Acórdão nº 397/11.7TBPMS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA IN
Data da Resolução14 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório H (…) vem intentar acção declarativa com a forma de processo ordinário contra a R. Companhia de Seguros K (...), S.A., pedindo a sua condenação no pagamento das seguintes quantias: - € 23.342,85 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, correspondente ao capital seguro contratado pela perda total da viatura do A.

- € 874,46 a título de juros de mora desde 22.04.2010 até à presente data bem como os que se vencerem até à data da citação da Ré.

- € 34.086,00 a título de danos patrimoniais pela privação do uso da viatura do A.

- € 10.000,00 de danos não patrimoniais pela privação do uso da viatura do A.; - € 1.735,00 acrescido das prestações que se vencerem, à razão de € 5,00 diários até integral pagamento, a titulo de parqueamento da viatura do A., a pagar à Sociedade (…)Lda, - € 2.840,67 a título de cumprimento da cláusula 090, cobertura de viatura de substituição, a pagar à Sociedade (…) S.A.

- bem como, os valores referentes aos danos patrimoniais a liquidar em execução de sentença.

Alega, em síntese, que a R. não cumpriu o contrato de seguro celebrado consigo, ao não o ter ressarcido dos danos sofridos na sequência de acidente de viação ocorrido no dia 31 de Março de 2010, com intervenção do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula GE (...) e do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula IF (...), tendo a R. inicialmente assumido a responsabilidade pelo seu pagamento, que não efectuou por o A. não ter aceite a emissão do recibo também em nome do Banco S(...), S.A.

Devidamente citada a R. veio contestar pugnando pela improcedência parcial da acção. Refere que o A. só não recebeu ainda a indemnização por não ter aceite o recibo enviado, estando a R. obrigada a emitir o mesmo também em nome de S(...)por existir uma reserva de propriedade do veículo a favor desta entidade e por estar a indemnizar o A. da quantia correspondente à perda total do veículo, tendo sido o A. quem não aceitou os termos da regularização do prejuízo. Impugna os danos invocados pelo A.

Foi elaborado despacho saneador onde se afirmou a validade da lide, tendo sido selecionados os factos assentes e organizada a base instrutória, da qual o A. reclamou, o que foi indeferido.

Foi efectuada perícia e procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do legal formalismo.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar ao A. a quantia global de €32.818,52 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, correspondente às seguintes quantias parcelares: a) €18.242,85, pela perda total do veículo sinistrado; b) €9.000,00, pela privação do uso do veículo a partir de 03 de Maio de 2010; c) €1.000,00, pelos danos não patrimoniais; d) €1.735,00, pelo parqueamento do veículo do Autor na sociedade L (…) Lda.; e) €2.840,67, pelo veículo de substituição fornecido pela Sociedade (…), S.A.; bem como a quantia que vier a ser apurada em liquidação de sentença pelas consequências para a saúde do Autor e incapacidades de que poderá vir a padecer em consequência do acidente em causa, ao abrigo do disposto do art. 609.º, do novo Código de Processo Civil, mais determinando o prosseguimento dos autos apenas para efeitos da concretização do exame pericial ao Autor (cfr. fls. 238 a 239), ao abrigo do disposto no art. 600.º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil, sem prejuízo de liquidação da sentença que vier eventualmente a ser requerida.

Não se conformando com a sentença proferida vem a R. interpor recurso de apelação da mesma, pedindo a sua alteração e apresentando para o efeito as seguintes conclusões: 1. Não existiu qualquer incumprimento contratual.

  1. Com efeito, a Ré e o Autor acordaram estar perante uma situação de perda total.

  2. O valor que o Autor teria direito a receber a esse título é o que decorre legalmente previsto, in casu de €18.242,85.

  3. A Ré solicitou, conforme estava obrigada, o documento único automóvel.

  4. E em face dos elementos dele constantes, designadamente a existência de uma reserva a favor do Banco S(...), emitiu o recibo de indemnização, exigindo a assinatura de ambos - o tomador do seguro e o referido Banco.

  5. E fê-lo com base no art.º 103.º, do DL 72/2008, de 16 de abril.

  6. No entanto, entendeu o tribunal a quo que, o referido art.º 103.º do DL 72/2008, não era aplicável ao caso em apreço nos presentes autos, por um lado, e que, por outro, a reserva registada a favor do Banco era nula; 8. Pelo que, não poderia a ora Apelante ter-se socorrido desses factos para exigir o recibo nas condições em que o exigiu.

  7. Tendo-se, por isso, verificado incumprimento contratual.

  8. Em contraponto, entendeu o Tribunal a quo, que tal invalidade da cláusula não podia prejudicar o Autor, e nessa medida não se tinha o mesmo constituído em mora.

  9. Sucede que, o art.º 103.º, do DL 72/2008, não diz respeito às situações em que a respetiva seguradora haja aceite a ressalva de direitos da Apólice a favor das pessoas ou entidades indicadas nas Condições Particulares, não tendo a mesma natureza, nem tão pouco a sua aplicação se restringe às situações previstas no 42.º das Condições Gerais da Apólice referida em A).

  10. Logo, teria aplicação no presente caso, mesmo que não haja ressalvas de direitos previstas no contrato de seguro em apreço.

  11. É que o artigo apenas refere o conhecimento por parte da seguradora da existência de direitos de terceiros que o pagamento possa prejudicar.

  12. Aliás, nesta esteira, vai a doutrina que em relação à anotação deste artigo refere expressamente, “o modo de levar o conhecimento ao segurador não se encontra sujeito a forma específica, devendo, todavia ser sopesados os ditames da boa-fé. As hipóteses mais comuns redundarão, no entanto, em ressalva expressa no texto da apólice” – Cfr. Lei do Contrato de Seguro Anotada, de Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, a pág. 323 – (sublinhados nossos).

  13. Relembre-se que a solicitação ao tomador de seguro do Documento Único Automóvel é um imperativo legal, uma vez que estamos perante um caso de perda total.

  14. Assim, é mais do que evidente que tendo a Apelante conhecimento da existência de um direito de terceiro – in casu, o S(...) – através do referido Documento Único, está mais do que sopesado em ditames da boa-fé na forma como obteve tal conhecimento.

  15. Por outro lado, entende a Apelada que, nos presentes autos, não podem impender sobre as partes quaisquer consequências decorrentes da nulidade da reserva aí prevista.

  16. E muito menos que possa o Tribunal a quo entender que apesar de a mesma não poder aqui ser invocável “não pode impor-se tal cláusula ao Autor para lhe negar o direito à indemnização peticionada”.

  17. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, a quem não pode impor-se a inaplicação da referida cláusula (nula) é a Apelante, que, em relação àquele contrato de mútuo é terceiro, e está de boa-fé.

  18. É que, independentemente do rigor jurídico das considerações proferidas pelo Tribunal a quo sobre a nulidade da “reserva de propriedade”, a verdade é que a Apelada não tinha como, nem tão-pouco, por que, saber que a reserva que constava do documento único e bem assim do registo, era nula.

  19. Existindo a menção reserva de propriedade, em registo público, não era exigível a terceiros de boa-fé, como a K (...), que questionem ou atuem em sentido contrário aos efeitos que tal registo produz, uma vez que o registo, por natureza, faz fé pública.

  20. Porém, o Tribunal a quo fez prevalecer o direito à indemnização do Apelado, sobre o direito/dever da K (...) de se comportar em conformidade com a lei e com o ato registral que conhecia.

  21. Isto, não obstante, o tomador do seguro ser parte no contrato de onde emerge a cláusula nula, e, portanto, seu conhecedor, e a Açorena não, e, por isso, esta não tinha como aferir da legalidade da cláusula, nem tão-pouco da irregularidade do registo.

  22. Quando era o Autor, na qualidade de outorgante de um contrato com uma cláusula nula, que deveria ter diligenciado pela retificação do registo de reserva a favor do Banco Santtader, se entendia que era indevida.

  23. Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao ter determinado a existência de ilicitude com base na subsunção da aplicação do artigo que fez ao caso concreto.

  24. Mas mesmo que se entendesse que era devida alguma condenação à K (...), o...

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