. A dificuldade está toda em saber se o essencial é ainda uma coisa e o acessório é o trabalho que nela será feito.

    A verdade, porém, é que no direito português, o fornecimento pelo empreiteiro das materiais necessárias à execução da obra não impede, em regra, a qualificação do contrato correspondente como de empreitada[2].

    Realmente, de acordo com a formulação mais comum, o contrato será de empreitada quando as partes tiverem fundamentalmente em conta o resultado do trabalho a realizar pelo empreiteiro; o contrato será de compra e venda sempre que o núcleo da prestação surja referido aos materiais fornecidos, para cuja transmissão o trabalho funciona apenas como um meio[3]. O distinguo assentará, assim, no critério da prevalência do trabalho ou dos materiais ou no facto de a prestação do serviço ter ou não carácter instrumental relativamente à produção do bem. Decisivo parece ser, no entanto, a avaliação económica da operação, de forma a aferir se o preço aparece como correspectivo da alienação do bem considerado – considerado com produto acabado – ou visa antes o pagamento de produção do bem[4].

    No caso, de harmonia com os factos materiais apurados na instância recorrida – cujo julgamento, neste particular, não é objecto de controversão - o contrato deve ter-se como de empreitada, dado que as partes tiverem essencialmente em consideração o resultado da actividade da autora – o fabrico do expositor. Não há, pois, quanto a este ponto, razão para divergir da sentença impugnada.

    Nestas condições, não deve oferecer dúvida a conclusão que entre a recorrida e a recorrente foi celebrado um contrato de empreitada no qual a primeira figura na posição jurídica de dono da obra e, a segunda, na de empreiteiro (artº 1207 do Código Civil).

    Desse contrato emergiram a recorrida e para a recorrente os direitos de receber a obra que constitui o seu objecto mediato realizada nos moldes convencionados e de perceber o preço acordado, respectivamente (artº 1207 do Código Civil).

    Trata-se, caracteristicamente, de um contrato bivinculante e sinalagmático, visto que dá lugar a obrigações recíprocas, ficando as partes, simultaneamente, na situação de devedores e de credores e coexistindo prestações e contraprestações[5].

    Nas obrigações, o devedor está adstrito a uma prestação. A inobservância do dever de prestar pode ocorrer por uma de duas vias: pela simples não realização da prestação, o que dá lugar ao incumprimento definitivo em sentido estrito (artº 798 do Código Civil); pela violação de uma...

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