Acórdão nº 155/13.4PBLMG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução10 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No 2º Juízo do [já extinto] Tribunal Judicial da comarca de Lamego, o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A...

, com os demais sinais nos autos, a quem imputou a prática, em autoria material, de quatro crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, a) e d), 2, 4 e 5 do C. Penal. Por sentença de 12 de Maio de 2014, foi o arguido condenado, pela prática de quatro crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, a) e d) e 2 do C. Penal, na pena de 28 meses de prisão por cada um deles e, em cúmulo, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução por idêntico período, com sujeição a regime de prova.

Mais foi o arguido condenado no pagamento de uma indemnização de € 500 a cada um dos quatro ofendidos.

* Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1ª) De toda a prova produzida, em momento algum os factos vertidos em 3, 4, 5 e 6 da matéria de facto dada como provada, ficaram clara e totalmente provados.

  1. ) O Tribunal formulou a sua convicção apenas e só nas declarações da única testemunha C..., filha do arguido e, também ela, ofendida nos presentes autos.

  2. ) Pelo que tal situação não pode ser desconsiderada na valoração da prova e, consequentemente, na decisão de facto.

  3. ) O depoimento encontra-se registado, com início às 15h42m49s, do dia 28/04/2014 e com final às 16h00m56s, e o mesmo comprova o aqui alegado.

  4. ) Ademais, o depoimento da testemunha mostra-se dúbio, confuso e orientado pelas questões que lhe iam sendo colocadas.

  5. ) Os factos dados como provados no ponto 3, atendendo ao depoimento da ofendida, não é possível concluir que o arguido tenha dirigido, por diversas vezes, as seguintes expressões a B...: "puta", "estúpida", "és uma puta, vai para casa, já estás com os cornos a dormir, se andares com outro homem, eu mato-te.".

  6. ) Pelo que tal facto não pode ser considerado como provado.

  7. ) Também não poderia ter sido dado como provado que "estes factos ocorreram na presença dos seus filhos menores", um vez que em momento algum isso foi referido pela testemunha.

  8. ) Segundo a douta sentença os factos ocorreram em data indeterminada, entre 1997 e 2013, o que só por si é demonstrativo da sua inconsistência, pois a testemunha que serve de base à prova nasceu apenas em 09/01/2001, o que vale por dizer que não se sabendo ao certo a data da ocorrência dos mesmos, não pode o depoimento ser atendido.

  9. ) Porque, pelo menos os que poderiam ter ocorrido antes do seu nascimento, e até 2006, a testemunha não os poderia conhecer, não só porque ainda não tinha nascido, como também, devido à sua tenra idade não os conseguia, sequer perceber.

  10. ) Com esta duvidosa fixação no tempo, é completamente impossível ao arguido defender-se das imputações que lhe são feitas, violando-se princípios fundamentais do direito processual penal e que são os princípios da contraditoriedade e da defesa.

  11. ) Pelo que o resultado da sentença deveria ser o da absolvição, ao abrigo de um outro princípio, o do "in dubio pro reo".

  12. ) Além do mais é importante a determinação, no tempo, da prática dos factos pois certamente alguns já teriam prescrito, nos termos do art. 118º, nº 1, al. b) do C.P..

  13. ) Sendo a prescrição de conhecimento oficioso, esta deveria ser tida em conta pela Mma. Juiz "a quo" na decisão, aproveitando ao arguido.

  14. ) Os factos dados como provados nos pontos 5 da douta sentença, atendendo a que a testemunha no seu depoimento, vagamente, refere algumas tentativas de agressões, não poderiam ter sido valorados.

  15. ) No que concerne ao ponto 6 da douta sentença é claro do depoimento que a testemunha nada viu, apenas sabe o que lhe contaram, pelo que, nos termos do disposto no art. 129º do C.P.P., tal facto não pode ser dado como provado.

  16. ) Tendo em conta o que aqui foi dito e o único depoimento não ter tido uma consistência clara, sendo que muitas vezes se mostra parcial em relação ao arguido, nunca este podia ser condenado da forma como foi) nem no número de crimes nem nas penas elevadas em que foi por cada um.

  17. ) A condenação fixou cada crime em 28 meses, o que parece exagerado, atendendo ao facto de o arguido ser primário, respeitado e respeitador, como consta da douta sentença.

  18. ) Ademais, considera o dolo direto, situação com a qual discordamos pois do depoimento da testemunha resulta claro que o arguido só agia da maneira de que vinha acusado quando "bebia", não ficando provado que ele se colocava nessa situação para praticar os "supostos" crimes.

  19. ) Não teve pois, a Mma. Juiz na sua decisão, em consideração todos os elementos constantes do art. 71º do CP.

  20. ) Portanto, a punição é exagerada, para os factos que foram dados como provados, mas que na verdade é que não o podiam ser.

  21. ) Quanto à fixação da indemnização, também ela se mostra claramente exagerada, uma vez que o arguido não dispõe de quaisquer rendimentos que lhe permitam proceder ao pagamento dos valores fixados, basta ver o deferimento do apoio judiciário, junto aos autos, para se verificar isso mesmo.

  22. ) Além disso, os ofendidos, também eles conhecedores da situação económica do arguido não fizeram qualquer pedido de indemnização.

Nestes termos e melhores de direito que Vossas Excelências muito doutamente suprirão, proferindo uma decisão que revogue a sentença ora recorrida e substituindo-o por outra que absolva o arguido farão a tão costumada JUSTIÇA.

* Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando que a sentença recorrida se mostra devidamente fundamentada e que a prova produzida foi nela valorada de acordo com o princípio da livre apreciação, que não pode proceder o argumento da prescrição dos factos imputados mais antigos por se tratar de crime de execução continuada, que a medida das penas parcelares e a medida da pena única respeitam os pressupostos do art. 71º do C. Penal, e que as indemnizações fixadas são impostas por lei e o seu valor é adequado à gravidade dos factos, e concluiu pelo não provimento do recurso.

* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de que tendo sido determinante para a fixação dos pontos 3 a 7 dos factos provados o depoimento da ofendida C..., nascida em Janeiro de 2001, e tendo parte dos acontecimentos aí descritos ocorrido antes do seu nascimento e outros em data posterior, mas em que a depoente não teria idade para os percepcionar e recordar, a sentença recorrida padece do vício previsto no art. 410º, nº 2, a) do C. Processo Penal, por insuficiência de prova para a decisão, e ainda no sentido de que a total falta de fundamentação das condições económicas e sociais do arguido, justificadoras da sua condenação no pagamento das indemnizações, determina a nulidade da sentença, e concluiu pelo reenvio do processo para novo julgamento.

* Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

* Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

* * * * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - A prescrição parcial dos factos imputados; - A incorrecta valoração de depoimento indirecto quanto ao ponto 6 dos factos provados; - A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto relativamente aos pontos 3 a 6 dos factos provados e a violação do princípio in dubio pro reo; - A excessiva medida da pena; - O excessivo montante das indemnizações fixadas.

Haverá ainda que conhecer da nulidade da sentença e do vício da decisão, suscitados pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, sendo certo que se trata de questões de conhecimento oficioso.

* Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

  1. Nela foram considerados provados os seguintes factos: “ (…).

    1. O arguido contraiu casamento civil, sem convenção antenupcial, com B..., em 5 de Novembro de 1997.

    1. Deste casamento, nasceram D..., C... e E..., a 4/12/1999, 09/01/2001 e a 22/12/2004, respectivamente.

    2. Durante a constância do casamento, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre Novembro de 1997 e Maio de 2013, por diversas vezes, no interior da residência do casal, sita Rua (...), Lamego, o arguido, após ingerir bebidas alcoólicas em excesso, dirigiu as seguintes expressões a B...: “puta”, “vaca”, “estúpida”, “és uma puta, vai para casa, já estás com os cornos a dormir, se andares com outro homem, eu mato-te.” 4. Estes factos ocorreram na presença dos seus filhos menores.

    3. Também em datas não concretamente apuradas, mas após o nascimento de cada um dos filhos e até à sua institucionalização, em Julho de 2013, o arguido desferiu nestes vários murros e bofetadas que os atingiram em diversas zonas do corpo, e com recurso a cabo de vassoura ou a cinto, de características e dimensões não concretamente determinadas, zurziu também pancadas nos seus filhos que os atingiram em diversas zonas do corpo, causando com estas condutas naqueles dores e hematomas.

    4. Numa dessas ocasiões, apontou uma faca, de dimensões e características não apuradas, à sua filha menor D....

    5. O arguido agiu, em todas as circunstâncias atrás descritas, com o propósito concretizado de humilhar, ofender a honra, o bom-nome e a sensibilidade da sua esposa B... e dos seus filhos e de lhes provocar sofrimento físico e psíquico, bem como receio, sendo que, praticou os factos na...

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