Acórdão nº 151/10.3TBCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução08 de Julho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

M (…) e A (…) instauraram contra AP (…), ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo ordinário.

Pediram: 1. Que seja reconhecido e declarado que, à data da celebração da escritura de doação mencionada nos art.º 11.º e ss. da petição inicial, o prédio urbano nela identificado como sendo seu objecto era propriedade não só de (…)como também da herança aberta por óbito de seu marido, (…)de que são seus herdeiros legitimários, os autores, a interveniente M (…) e a mesma (…) ou, caso assim se não entenda, para além da Inabilitada (…), os autores, a interveniente M (…) e a Inabilitada (…) todos estes em comum e sem determinação de parte ou direito.

2. Que seja reconhecido e declarado que a doação, objecto da escritura de compra e venda mencionada nos art.º 11.º e ss. da petição inicial, é nula, com a consequente condenação do Réu a reconhecê-lo para todos os efeitos; ou, para o caso de assim se não entender, 3. que seja reconhecido e declarado que a doação objecto da escritura mencionada nos art.º 11.º e ss. da petição inicial, é ineficaz em relação à herança aberta por óbito de (…), falecido marido de (…) ou, caso assim se não entenda, aos Autores e à interveniente M (…), com a consequente condenação do Réu; e, em qualquer caso, 4. que seja decretado o cancelamento de quaisquer registos prediais, já efectuados, pendentes e ou futuros, relacionados, sob qualquer forma, com a escritura de doação mencionada.

5. Que o réu seja condenado a, de imediato, restituir e entregar aos autores, si e como representantes e ou gestores de negócios da Inabilitada (…) e da herança aberta por óbito de seu pai (…), o identificado prédio urbano com todos os frutos e benfeitorias contados desde 22 de Janeiro de 1999, até sua efectiva restituição e entrega.

6. Que o réu seja condenado a pagar à herança aberta por óbito de (…), aos autores, à interveniente M (…) e à inabilitada (…) a título de indemnização, o valor de todos e quaisquer danos que, em consequência, da outorga da escritura mencionada nos art.º 11.º e ss. da petição inicial e do subsequente à mesma, estes, individualmente ou não, e sob qualquer título ou forma, desde então sofreram, sofram, e ou venham de futuro a sofrer, a liquidar nos termos do n.º 2 do art.º 661.º do Cód. Proc. Civil.

E ainda que seja admitida a intervenção principal provocada de M (…) e, em consequência, ordenada a sua citação.

Para tanto alegaram, em síntese: Sendo filhos, juntamente com M (…), de (…), esta última, em 22.01.1999, doou ao réu, por conta da sua quota disponível, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o nº 30882 da freguesia de (...) , actualmente descrito sob o nº 10374/109561024.

Tal prédio fazia parte da herança aberta por óbito de (…), de quem os autores, a requerida interveniente M (…) são herdeiros legitimários, não tendo sido efectuada a competente partilha, pelo que foi doado bem alheio.

A doação feita foi simulada, na medida em que nenhuma das partes teve a intenção ou vontade de proceder a qualquer doação.

O réu não apenas sabia que o prédio não era (…), como que esta não se encontrava, desde há vários anos, capaz de reger convenientemente a sua pessoa e património, dependendo daquele no campo sentimental e material, fazendo o que este queria ou mandava fazer, sem consciência das respectivas consequências ou liberdade para tomar a decisão ou deixar de fazer o que quer que fosse, actuando aquele com o intuito de se apropriar do património de M (...).

O réu contestou.

Negou que (…) fosse incapaz de reger a sua pessoa e património.

Esta (…) confiava nele, nunca tendo actuado de má-fé ou com intenção de se apropriar dos bens daquela.

A doação foi feita de livre vontade e de boa-fé, por si aceite, sendo que era amigo de longa data de (…) e que foi em função dessa amizade que foi feita a doação.

A (…) era a proprietária de todo o prédio e, como tal, tinha legitimidade para doar, por si só, o mesmo.

Os autores replicaram reiterarando a posição por si já vertida no seu articulado inicial.

Foi admitida a requerida intervenção principal de M (…) Por requerimento de fls. 732 e ss. e na sequência de despacho proferido, o réu veio invocar a excepção dilatória da ilegitimidade processual activa da autora M(…) na medida em que está em causa uma indemnização por danos, entendendo dever ser a própria (…), assistida pela sua curadora, a referida autora, a formular o pedido.

Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi julgada a legitimidade activa.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

  1. Declaro que a doação objecto da escritura de compra e venda mencionada nos art.º 11.º e ss. da petição inicial é nula parcialmente por a doadora não poder transmitir metade do prédio objecto de tal doação e, consequentemente, ineficaz, nessa parte, relativamente aos autores e à interveniente principal e condena-se o réu a reconhecê-lo; b) Determino o cancelamento parcial da inscrição de aquisição a favor do réu – Ap. 4385 de 2009/09/02 sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 10374/19561025; c) Absolvo o réu do demais peticionado.

    Condeno os autores e o réu no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em ¾ para os primeiros e ¼ para o segundo (art.º 527.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).» 3.

    Inconformados recorreram os autores.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) Contra alegou o réu pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: (…) Por despacho da anterior relatora foi ordenada a baixa do processo para que fosse emitida pronuncia sobre a arguida nulidade, no recurso, da não consideração da réplica apenas em sede de sentença – artº 617º nº5 do CPC Tal arguição de nulidade foi indeferida.

    4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª – Nulidade da decisão que declarou que a réplica apresentada pelos A.A. “não pode ser atendida e, como tal, não é considerada na presente sentença”.

    2ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    3ª - (Im)procedência do pedido.

    5.

    Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    Clamam os recorrentes que a decisão que desconsiderou a réplica é nula.

    Quer porque ofende o caso julgado decorrente da declaração dos autores como partes legítimas para formularem o pedido efetivado no ponto 6; quer porque, tendo a prova produzida incidido também sobre factos alegados na réplica, a desconsideração implicou a anulação desta prova.

    Mas, em tese, e inclusivé como os recorrentes a definem, a questão não é de nulidade da decisão, mas antes da sua ilegalidade, ou seja, se ela decidiu, ou não, contra o estatuido em norma legal.

    Atentemos.

    A decisão desconsiderou a réplica no entendimento que, no caso vertente, o réu, na contestação, não se defendeu por exceção, mas apenas por impugnação motivada, pelo que tal peça processual era inadmissível, nos termos do artº 502º do pretérito CPC.

    E, vista a contestação, concluiu-se que efetivamente, no que tange ao pedido e ao cerne da causa de pedir, o réu apenas se defendeu por impugnação, ainda que, por vezes, não apenas simplesmente negatória, mas antes explicativa ou motivada.

    Destarte, vedado estava aos autores replicarem.

    Na verdade, e como é consabido, as sucessivas reformas processuais têm vindo a intensificar a redução dos articulados, em abono do princípio da concentração do pedido e da defesa, tudo em benefício de um processo, - e, consequentemente, de uma justiça - mais escorreito, leal e célere.

    De tal sorte que, presentemente, o processo está tipicamente gizado apenas, e por via de regra, para a existência de dois articulados: petição inicial e contestação – cfr. Artº 573º do CPC.

    E nesta senda se inserindo a proibição da réplica, mesmo que o autor se defenda por exceção, pois que tal articulado apenas é aceite quando o réu deduza reconvenção – artº 584º nº1 do NCPC.

    Nesta conformidade, ao terem replicado, os autores praticaram um ato que a lei não admitia e, assim, cometeram uma nulidade prevista no artº 201º do código de antanho.

    Porém, o conhecimento desta nulidade não era oficioso, devendo ela ser arguida por quem se mostrasse interessado, o que, in casu, seria o réu – artºs 202º, 203º e 205º do CPC anterior.

    Ora o réu foi notificado da réplica, e não arguiu a sua inadmissibilidade, no prazo geral de dez dias, pelo que tal nulidade ficou sanada.

    Vedado pois estava à julgadora pronunciar-se sobre a inadmissibilidade de tal articulado.

    Quer porque versou sobre uma nulidade processual que já estava sanada, quer porque tal pronuncia se assume como claramente serôdia e consubstanciadora de um decisão surpresa, frustrante das expectativas legitimamente criadas pelas partes (mesmo do réu) de que o ato – réplica - estava definitivamente firmado/sedimentado.

    Não obstante a ilegalidade formal da decisão, importa apurar se ela, efetivamente, se repercutiu negativamente na defesa dos direitos dos recorrentes, pois que apenas neste caso está legitimada uma intervenção que altere – e, por decorrencia, retarde e complexize – o iter processual; tudo, aliás, em consonância com estatuido para o deferimento da nulidade com base na qual ela foi proferida, o qual apenas pode ser concedido se ela influir no exame e decisão da causa.

    Os recorrentes dizem que houve violação do caso julgado. Mas tal argumentação não colhe: a decisão sobre a legitimidade dos autores nada tem a ver com a nulidade cometida nem com a decisão que sobre ela foi proferida.

    Mais aduzem que tal decisão implicou a anulação da prova que sobre a matéria da réplica foi produzida.

    Mais uma vez, e sdr., fenece esta motivação.

    Por um lado, e bem...

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