Acórdão nº 160/14.3TLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Setembro de 2014
Magistrado Responsável | RAMALHO PINTO |
Data da Resolução | 26 de Setembro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: O Ministério público veio instaurar, no Tribunal do Trabalho de Leiria, a presente acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 26º, nº 1, al i), e 186º-K, nº 1, do Código de Processo de Trabalho, ambos com as alterações introduzidas pela Lei nº 63/2013 de 27 de Agosto, contra A...
, pedindo que seja reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e a trabalhadora B...
, fixando-se a data do seu início em 1/09/2013.
Alegou, para tanto e síntese: Apesar de a referida B... e a Ré terem outorgado um contrato de prestação de serviços, a primeira sempre trabalhou de forma subordinada para a Ré, pelo que estamos na presença de um contrato de trabalho.
Contestou a Ré, pugnando pela improcedência da acção e dizendo que nunca houve qualquer vínculo laboral ou relação de subordinação próprios das relações entre entidades empregadoras e empregados.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, decidindo o seguinte: “Condeno a A... a: a) Reconhecer a existência de contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre si e a trabalhadora B..., melhor identificada anos autos, fixando-se a data do seu início em 01.09.2012.
b) Pagar a multa no montante de 30 UC´s por litigância de má fé – cfr. artigo 27º nº 3 do RCP.
c) Pagar as custas processuais.
Valor da ação: € 30.000,01. x Inconformada, veio a Ré, para além de arguir, expressa e separadamente, nulidade da sentença, interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: […] O MºPº apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção do julgado.
x Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos como questões a apreciar: - as nulidades da sentença; - se se verifica a inconstitucionalidade dos artºs 186º-K a 186º-R do Código de Processo do Trabalho; - a impugnação da matéria de facto; - a qualificação do contrato que ligava a B... à Ré.
- a prolação da decisão recorrida no que toca à litigância de má-fé sem observância do princípio do contraditório; x x A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: […] x O direito: Vem a recorrente apontar dois fundamentos de nulidade à sentença: - ter fixado o início do contrato de trabalho em 1/9/2012, quando foi o que foi peticionado foi que esse início ocorreu em 1/9/2013, o que constitui excesso de condenação -al. e) do nº 1 do artº 615º do CPC; - de acordo com a conclusão 3ª do recurso, o tribunal “a quo” não ter concedido à recorrente oportunidade processual para se pronunciar quer sobre os factos não alegados, quer sobre a ampliação da pronúncia condenatória, pelo que a decisão é nula e de nenhum efeito, nos termos e para os efeitos da mesma alínea e) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
Acontece que, quanto a esse primeiro fundamento, se a nulidade foi alegada expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, o mesmo não aconteceu com o segundo.
Conhecendo desse primeiro fundamento, importa transcrever aqui, para melhor compreensão do que se irá expor, os artºs 186º- L a 186-O do CPT, aditados pela Lei nº 63/2013, de 27/8: “Artigo 186.º -L Petição inicial e contestação 1 — Na petição inicial, o Ministério Público expõe sucintamente a pretensão e os respetivos fundamentos, devendo juntar todos os elementos de prova recolhidos até ao momento.
2 — O empregador é citado para contestar no prazo de 10 dias.
3 — A petição inicial e a contestação não carecem de forma articulada, devendo ser apresentados em duplicado, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
4 — O duplicado da petição inicial e da contestação são remetidos ao trabalhador simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento, com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário.
Artigo 186.º -M Falta de contestação Se o empregador não contestar, o juiz profere, no prazo de 10 dias, decisão condenatória, a não ser que ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente.
Artigo 186.º -N Termos posteriores aos articulados 1 — Se a ação tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa.
2 — A audiência de julgamento realiza -se dentro de 30 dias, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 151.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
3 — As provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas.
Artigo 186.º -O Audiência de partes e julgamento 1 — Se o empregador e o trabalhador estiverem presentes ou representados, o juiz realiza a audiência de partes, procurando conciliá-los.
2 — Frustrando -se a conciliação, inicia -se imediatamente o julgamento, produzindo -se as provas que ao caso couberem.
3 — Não é motivo de adiamento a falta, ainda que justificada, de qualquer das partes ou dos seus mandatários.
4 — Quando as partes não tenham constituído mandatário judicial ou este não comparecer, a inquirição das testemunhas é efetuada pelo juiz.
5 — Se ao juiz parecer indispensável, para boa decisão da causa, que se proceda a alguma diligência suspende a audiência na altura que reputar mais conveniente conveniente e marca logo dia para a sua continuação, devendo o julgamento concluir -se dentro de 30 dias.
6 — Finda a produção de prova, pode cada um dos mandatários fazer uma breve alegação oral.
7 — A sentença, sucintamente fundamentada, é logo ditada para a ata.
8 — A sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral.
9 — A decisão proferida pelo tribunal é comunicada à ACT e ao Instituto da Segurança Social, I. P.
São duas as novidades trazidas por essa Lei 63/2013: - a criação de um procedimento próprio para utilização pela ACT, quando esta considere estar na presença de “falsos” contratos de prestação de serviço; - a instituição de um novo tipo de processo judicial com natureza urgente, denominado acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Como muito bem refere o MºP, nas contra-alegações de recurso, esta nova acção especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho surgiu com o objectivo de instituir um mecanismo de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços. Trata-se de uma acção com natureza urgente e oficiosa, iniciando-se sem qualquer intervenção do trabalhador ou do empregador, bastando, para o efeito, uma participação da Autoridade para as Condições do Trabalho, que a desencadeia. Institui-se um regime de celeridade e oficiosidade, a petição inicial e a contestação não têm de revestir forma articulada e a realização da audiência de julgamento não fica dependente do acordo das partes, nem pode ser adiada devido à falta destas, e dos respectivos mandatários, mesmo que justificada.
Dito isto, temos que, efectivamente e como aponta a recorrente, o pedido formulado pelo MºPº foi no sentido de que o início do contrato de trabalho se verificou em 1/9/2013, sendo que a sentença acabou por fixar esse início em 1/9/2012.
Nos termos da al. e) do nº 1 do artigo 617º do CPC, a sentença é nula quando o juiz “condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.
Dispõe o artº 608º, nº 2, do CPC, que o juiz deve resolver na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Por sua vez o artº 609º, nº 1, do mesmo Código, estabelece que a sentença não pode condenar em quantidade superior nem em objecto diverso do pedido.
Tais normativos são manifestações do princípio do dispositivo: face ao princípio da autonomia da vontade, cabe às partes definir nos respectivos articulados o objecto da causa, aos quais o juiz fica limitado na apreciação que fizer do litígio. O autor fá-lo expondo os respectivos pedidos e causas de pedir, o réu fá-lo através das excepções que invoca ou (quando reconvém), através do pedido reconvencional e da respectiva causa de pedir.
Como refere Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, Verbo, pag. 33, há normas de interesse e ordem pública que têm de valer para assegurar determinados valores, que o legislador considera fundamentais, impondo-se, portanto, à vontade das partes e diminuindo a sua liberdade de estipulação. Assim é na maioria das normas do contrato de trabalho.
Esse princípio de ordem pública exprime-se pelo estabelecimento de normas que consagram garantias para o trabalhador que não podem ser diminuídas nem pela vontade comum das partes.
Dessas normas resultam, muitas vezes, direitos irrenunciáveis, como sucede, designadamente, com o direito do trabalhador à retribuição convencional ou legalmente estabelecida, durante a vigência do contrato de trabalho, o direito do mesmo à reparação, nos termos legalmente previstos, por danos emergentes de acidente de trabalho, etc.
Compreende-se, pois, que, para salvaguarda destes direitos, o legislador tenha introduzido no Código de Processo de Trabalho uma norma como a que instituiu no artº 74º desse diploma, ao estabelecer que “O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho”.
No direito processual do trabalho, a lei impõe ao julgador que condene, ainda que para além do que foi peticionado, quando...
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