Acórdão nº 158/03.7JACBR-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução24 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum colectivo n.º 158/03.7JACBR, da Vara de Competência Mista de Coimbra – 1.ª Secção, em que, entre outros, arguida é A...

, melhor identificada nos autos, por despacho de 20.03.2014, considerando não ser de revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que a mesma foi condenada, decidiu o tribunal julgá-la extinta.

  1. Inconformada com a decisão da mesma interpôs recurso a Digna Procuradora da República, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1 – O presente recurso é interposto do douto despacho proferido pela M. ma Juiz a quo que, por considerar verificar-se nos autos uma situação de caso julgado sob condição resolutiva, sustentou ser a data de 22 de Julho de 2005, a do ínicio do cômputo do prazo de quatro anos da suspensão de execução da pena de prisão imposta à arguida A..., cujo termo ocorreria em 22 de Julho de 2009.

    2 – Razão pela qual, os factos (praticados entre 23 de Novembro de 2009 e Fevereiro de 2010) determinantes da condenação da arguida, no PCC n.º 8/09.0GMMV, do Tribunal Judicial de Montemor – O – Velho, pelo crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis anos de prisão, que está a cumprir, deviam ter-se por praticados fora do prazo de suspensão da execução da pena.

    3 – Entendendo-se, como no douto despacho recorrido, que as três condenações sofridas pela arguida, no decurso do período de suspensão da execução, o foram em penas não detentivas, pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, formulou-se um juízo de que esses praticados crimes não eram de molde a infirmar a consecução das finalidades da punição, face à rejeição legal da automaticidade da revogação e declarou-se extinta a pena de prisão imposta, pelo decurso do prazo da suspensão.

  2. Não se desconhece que «vem sendo jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça que em casos de comparticipação, e tendo em conta entre o mais o disposto na al. d) do n.º 2 do art. 403.º, forma-se caso julgado parcial em relação aos arguidos não recorrentes; estes passam a cumprir pena, sem prejuízo do recurso interposto por qualquer dos comparticipantes lhes poder aproveitar», «Daí se falar, em relação a eles, de caso julgado sob condição resolutiva, a partir da disciplina do art. 403.º».

  3. No entanto para que tal desiderato do legislador atinja o seu objectivo pleno é necessário que decorrido o prazo para que o co-arguido recorra, sem que tal aconteça, seja determinado pelo Tribunal, ainda que implicitamente pela prática de actos donde tal conclusão se infira, que, relativamente a esse co-arguido, a decisão condenatória transitou em julgado, ordenando-se o cumprimento das diligências necessárias ao acompanhamento da execução da pena.

  4. Doutro modo e nos casos de suspensão da execução da pena com obrigação de acompanhamento pela D.G.R.S. ou com imposição de regime de prova, estar-se-ia a contrariar o disposto no douto acórdão condenatório respeitante a essa parte, decorrendo o período de execução da suspensão da pena sem que tivessem sido cumpridas as condições estipuladas na decisão.

  5. No caso dos autos, apenas em 26.01.2006, após a verificação do trânsito em julgado relativamente a todos os arguidos, foi determinado se enviasse cópia do acórdão ao, então I.R.S., para se processar o ordenado acompanhamento da arguida.

  6. Fácil é, pois, constatar que o trânsito em julgado do acórdão ocorreu em 24 de Janeiro de 2006, conforme declarado no boletim enviado ao C.R.C. e consta do próprio certificado de registo criminal da arguida.

  7. No decurso da suspensão da execução da pena, a recorrente voltou a preencher, para além de outro, um dos tipos legais de crime para que é manifestamente propensa – tráfico de estupefacientes – evidenciando a desvalorização que atribui a essa sua conduta típica e penalmente ilícita, sendo condenada, em pena de prisão em efectividade.

  8. Na verdade, se essas condenações, já dizem muito da personalidade da arguida e da sua dificuldade em passar a adoptar uma postura socialmente adequada, mais revelam, quando, conforme resulta do relatório final, elaborado pela D.G.R.S., reconhecendo essa «deficiente interiorização de alguns valores jurídicos e sociais», aliada à convivência com familiares «que já tinham sofrido condenações em penas de prisão ou medidas de comunidade», os técnicos de reinserção social, no decurso do período de acompanhamento, alertaram, por diversas vezes a arguida «para a necessidade de se afastar de determinadas pessoas e lugares (…) que constituíam factores de risco da reincidência (…) o que aquela não fez».

  9. E mesmo que se entenda, o que só por mera hipótese académica se equaciona, que o trânsito em julgado da decisão proferida nestes autos ocorreu, como é pugnado no douto despacho sob recurso, em 21 de Junho de 2005, é inegável que a arguida praticou e foi condenada, por três vezes mais, por factos ilícitos típicos.

  10. E se é certo que, em todas essas condenações, o Tribunal se bastou pela aplicação de uma nova suspensão da execução da pena de prisão ou pela sua substituição da pena de prisão por pena de multa, essas reacções penais não detentivas não deverão irremediavelmente, condicionar a possibilidade de revogação da suspensão da pena, pois deste modo estar-se-ia a cair, também, nos efeitos automáticos das penas, rejeitado pela M.ma Juíz a quo, mas agora no sentido contrário à revogação.

  11. A prática dos referenciados crimes, no decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão, para além daquele que já anteriormente praticara, é bem demonstrativo de que a arguida não apenas desprezou as oportunidades que lhe foram concedidas para adequar o seu comportamento ao dever ser jurídico – penal, como cavou ainda mais o fosso que lhe competia transpor para se reinserir socialmente, revelando uma personalidade com apetência para a prática de crimes e a sua dificuldade em adequar-se aos padrões e normalidades sociais.

  12. As declarações prestadas pela arguida, na sequência da audição a que alude o n.º 2, do artigo 475.º do CPP são, aliás, a demonstração cabal da sua falta de interiorização dos valores jurídico-penais.

  13. A estas intensas exigências de prevenção especial, acrescem fortes necessidades cautelares de prevenção geral, pelo que a manutenção do despacho que determinou a extinção da pena de prisão, no caso, colocaria em crise as expectativas comunitárias na validade das normas jurídicas violadas.

  14. Em conformidade, deve ser revogada a suspensão da execução e determinado o cumprimento em efectividade da pena de três anos de prisão, imposta à arguida A..., nos presentes autos.

  15. A decisão recorrida ofendeu o disposto pelos artigos 40.º, n.º 1, 56.º e 57º, n.º 1, do Código Penal, e 475º, do Código de Processo Penal.

    Nestes termos e pelo mais que, V.as Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, julgando-se procedente o recurso interposto e, consequentemente determinando-se a substituição da decisão que declarou extinta a pena, pelo decurso do prazo, a pena de prisão imposta, por outra que determine a revogação dessa suspensão da execução e o cumprimento em efectividade da pena de prisão de três anos, imposta à arguida, far-se-á justiça.

  16. Por despacho de 08.04.2014 foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.

  17. Ao recurso respondeu a arguida, concluindo: I. O Trânsito em julgado da sentença em relação à arguida ocorreu em 21-06-2005; II. O prazo de suspensão da execução da pena de 4 anos aplicado à arguida situou-se entre 21-06-2005 e 21-06-2009.

    1. A partir de 15 de Setembro de 2007, o legislador penal, através da Lei 59/2007 de 4 de Setembro, veio alterar o dispositivo do n.º 5 do art.º 50º, impondo que a suspensão da execução terá duração igual à pena de prisão determinada na sentença.

    2. A arguida não requereu a aplicação de tal regime através do mecanismo previsto no art.º 371 – A do CPP e 2º nº 4 do CP, a fim de lhe ser aplicado o regime mais favorável e ver reduzido o período de suspensão de 4 para 3 anos.

    3. Contudo, a ratio de tal alteração legislativa, e as respectivas consequências práticas não poderão deixar de ser levadas em conta pelo julgador que tenha que avaliar pressupostos relevantes, em especial condicionantes do período de tempo de suspensão que não existiria caso fosse aplicada a lei mais favorável.

    4. Os crimes referidos na decisão ora recorrida de condução sem habilitação legal, cometidos e julgados no decurso do período de suspensão foram sancionados, com penas de prisão suspensa na sua execução ou pena de multa.

    5. Os julgadores destes crimes, tendo acesso ao CRC da arguida tiveram conhecimento da prática do crime cuja pena suspensa se pretende agora ver revogada.

    6. Mesmo assim, fizeram um juízo de prognose favorável sobre as probabilidades de ressocialização da arguida mantendo a confiança nesta ao não aplicarem uma pena de prisão efetiva.

    7. Acresce que para além do acabado de referir, não foi sustentada e fundamentada qualquer tese de que a prática de tais crimes revelava, e em que medida, uma frustração das finalidades que a suspensão da execução da pena visava alcançar.

    8. Os crimes são de natureza diversa e gravidade distinta, pelo que por si só não são suscetíveis de fundamentar tal frustração de finalidades.

    9. O crime de tráfico de estupefacientes foi praticado já fora do período de suspensão.

    10. Se considerado o segundo prazo referido de trânsito, por mera hipótese académica, este crime poderá ser considerado para efeitos de revogação nos termos do n.º 2 do art.º 57º do CPP. No entanto, valerá aqui o que referimos na conclusão V. e IX.

    11. A arguida não violou grosseiramente, como seria necessário para fundamentar a revogação, das condições impostas no acórdão condenatório, nomeadamente a de conseguir um trabalho estável.

    12. O relatório da...

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