Acórdão nº 324/10.9TBCVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução02 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório A..., viúvo, industrial de máquinas, a residir na (...)Orjais, veio instaurar contra B..., S.A., com sede na (...) Lisboa, acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final a condenação da ré no pagamento da quantia de € 121 628,18 (cento e vinte e um mil, seiscentos e vinte e oito euros e dezoito cêntimos), respeitando € 30 128,18 a danos de natureza patrimonial e o restante a danos não patrimoniais, e ainda no montante a liquidar decorrente de eventuais danos que se vierem a apurar (decorrentes de eventual alteração do valor da reparação, agravamento da doença, sequelas, etc.), tudo acrescido de juros contados à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.

Em fundamento alegou, em síntese, ter ocorrido um acidente de viação no dia 17 de Junho de 2009, no qual intervieram o veículo da marca Mercedes, com a matrícula (...)BQ, propriedade do demandante, que o conduzia, e a viatura (...)IF, ligeiro de passageiros pertencente a F..., seu condutor na ocasião. O embate entre os veículos ficou a dever-se a conduta culposa deste último condutor que, por circular com excesso de velocidade e desatento à condução, foi embater com a frente na traseira da viatura BQ, que se encontrava então imobilizada no eixo da via, aguardando o aqui autor a passagem dos veículos que circulavam em sentido contrário, a fim de realizar a manobra de mudança de direcção à esquerda que com antecedência havia sinalizado.

Em consequência do descrito embate o veículo do autor sofreu estragos vários, cuja reparação foi orçamentada em €14 769,18, com um tempo estimado de reparação de 150 dias, reclamando pela privação do uso o montante indemnizatório de € 15 000,00, à razão de €100,00/dia.

Ainda em consequência do acidente, alegou ter sofrido lesões que lhe provocaram dores e cujas sequelas importam uma IPP de 34%, danos de natureza não patrimonial e patrimonial futuros para cujo ressarcimento reclama o montante de € 91 500,00.

* Regularmente citada, a ré apresentou a contestação de fls. 63 a 67 dos autos, peça na qual, aceitando ter o acidente ocorrido devido a culpa do seu segurado, impugnou, por excessivos, os montantes indemnizatórios reclamados, tanto mais que, disse, a reparação foi orçamentada em € 10 491,92, peritagem feita com o auxílio e aprovação de D..., o mesmo que agora apresenta um orçamento superior em 50%. Acresce que o autor aceitou receber o montante de € 6500,00 a título de indemnização pelos danos que lhe advieram da perda total da viatura BQ, a nada mais tendo direito.

* Teve lugar a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo que da acta consta, no termo do qual foi proferida douta sentença que, na procedência parcial da acção, condenou a ré a pagar ao autor as quantias de €30.128,18 a título de danos patrimoniais e €17.000,00 para compensação dos danos de natureza não patrimonial, acrescidas dos juros que se vencerem desde a data da decisão e até integral pagamento.

Inconformada, apelou a ré e, tendo apresentado pertinentes alegações, rematou-as com as seguintes necessárias conclusões: “1.ª- A recorrente não se pode conformar com o juízo do Tribunal “a quo” no que toca à quantificação dos danos patrimoniais, especificamente relativo ao valor da reparação do veículo sinistrado e da privação do seu uso.

  1. - Deste modo, coloca-se em crise o ponto 9.º da base instrutória que foi dado como provado e, correlativamente, o ponto 30.º dado como não provado. Ainda tendo em conta a matéria de facto dado como provada, mormente os pontos 10.º a 13.º, outra deveria ser a decisão judicativa que implicaria a diminuição do “quantum” fixado a título da reparação do veículo e da privação do seu uso.

  2. - O Tribunal a quo deu como provado que: “9.º Da base instrutória: A respectiva reparação implica serviço de mão-de-obra, pintura, bate-chapas e substituição de peças, sendo necessário despender 14.769,18 €.” 4.ª- Dos autos constam dois orçamentos elaborados: um por parte de C... e outro por D....

  3. - Dos respectivos depoimentos prestados resultou: a) C...: No que toca ao orçamento elaborado teve em conta o preço das peças de origem através de um programa que lhe fornecia tal indicação, o que veio ser confirmado, de grosso modo, pelo ofício remetido pela MERCEDES-BENZ, PORTUGAL, S.A. – cfr. depoimento 6m13s e 13m54s.

    Confrontado com o orçamento elaborado por D... e questionado sobre os valores apresentados, afirmou que aquele estaria mal e que os valores apresentados no dele seriam os correctos – cfr. 12m44s e 14m07s do depoimento prestado.

    Por último, questionado sobre o aumento do valor das peças num espaço de tempo de 9 meses afirmou assertivamente que não poderia existir alteração tão grande / grave do seu valor – cfr. 18m31s.

    1. D...: Realizou orçamento à viatura sinistrada já em 22/02/2010, tendo o sinistro ocorrido a 17/06/2009. Afirmou que a reparação demoraria cerca de 15 dias e entende que era justificado o valor que apresentou.

    Justifica a disparidade porque alegadamente o outro orçamento não teve em conta a mão-de-obra e muito provavelmente foi feito de acordo com o valor de peças da “concorrência”, já que ele (próprio) calculou o preço das peças fazendo uma “busca ao mercado” e, tendo em conta, a mão-de-obra necessária. Porém, questionado sobre a equivalência das peças danificadas indicadas nos dois orçamentos e sobre a discriminação da mão-de-obra no orçamento do perito não soube responder.

  4. - Para o juízo correlativo ao ponto 9.º e 30.º da base instrutória mostra-se necessário socorrermo-nos dos dois orçamentos apresentados, do ofício à “MERCEDES-BENZ, PORTUGAL, S.A.” e das contradições nos depoimentos prestados (…) 7.ª- Do que vai dito resulta que a valoração primacial do depoimento da testemunha D... encontra-se infundada, pelo que nunca deveria ter sido preterido o depoimento prestado pelo perito C....

  5. - Ademais, se o punctum crucis passa pela discriminação e valor da mão-de-obra, ali está ele no orçamento/peritagem elaborada.

  6. - Andou mal o Tribunal a quo ao ter ajuizado este concreto ponto da matéria de facto, pelo que o ponto 30.º da base instrutória deveria ter sido dado como provado e correlativamente o ponto 9.º dado como não provado.

  7. - Dos danos decorrentes da reparação do veículo: Ajuizou o Tribunal a quo no sentido da reparação do veículo, com base na mobilização do princípio da restauração natural, na inexistência de excessiva onerosidade e, ainda, pelo facto da aqui Recorrente não ter encontrado viatura similar para entregar ao Recorrido.

  8. - A Recorrente não se pode conformar com tal juízo, em verdade, resulta dos depoimentos prestados, mormente pelos peritos e empresários de automóveis, disparidades que não conduzem àquele resultado.

  9. - Pois bem, se a diferença reside no desmontar ou não do veículo sempre se dirá, tendo em conta o resultado final das perícias, que a primeira é igual à segunda, o que significa e só pode significar que não haveria qualquer dano a justificar a subida do preço de reparação.

  10. - Pelas razões aduzidas deveria ter prevalecido na decisão do Tribunal “a quo” tais elementos que indiciavam outra decisão.

  11. - Relativamente à não apresentação de viatura semelhante por parte da Recorrente – critério mobilizado pelo Tribunal a quo – diga-se somente que a Recorrente não dispunha da indicação de que a substituição da viatura era a pretensão do Autor; ademais, apesar de não ter sido valorado e dado como provado, a única indicação de que a Recorrente disponha é que o Recorrido aceitaria o valor do salvado e o valor dado como perda total, vide pontos 31.º a 33.º da base instrutória dados como não provados.

  12. - Relativamente aos critérios e princípios normativos mobilizados, ou seja, o princípio da restauração natural e o critério da excessiva onerosidade, pelo que precede, se for esse o sentido da mediação normativo-jurídica por parte do Tribunal a quo, a Recorrente deveria ter sido condenada ao pagamento de 10 491,92€, com iva incluído, e não o valor de 14 769,18€.

  13. - Dos danos decorrentes da privação do veículo: o montante indemnizatório ajuizado pelo Tribunal a quo não vai ao encontro da prova produzida de que se socorreu para fundamentar o seu juízo. Isto porque a quantia peticionada de 15 000,00€ (resultante do valor de 100€/dia de paralisação e imobilização por correlação com o tempo estimado de reparação do veículo sinistrado) - cfr. art. 16.º. 22.º a 24.º da Petição Inicial – tinha por base o tempo estimado e alegado de 150 dias.

  14. - Ora resulta dos autos que o douto Tribunal se alicerçou primordialmente no depoimento da testemunha D.... Este referiu que o tempo estimado de reparação seria somente de 15 dias (e não de 150), o que foi dado como provado, cfr. ponto 10.º da base instrutória.

  15. - Logo, o valor a que a aqui Recorrente foi condenada teria sempre que ser inferior, com base nos argumentos avançados pelo Tribunal, especificamente 1500€. Trata-se certamente de um erro de cálculo e por certo involuntário por parte do julgador.

  16. - O juízo de equidade deverá correlacionar-se com problemática do caso decidendo.

    Assim, resulta dos autos que o veículo sinistrado não é o único pertencente ao Autor e que o veículo sinistro era, sobretudo, usado excepcionalmente, por questões sociais, familiares e, também, para visitar alguns clientes, sabendo que o Autor se socorria do outro veículo – um “Jeep” – na maioria das vezes.

  17. - Mesmo que se aceite que a simples privação provoca um dano na esfera do património do Recorrido, ou seja, independentemente da existência de um dano e da sua indemnização, é necessário verificar se a privação do uso se traduz ou não numa diferença patrimonial palpável entre a situação que existiria se aquela não ocorre e a que existe por causa dela.

  18. - Atendendo à disponibilidade do recurso a outra viatura, os danos eventualmente consequentes ao sinistro estariam sempre atenuados ou de escassa importância.

  19. - Não se encontram justificados os limites...

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