Acórdão nº 62/04.1JAGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução07 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Moimenta da Beira – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A...

, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em concurso real, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, a) e 3 e de um crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos arts. 217º e 218º, nº 2, a), por referência ao art. 202º, b), todos do C. Penal.

Por despacho proferido na audiência de julgamento de 5 de Fevereiro de 2015 [acta de fls. 664 a 665] foi comunicada uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nada tendo sido requerido.

Por sentença de 5 de Fevereiro de 2015 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime de falsificação de documento e pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 217º e 218º, nº 1, por referência ao art. 202º, a), todos do C. Penal, nas penas de quatrocentos dias de multa e de duzentos e cinquenta dias de multa, respectivamente e, em cúmulo, na pena única de quinhentos e cinquenta dias de multa à taxa diária de € 6,5, perfazendo a multa global de € 3.575.

* Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1 – Vem o presente recurso interposto que condenou o arguido aqui recorrente pela prática de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido pelo artigo 256 nº. 1 alínea a) e nº.3, com referência à alínea a) do artigo 255 todos do CP, na pena de 400 dias de multa, bem como na prática de crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22, 23, 217, nº 1 , 218, nº 1 , por referência à alínea a) do artigo 202 todos do CP., na pena de 250 dias de multa e efectuado o cúmulo jurídico das penas acima referidas, condenar o arguido na pena de 550 dias de multa, à razão diária de 6,5 € no montante global de 3.575,00 € e ainda no pagamento das custas processuais criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

2 – O Tribunal "a quo" ao dar como provada toda a factual idade constante da acusação e referida no artigo 3º deste requerimento, tomou por base o teor dos documentos de fls. 124 e 131 e fundamentalmente pelo depoimento da testemunha D... e B... , sendo certo que o depoimento destas testemunhas conjugado com o teor daqueles documentos de fls. 124 e 131 não são suficientes para criar a convicção de que o arguido havia cometido todos os factos constantes da acusação, não obstante o principio da livre apreciação da prova por parte do douto julgador.

3 – Ora o depoimento daquelas testemunhas conjugado com aqueles documentos de fls. 124 e 131 bem como o teor do relatório de fls. 147 e 168 e ainda os documentos de fls. 30 e 31 e o relatório fotográfico de fls. 68 a 71 não são suficientes para o tribunal criar a convicção de que o arguido havia cometido os factos dados como provados na douta sentença recorrida e referidos nos vários pontos do artigo 3º.

4 – Não obstante isso a verdade é que com base no depoimento daquelas testemunhas e dos documentos acima referidos e que no essencial constam da fundamentação dos factos provados e não provados, a M. Juiz "a quo" não teve qualquer dúvida em exarar na mesma sentença (pasme-se) que foi "o arguido que fez desaparecer o veículo em causa com vista a defraudar a Companhia de Seguros e obter uma indemnização indevida".

5 – Não obstante isso e sem fazer qualquer referência ao facto de ter sido o arguido que havia mudado as chapas da matrícula do veículo Mercedes para as matriculas do veículo Audi, vem condenar o arguido pelo crime de falsificação ou contrafacção de documento, sem que para o efeito tenha feito qualquer referência à actuação material do mesmo arguido ao mudar as chapas da matrícula do Mercedes para o Audi.

6 – Repete-se e de acordo com as premissas a que se faz referência nas alíneas a) e b) do artigo 59 destas alegações de recurso, não há prova clara e concludente de que havia sido o arguido que fez desaparecer do local o veículo Audi para simular um crime e ainda que tenha sido o mesmo arguido que colocou no mesmo veículo Audi as matrículas falsas.

7 – Basta para tanto tomar em linha de conta a fundamentação da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida que no fundo corresponde a uma súmula daquilo que as testemunhas disseram e ainda quanto à análise crítica dos documentos supra referidos.

8 – Embora o arguido tenha negado a prática dos factos quando prestou o seu depoimento inicial e posteriormente e quando foi ouvida a testemunha B... e quando este refere que o arguido tinha todas as chaves do veículo consigo e que alegadamente tinha sido ele próprio que havia referido à testemunha não ter havido qualquer furto, impunha-se que a M. Juiz “a quo” após o depoimento daquela testemunha teria que dar a palavra ao arguido afim de o mesmo poder contradizer o depoimento daquela testemunha.

9 – Resulta da acta de julgamento que o arguido não foi chamado a depor para naturalmente contradizer aquele depoimento falso daquela testemunha B... para assim dizer ser absolutamente falso o facto de ter mostrado as chaves fotografadas à testemunha B... bem como lhe ter referido que não houve qualquer furto do veículo.

10 – Não foi dada assim oportunidade ao arguido para contrariar o depoimento da testemunha para deste modo referir que esta estava a mentir.

11 – Pelo que assim o arguido havia sido condenado com base num depoimento indirecto que não pode servir como meio de prova, tomando em conta o disposto no nº 1 do artigo 129 do C.P.P.

12 – Se é certo que a testemunha B... refere que o arguido lhe teria dito não haver qualquer furto, repete-se e tomando em conta os fundamentos invocados, esse depoimento não pode servir como meio de prova, já que se trata de um depoimento indirecto – artigo 129 do C.P.P.

13 – Sendo certo que a mesma testemunha nunca referiu qualquer alegada conversa com o arguido em que este lhe tivesse referido que apôs matrículas falsas no veículo Audi.

14 – Refere a testemunha B... que ouviu dizer ao arguido de que este lhe havia referido que não houve qualquer furto do veículo, 15 – Ora os factos narrados pela testemunha B... do ouvir dizer não foram susceptíveis de serem submetidos ao contraditório.

16 – Impunha-se pois que a M. Juiz "a quo" após o depoimento da referida testemunha desse a palavra ao arguido afim de o mesmo dizer aquilo que tinha por conveniente, podendo contrariar naturalmente o depoimento daquela testemunha, já que o arguido entende que aquele mentiu descaradamente.

17 – Nesse sentido o tribunal "a quo' não poderia valorar como meio de prova o depoimento da testemunha B... que disse ter ouvido o próprio arguido confirmar que não houve qualquer furto quando não se deu oportunidade ao mesmo recorrente de prestar declarações e de se pronunciar sobre o teor dessa alegada conversa.

18 – Ora impunha-se pois que o tribunal "a quo" tivesse fundamentado a sua convicção na prova produzida em audiência e depois de analisada na sua globalidade, com conjugação com as regras da experiência comum a qual pelas dúvidas razoáveis e inultrapassáveis em que deixaram o tribunal não permitir para além da dúvida razoável julgar não provada a factualidade provada.

19 – Ficou o tribunal perante 2 versões antagónicas sobre a ocorrência ou não ocorrência de tais factos.

20 – Nenhuma delas suficientemente convincente mas que em obediência ao principio "in dubio pro reo" na ausência de outros elementos probatórios não permitam ultrapassar a dúvida razoável que levasse o tribunal a dar como não provados os factos dados como provados.

21 – Ora no caso em análise não há uma certeza absoluta de que o arguido/recorrente havia retirado o veículo do local onde estava estacionado levando-o para um lugar ermo para assim conseguir enganar a Companhia de Seguros.

22 – Muito menos se provou que o arguido havia mudado as chapas da matrícula colocando as matrículas do veículo Mercedes no veículo Audi, apondo-lhe assim matrículas falsas para assim dificultar que o mesmo veículo fosse encontrado.

23 – Houve portanto uma violação do princípio in dubio pro reo já que é manifesto que a M. Juiz "a quo" face às dúvidas suscitadas e perante uma dúvida relevante deveria decidir contra a acusação, acolhendo assim decisão que favorece o arguido.

24 – Ora na sequência desses considerandos e em obediência ao principio in dubio pro reo e na ausência de outros elementos probatórios, deveria o tribunal "a quo" face à dúvida razoável existente, dar como não provados os factos provados e consequentemente absolver o arguido dos crimes porque vem acusado.

25 – Sendo que caso assim se não entender e tomando em conta o alegado nos artigos 67 e 81, quando muito deverá o arguido ser absolvido do crime de falsificação e contrafacção de documentos.

26 – Já que quanto aos factos integrados nesse mesmo crime não foi feita qualquer prova, já que além de ninguém ter visto o recorrente apor matrículas falsas no veículo Audi, a testemunha B... não relatou qualquer conversa que tivesse tido com o arguido em que este lhe tivesse referido que havia colocado matrículas falsas no Audi, para deste modo dificultar que o mesmo fosse encontrado ao contrário da alegada conversa em que o mesmo arguido lhe havia referido não ter havido qualquer furto do veículo.

27 – A sentença recorrida violou ou não fez uma aplicação correcta do disposto nos artigos 22, 23, 202 alínea a), 217 n.º 1, 218 n.º 1, 255 alínea a). 256 n.º 1 e n.º 3 alínea a), 128 n.º 1, 129 do C.P.P. e 32 n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que, Tomando em conta os fundamentos supra invocados e fundamentalmente com o douto suprimento de V.Exas. deve dar-se provimento ao presente recurso no sentido do arguido aqui recorrente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT