Acórdão nº 69/14.0T8CNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução03 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. S (…), residente em Ponte de Lima, instaurou a presente acção declarativa contra Brisa Auto-Estradas de Portugal, SA e C... – Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação destas a pagarem-lhe uma indemnização no montante de 24.610,22 €, acrescida de juros de mora desde citação, e da parte ainda ilíquida referente ao dano da privação do seu veículo. Alega, em síntese, que no dia 22.10.2013 o condutor do seu veículo automóvel de matrícula 61-57-ZO, quando circulava na auto-estrada nº 1 no sentido norte-sul, em troço da área de Cantanhede, foi surpreendido por um cadeirão almofadado, em estrutura de madeira, tipo poltrona, que se encontrava prostrado e assente no solo, totalmente sobre a zona média da faixa de rodagem do corredor de tráfego situado mais à direita da pista de tráfego por onde seguia, tendo-se, em consequência, despistado indo embater no rails de protecção metálica. Desse acidente resultaram danos para si, da responsabilidade da ré Brisa, porquanto sendo concessionária da auto-estrada não tomou as precauções necessárias para prevenir o acidente, e da ré seguradora na medida em que assumiu a responsabilidade civil daquela por danos sofridos por terceiros, utentes das auto-estradas objecto do contrato de concessão.

Ambas as rés apresentaram contestação impugnando a factualidade alegada pela autora, excepcionando ainda a 1ª ré a sua ilegitimidade.

Foi, depois, ordenada a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem quanto à eventual incompetência, em razão da matéria, dos tribunais comuns, apenas a autora se tendo pronunciado, defendendo que os tribunais comuns são materialmente competentes para dirimir o presente litigio.

* Foi, depois, proferido saneador-sentença que declarou a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria por tal competência pertencer aos tribunais administrativos e, consequentemente, absolveu as RR da instância.

* 2. A A. interpôs recurso, tendo concluído como segue: (…) 3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados Os factos provados são os que dimanam do relatório supra.

III – Do Direito 1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Competência material do tribunal.

  1. Na decisão recorrida escreveu-se que: “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são assim os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (art. 1º, nº 1 do ETAF).

“A doutrina entende que devem ser consideradas relações jurídicas administrativas as relações interpessoais e inter-administrativas em que de um dos lados da relação se encontre uma entidade pública, ou uma entidade privada dotada de prerrogativas de autoridade pública, tendo como objecto a prossecução do interesse público, de acordo com as normas de direito administrativo .... “ (Jonatas E. M. Machado, “Breves Considerações em torno do âmbito da justiça administrativa. Reforma da Justiça Administrativa”, Boletim da Faculdade de Direito/Universidade de Coimbra, Studia Juridica 86, Colloquia 15, 2005, pág. 93).

Nas palavras de J. C. Vieira de Andrade in “A Justiça Administrativa” (Lições), 6ª ed., pág. 57 e 58, são aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.

“Por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intra-administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem. Por outro lado, as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica (…). Por outro lado, não está excluída a ocorrência de litígios interprivados, não só por efeito do apontado alargamento da competência dos tribunais administrativos no âmbito da impugnação de actos pré-contratuais e da acção de contratos e da acção de responsabilidade civil extracontratual (artigo 4.º, n.º 1, alíneas g) e i), do ETAF)” [Fernandes Cadilha, in Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2006, pgs. 117-118, citado no acórdão do STJ de 14/01/2013, supra referenciado]. – Cfr. Ac. RP de 10.03.15, proc. 528/10.4TBVPA.P1.

O art. 4º do ETAF concretiza o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos, definindo, através de enumerações exemplificativas, quer os litígios nela incluídos quer os que dela estão excluídos.

“Com a reforma do contencioso administrativo, a pedra de toque para a atribuição da competência em razão da matéria aos tribunais administrativos ou aos tribunais judiciais passou a ser o conceito de relação jurídica administrativa, considerado um conceito-quadro muito mais amplo do que o de gestão pública. Todavia, como assinala Mário Aroso de Almeida, em termos metodológicos, o ponto de referência a ser adoptado para determinar perante um caso concreto, se um determinado litígio deve ser submetido à apreciação dos tribunais administrativos e fiscais ou dos tribunais judiciais não reside, em primeira linha, no artigo 1.º, n.º 1, do ETAF nem no critério constitucional da relação jurídica administrativa ou fiscal [9]. O art. 212.º, n.º 3 da CRP ao assentar a definição do âmbito da jurisdição administrativa num critério substantivo, centrado no conceito de “relações jurídicas administrativas e fiscais”, não estabelece uma reserva material absoluta, admitindo derrogações pontuais, desde que não descaracterizem o modelo típico da dualidade de jurisdições[10].

Na ausência de determinação expressa em sentido diferente, contida em lei avulsa, que determine a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, valem os critérios contidos nos artigos 1.°, n.° 1 e 4.° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Da conjugação destes normativos conclui Mário Aroso de Almeida, que «pertence ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de todos os litígios que versem sobre matéria jurídica administrativa e fiscal e cuja apreciação não seja expressamente atribuída, por norma especial, à competência dos tribunais judiciais, assim como...

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