Acórdão nº 1642/10.1TBVIS-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução28 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório No processo especial de insolvência instaurado por B..., sendo requerida “A..., L. da”, foi a devedora declarada insolvente por sentença proferida em 21 de Junho de 2010, transitada em julgado.

    Tendo sido apreendidos para a massa os bens identificados no respectivo auto, foram reclamados créditos, tendo a Sr.ª Administradora de Insolvência elaborado a lista dos créditos reconhecidos (fls. 9 a 19 deste apenso de reclamação) e não reconhecidos (fls. 3 a 8).

    Incluído na lista dos créditos reconhecidos, e para o que aqui releva, foi indicado o titulado por C..., no valor de €26 797,65 (vinte e seis mil, setecentos e noventa e sete euros e sessenta e cinco cêntimos), qualificado como estando dotado de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial, dado que o credor reclamante, trabalhador da insolvente, nela exercia funções como trolha, daí ter esclarecido a Sr.ª AI ter considerado que o privilégio incidia sobre os imóveis apreendidos que pela devedora haviam sido construídos.

    A credora reclamante E... veio impugnar o crédito em causa, alegando desconhecer a factualidade alegada pelo identificado reclamante em suporte do indicado privilégio imobiliário especial, designadamente se, como refere, trabalhava como trolha por conta da insolvente e em que locais ou imóveis foram tais funções exercidas, acrescentando que, conforme consta do documento junto com a reclamação, à data da declaração de insolvência já o contrato de trabalho se encontrava extinto (cf. fls. 133).

    O credor titular do crédito objecto de impugnação não respondeu.

    * Foi proferido despacho saneador, prosseguindo os autos com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, peças que se fixaram após decisão das reclamações de que foram objecto (cf. fls. 1661 e ss.).

    Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo, vindo a final a ser proferida douta sentença por cujos termos, e para o que releva no âmbito do presente recurso, foi julgado reconhecido o crédito reclamado pelo trabalhador C... no valor de €26.797,65 e, bem assim, que o mesmo se encontrava dotado de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário especial sobre os prédios descritos nas verbas 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14 e 15 do auto de apreensão.

    Em conformidade, foi o mesmo crédito graduado antes do crédito titulado pela credora E... garantido por hipoteca incidente sobre os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob os n.ºs 5477-B da freguesia de (...) , verba n.º 1 do auto de apreensão; 5477-A da freguesia de (...) , verba n.º 2; 1501-M da freguesia de (...), verba n.º 8; 1501-E da freguesia de (...), verba n.º 9; 1501-C da freguesia de (...), verba n.º 10; 1459 da freguesia de (...), verba n.º 12.

    Inconformada, apelou a credora reclamante E... e, tendo apresentado as razões da sua discordância com o decidido, rematou as alegações apresentadas com as seguintes necessárias conclusões: “1.ª A aqui Recorrente reclamou, oportunamente, créditos no âmbito dos presentes autos de insolvência, invocando garantia hipotecária, entre outros, sobre os seguintes imóveis apreendidos: i. Fracção designada pela letra B, integrante do prédio urbano descrito na CRP de Viseu sob o nº 5477, freguesia de (...) , identificada sob a verba nº 1 do auto de apreensão; ii. Fracção designada pela letra A, integrante do prédio urbano descrito na CRP de Viseu sob o nº 5477, freguesia de (...) , identificada sob a verba nº 2 do auto de apreensão; iii. Fracção designada pela letra M, integrante do prédio urbano descrito na CRP de Viseu sob o nº 1501, freguesia de (...), identificada sob a verba nº 8 do auto de apreensão; iv. Fracção designada pela letra E, integrante do prédio urbano descrito na CRP de Viseu sob o n.º 1501, freguesia de (...), identificada sob a verba n.º 9 do auto de apreensão; v. Fracção designada pela letra C, integrante do prédio urbano descrito na CRP de Viseu sob o nº 1501, freguesia de (...), identificada sob a verba nº 10 do auto de apreensão; vi. Prédio urbano descrito na CRP de Viseu sob o nº 1459, freguesia de (...), identificada sob a verba n.º 12 do auto de apreensão; 2.ª- O crédito reclamado pela aqui Recorrente foi reconhecido, quer na lista elaborada ao abrigo do art.º 129º CIRE, quer na presente sentença sob recurso, como garantido por hipoteca sobre os mencionados imóveis; 3.ª- Também na mesma lista elaborada pela Sr.ª Administradora da Insolvência ao abrigo do art.º 129º do CIRE, foi reconhecido, entre outros, a C... , um crédito de natureza laboral no montante de 26.797,65€, ao qual foi reconhecido privilégio imobiliário especial sobre os imóveis apreendidos nestes autos; 4.ª- Tal privilégio – imobiliário especial - foi tempestivamente impugnado nos termos do art.º 130º CIRE pela aqui Recorrente em relação os supra referidos imóveis apreendidos melhor identificados na alínea AA); 5.ª- À referida impugnação da aqui Recorrente não houve qualquer resposta, nos termos do art.º 131º CIRE; 6.ª- Apesar do exposto, a douta sentença reconheceu tal crédito, e graduou-o antes do crédito hipotecário da aqui Recorrente, e em relação aos imóveis supra identificados, (…) 7.ª- Nos termos do art.º 130.º do CIRE a lista de créditos elaborada nos termos do art.º 129.º do mesmo diploma, pode ser impugnada, entre outros, quanto à “qualificação dos créditos reconhecidos” (sic); 8.ª- A aqui Recorrente impugnou, tempestivamente e ao abrigo do art.º 130.º do CIRE, a mencionada lista de créditos reconhecidos, entre outros, quanto ao privilégio (imobiliário especial) atribuído ao crédito reconhecido ao mencionado C... ; 9.ª- Por sua vez, dispõe o art.º 131.º do CIRE que “Pode responder a qualquer das impugnações o administrador da insolvência e qualquer interessado que assuma posição contrária, incluindo o devedor” e que a falta de resposta à impugnação tem como consequência a “impugnação ser julgada procedente” (sic, negrito nosso); 10.ª- Efectivamente, a resposta à impugnação é um ónus que recai sobre o interessado (neste caso sobre o credor cujo privilégio creditório foi impugnado) em ver, neste caso, a natureza do seu crédito reconhecida nos termos reclamados e reconhecidos na lista elaborada ao abrigo do art.º 129.º CIRE, ónus esse que se não for tempestivamente cumprido, tem como legal consequência o não reconhecimento do mencionado privilégio.

    1. - À mencionada impugnação da natureza (privilégio imobiliário especial) atribuída ao mencionado crédito do citado C... , não houve qualquer contraditório, nos termos do art.º 131.º do CIRE.

    2. - Consequentemente, não deveria ter sido reconhecido privilégio imobiliário especial ao crédito reclamado por C... e no que tange aos imóveis que garantem (com hipoteca) o crédito da aqui Recorrente, nem tal crédito ter sido graduado antes do crédito hipotecário da aqui Recorrente; 13.ª- Assim, mal esteve a douta sentença sob recurso ao reconhecer que “embora a E... tenha impugnado o privilégio imobiliário, a que nenhum interessado respondeu” não aplicou a sanção processual prevista no n.º 3 in fine do art.º 131.º do CIRE, qual seja a de a impugnação da aqui Recorrente (impugnação da natureza privilegiada reconhecida ao aludido crédito) ser julgada procedente; 14.ª- Termos em que se impugna, no presente recurso, a parte da douta sentença de verificação e graduação de créditos, na parte em que reconhece o privilégio imobiliário especial do crédito de C... e o gradua, antes do crédito hipotecário da aqui Recorrente, sobre os imóveis supra identificados na alínea AA); 15.ª- Requer-se que, em relação à aqui Recorrente e ao seu crédito reclamado e reconhecido como hipotecário, no que tange aos imóveis supra identificados na alínea AA), não seja reconhecido o privilégio imobiliário especial, reclamado e reconhecido ao crédito de C... , com as legais consequências, quais sejam, tal crédito de natureza laboral vir a ser graduado após o crédito hipotecário da aqui Recorrente, para pagamento pelo produto da venda dos citados imóveis”.

    Com os aludidos fundamentos e indicando como violadas as normas dos art.ºs 130.º e 131.º, ambos do CIRE, e art.º 686.º Código Civil, requer a revogação da sentença apelada na parte impugnada e sua substituição por decisão que gradue a totalidade do crédito reclamado (e reconhecido) por C... após o crédito hipotecário da aqui Recorrente, para pagamento pelo produto da venda dos bens imóveis melhor supra identificados.

    * Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso -cf. art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, ambos do CPC- a única questão submetida à apreciação deste Tribunal consiste em indagar se o nº 3 do art.º 131.º do CIRE consagra um cominatório pleno, tendo o Mm.º juiz incorrido em erro de julgamento por errónea interpretação do ali preceituado quando considerou que o crédito reclamado pelo trabalhador C... se encontrava provido de privilégio imobiliário especial.

    * A matéria de facto dada como assente na sentença sob recurso não foi impugnada. Todavia, constata-se ser a mesma completamente omissa quanto ao reclamante C... , cujo crédito, no que respeita à sua qualificação, é objecto do presente recurso.

    Dispõe o art.º 607.º do CPC, no seu n.º 4, aqui aplicável ex vi do disposto no art.º 17.º do CIRE, que na sentença o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, imposição da lei que vale ainda para os acórdãos (cf. n.º 2 do art.º 663.º do mesmo diploma legal).

    No caso em apreço, conforme se alcança dos termos da impugnação deduzida pela E... , não pôs a mesma em causa que o reclamante C... fosse credor da insolvente, não questionando tão pouco a natureza do seu crédito, tendo-se limitado a impugnar a factualidade alegada tendo em vista a sua qualificação. E por assim ser, deverão tais factos -existência do crédito, sua natureza e montante- sobre os quais existiu acordo, ser aqui considerados, pelo que serão aditados ao elenco dos factos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT