Acórdão nº 1534/09.7TBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Junho de 2015
Magistrado Responsável | HENRIQUE ANTUNES |
Data da Resolução | 23 de Junho de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.
Relatório.
A ré, P..., impugna, no recurso ordinário de apelação, a sentença da Sra. Juíza de Direito da Secção Cível da Instância Central da Comarca de Coimbra, proferida no dia 15 de Janeiro de 2015, que, julgando parcialmente procedente a acção que contra ela, o Banco I..., SA, e A..., e cônjuge, M..., foi proposta por J..., a condenou a pagar ao último as quantias de € 30.000,00 (trinta mil euros) referente ao preço devido pela compra e venda da metade indivisa da fração autónoma identificada no ponto A) dos factos provados, ocorrida em 15 de Janeiro de 2004, cfr. ponto G) dos factos provados, e de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de cláusula penal pelo não pagamento, dentro do prazo de 5 anos (contados de 24 de Julho de 2003), do preço referido em 5.1.1., acrescido de juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento, e absolveu os demais réus dos pedidos formulados.
A apelante – que pede no recurso a revogação desta sentença, na parte em que a condena a pagar ao autor a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) referentes ao preço devido pela compra e venda da metade indivisa da fração autónoma identificada no ponto A) dos factos provados, ocorrida em 15 de Janeiro de 2004, e a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de cláusula penal pelo não pagamento, dentro de 5 anos (contados de 24 de Julho de 2003) do preço referido anteriormente, acrescido dos juros de mora desde a citação até integral pagamento, e sua substituição por outra diversa que dê como provado o pagamento ao autor dos € 30.000,00 assumidos na “Declaração Conjunta” de acordo com a declaração por aquele emitida na escritura pública outorgada em 15 de Janeiro de 2004 e, em consequência, a absolva dos pedidos contra si formulados – rematou a sua alegação com esta constelação de conclusões: ...
Na resposta ao recurso, o apelado concluiu, naturalmente, pela improcedência dele.
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Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
2.1. O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes termos: Factos provados.
...
2.2. A Sra. Juíza de Direito adiantou, para justificar o julgamento, designadamente do enunciado referido no ponto 9. dos factos declarados não provados, esta motivação: (…) 3.
Fundamentos.
3.1.
Delimitação objectiva do âmbito do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do nCPC).
A sentença impugnada, com fundamento em que a apelante não cumpriu, pontualmente, a sua obrigação de pagamento do preço - € 30 000,00 – devido pela compra e venda da quota do apelado na fracção autónoma de edifício comum, concretizada em 14 de Janeiro de 2004, o que deveria ter ocorrido até 24 de Julho de 2008, condenou-a, cumulativamente, a pagar ao apelado tal quantia e, bem assim, com fundamento na pena convencionada – que qualificou como cláusula penal compulsória - quantia de igual valor.
A recorrente discorda, fazendo assentar o seu dissentimento, no error in iudicando, por erro na aferição ou apreciação das provas, dos factos – julgados não provados - relativos à contracção, junto da testemunha ..., e dos co-demandados, A... e cônjuge, M..., dos empréstimos das quantias de € 20.000,00 e € 10.000,00, respectivamente, e ao pagamento ao apelado da quantia de € 30.000,00 convencionada como preço da alienação, por aquele, da sua quota na fracção autónoma de edifício de que ambos eram comproprietários.
A impugnação tem por objecto – e mesmo só por objecto – a decisão da questão de facto. No ver da apelante, numa sã e prudente avaliação da prova, deve julgar-se provado, de um aspecto que contraiu os apontados empréstimos e, de outro, que pagou ao apelado a indicada quantia de € 30.000,00, devendo, correspondentemente, julgar-se não provado o facto inverso – que não entregou, até ao presente, ao autor, o valor de € 30.000.00. Note-se que a ofensa, pelo tribunal recorrido, de uma disposição legal que fixe a força de determinado meio de prova – que se verifica, nomeadamente, quando aquele tribunal deixou de conceder ao meio de prova o seu valor legal, como sucede, por exemplo, quando não atribui a um documento autêntico ou à confissão o valor de prova plena – é ainda, ao contrário do que parecer supor a apelante, um erro na apreciação da prova. Como também ainda é um erro na apreciação da prova, a violação de uma proibição de produção ou de valoração de uma prova, como, por exemplo, a utilização da prova testemunhal para demonstração de uma convenção contrária ao conteúdo de documento autêntico (artº 394 nº 1 do Código Civil).
A controvérsia gravita, pois, em torno da quaestio facti, relativa ao facto – essencial - do pagamento do apontado preço, relativamente ao qual os demais factos objecto da impugnação – a contracção dos dois empréstimos - são puramente instrumentais, i.e., de cuja prova se pode inferir – no ver da apelante – a demonstração daquele facto principal. E diz-se no ver da apelante, dado que, coincidindo o âmbito dos factos instrumentais com o da prova indiciária, pelo que só são verdadeiramente factos instrumentais aqueles que constituem a base de presunções judiciais, portanto, aqueles que permitem inferir, através de regras de experiência, o facto principal – não é esse seguramente o caso dos factos relativos à contracção dos empréstimos alegados, dado que da prova destes não se segue – como corolário que não possa ser recusado – a prova do facto do pagamento (artº 351 do Código Civil).
Facto do pagamento que, de harmonia com a alegação da apelante, se deve ter por provado – e plenamente – por força da declaração confessória do apelado, documentada na escritura pública de compra e venda, prova plena que importa a proibição de produção – e logo de valoração – da prova testemunhal.
Sendo esta a questão concreta controversa, então importa proceder ao exame, ainda que leve, da finalidade e dos parâmetros dos poderes de controlo desta Relação relativamente à decisão da questão de facto, do valor probatório do documento no qual se contém a declaração do apelante de recebimento daquele preço e da prova admissível para demonstrar a falta de validade ou de veracidade ou sinceridade dessa mesma declaração.
3.2.
Error in iudicando por erro em matéria de provas.
3.2.1.
Finalidades e parâmetros sob cujo signo são actuados os poderes de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto.
O controlo da Relação relativamente à decisão da matéria de facto pode ter, entre outras, como finalidade, a reponderação da decisão proferida. A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e substituir – a decisão da 1ª instância, designadamente se a prova produzida – designadamente a prova pessoal produzida na audiência final, desde que tenha sido objecto de registo – impuser decisão diversa (artº 640 nº 1 do nCPC).
Todavia, esse controlo é actuado na ausência de dois princípios que contribuem decisivamente para a boa decisão a questão de facto: o da oralidade e da imediação - a decisão da Relação não é atingida por forma oral – mas através da audição de registos fonográficos ou da leitura, fria e inexpressiva de transcrições – e sem uma relação de proximidade comunicante com os participantes processuais, de modo a obter uma percepção própria do material que há-de ter como base dessa mesma decisão.
Além disso, esse controlo orienta-se pelos parâmetros seguintes:
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Do exercício da prova – que visa a demonstração da realidade dos factos – apenas pode ser obtida uma verdade judicial, jurídico-prática e não uma verdade, absoluta ou ontológica, matemática ou científica (artº 341 do Código Civil); b) A livre apreciação da prova assenta na prudente convicção – i.e., na faculdade de decidir de forma correcta - que o tribunal adquirir das provas que foram produzidas (artº 607 nº 5 do nCPC).
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A prudente obtenção da convicção deve respeitar as leis da ciência, da lógica e as regras da experiência - entendidas como os juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos – e que constituem as premissas maiores de facto às quais são subsumíveis factos concretos; d) A convicção formada pelo juiz sobre a realidade dos factos deve ser uma convicção subjectiva fundada numa convicção objectiva, assente nas regras da ciência e da lógica e da experiência comum ou de normalidade maioritária, e portanto, uma convicção cognitiva e não volitiva, voluntarista, subjectiva ou emocional.
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A convicção objectiva é uma convicção argumentativa, i.e., demonstrável através de um ou mais argumentos capazes de se impor aos outros; e) A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis: os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis.
Note-se – de harmonia com a doutrina que se tem por preferível - que os parâmetros dos poderes de controlo em que esta Relação se mostra investida não são inteiramente condizentes com aqueles que – num largo...
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