Acórdão nº 69/13.8TBLSA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelALEXANDRE REIS
Data da Resolução20 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: A…, S.A.

, propôs esta acção contra Massa Insolvente da Sociedade S…, Lda. e outra, pedindo, além do mais, que essa R fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 13.000 e na quantia que se viesse a liquidar, para reparação dos prejuízos que disse ter sofrido devido ao incumprimento pela mesma de um contrato de compra e venda de um veículo celebrado entre ambas ([1]).

A R contestou impugnando os fundamentos invocados pela A e declarando, a final, que não liquidara a taxa de justiça devida pelo impulso processual porque se encontrava em situação de insolvência e como tal estava isenta de custas processuais, ao abrigo do art. 4º nº 1 u) do RCP.

No seguimento, a Sra. Juíza proferiu despacho mediante o qual, após a sua reforma, determinou que a contestante fosse notificada para, em 10 dias, comprovar nos autos o pagamento da taxa de justiça, porque a invocada isenção de custas processuais “não se aplica à massa insolvente de uma sociedade comercial já declarada insolvente”.

Na sentença, a Mma. Juíza, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a R massa insolvente a pagar à A a quantia de € 6.000, acrescida de juros.

Inconformada com os referidos despacho e sentença, a 1ª R apelou, delimitando o recurso por conclusões que colocam as questões de saber se: 1ª- a apelante beneficia de isenção do pagamento de custas processuais ao abrigo do disposto na alínea u) ou na alínea f) do nº 1 do art. 4º do RCP; 2ª- a Sra. Juíza fez incorrer o seu despacho em nulidade, ao proferi-lo sem notificar a apelante para fundamentar a isenção que invocara (art. 3º nº 3 do CPC); 3ª- a opinião prestada, de forma geral e abstracta, pela testemunha … sobre como um veículo automóvel pesado de trabalho se desvaloriza permite considerar como provado que o tractor em causa apenas se desvalorizou entre dois a três por cento ao ano, valendo, portanto, em Março de 2013, pelo menos, € 20.044,75; 4ª- deve fixar-se a indemnização a pagar à A em valor não superior a € 228,93.

São os seguintes os factos considerados provados pela 1ª instância: … E foram os seguintes os factos (relevantes) considerados não provados: ...

Importa apreciar as enunciadas questões e decidir.

A isenção de custas processuais.

No nosso ordenamento jurídico, só não é tributada a actividade dos tribunais que seja desencadeada por sujeitos processuais e em casos, uns e outros expressa e excepcionalmente definidos na lei. Por regra, o acesso ao direito importa a imposição do respectivo custo às partes, porquanto a actividade jurisdicional não é exercida gratuitamente ([2]), impendendo sobre os litigantes o ónus, quer de pagar as taxas de justiça e os encargos fixados para que as suas pretensões ou posições possam ter seguimento, quer de satisfazer, no final do processo, todas as quantias ainda não preenchidas por meio daquele adiantamento.

É o que se retira do art. 1º do RCP, nos termos do qual todos os processos estão sujeitos a custas, sendo considerados como processos, «(…) acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria». Até os processos de insolvência estão, sem dúvida, sujeitos ao pagamento da correspondente taxa de justiça e custas, as quais são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado (cf. arts. 301º a 304º do CIRE).

As excepções à regra geral do pagamento das aludidas despesas vêm consignadas no dito Regulamento, particularmente, no que ora interessa, no seu artigo 4º nº 1, do qual iremos convocar os dois segmentos normativos citados no recurso, que prevêem isenção de custas relativamente aos seguintes sujeitos: «u) As sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho»; «f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável».

No entanto, salvo o devido respeito, a massa insolvente ora apelante não se enquadra em qualquer dessas previsões ou de alguma outra que preveja a excepcional isenção subjectiva de custas.

Atendendo à sua natureza excepcional, tais normas não podem ser interpretadas e aplicadas com um sentido que não seja claramente consentido pelo respectivo elemento literal – a letra da lei –, ou seja, a isenção de custas não pode ser estendida a entidades não explicitamente escolhidas e designadas pelo legislador para o efeito.

Ora, como é bom de ver, a apelante não é uma sociedade (civil ou comercial), uma cooperativa ou um estabelecimento individual de responsabilidade limitada que esteja em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, antes é a própria massa insolvente que cronologicamente sucedeu à declaração de insolvência e à dissolução de uma sociedade comercial. Neste sentido, vai a anotação do Guia Prático sobre “Custas Processuais”, editado em Fevereiro de 2014 pelo CEJ e pela DGAJ (pág. 55 e s) sobre aquele primeiro normativo: «De salientar que a isenção de custas consagrada na alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP, para uma sociedade comercial em situação de insolvência, destina-se, não só à própria ação em que se verifica a apresentação à insolvência (ou em que é requerida a declaração a declaração de insolvência), mas também às restantes ações em que a sociedade seja parte, desde que se verifiquem os pressupostos da situação de insolvência, com exceção das ações que tenham por objeto litígios relativos ao direito do trabalho. Por outro lado, a sentença que declara a insolvência de uma sociedade comercial faz cessar a situação de insolvência em que a mesma se encontrava, determinando a constituição de uma massa insolvente à qual já não é aplicável esta isenção subjetiva constante da al. u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP.».

E a apelante também não é, evidentemente, uma pessoa colectiva privada sem fins lucrativos. Sobre o segundo de tais segmentos normativos, o acima citado Guia regista os seguintes exemplos (pág. 46): «Os Sindicatos quando atuem em defesa de interesse coletivos beneficiam da isenção, mas não já se a sua atuação visa a defesa de certo(s) e determinado(s) trabalhador(es). Face à letra da lei, é defensável considerar que estão também abrangidas pela isenção subjectiva prevista na alínea f) em apreço as associações de utilidade pública legalmente constituídas e registadas como Entidades de Gestão Coletiva de Direitos dos Produtores Fonográficos (…)».

Assim, uma sociedade comercial que apresente requerimento inicial para obter a declaração da sua própria insolvência não tem que proceder ao pagamento da taxa de justiça, atenta a isenção de custas prevista na referida alínea u), cujo teor literal aponta para que o mesmo deva suceder em relação a todo o tipo de...

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